52 - Back home.
POV Brunna Gonçalves
— Então você saiu de casa? — Ludmilla perguntou, quando já estávamos deitadas na cama dela. Eu estava abraçada à seu corpo, com minhas pernas enlaçadas nas dela e uma de minhas mãos brincando com as mechas de seu cabelo. A pele quente dela contra a minha me fez pensar em como eu havia sentido falta daquele contato.
Suspirei, fazia um bom tempo que eu não falava sobre a minha família.
— Sim — respondi, pensando em como Sofia deveria estar grande naquele momento e que provavelmente nem se lembrava mais do meu rosto. — Uma semana depois que eu terminei com você por causa dele, deixei meu pai e seu dinheiro e parti para New York, onde tinha ganhado a bolsa de estudos pra música.
— E você ficou esse tempo todo sem ver seus pais e Sofia? — Ludmilla indagou olhando-me com certa pena.
— Basicamente — disse à ela tirando meu olhar do dela. — Falava com Sofia por Skype no começo e depois que papai descobriu que isso acontecia, proibiu Sofia de usar o computador. Então, depois disso, nos falávamos por telefone. Mas não demorou muito para meu pai descobrir e lhe tirar isso também.
— E sua mãe? — Ludmilla franziu o cenho. — Não faz nada a respeito?
— Ela não quer desafiar a autoridade de meu pai diante de Sofi — disse eu. — Mas eu converso constantemente com ela, ela me diz que até hoje, mesmo dois anos depois, Sofia ainda dorme abraçada com o ursinho em que eu deixei uma gravação cantando uma música de ninar para ela. — Fiz uma pausa, virando-me para encarar Ludmilla e seu olhar de pena. Desviei o olhar do dela e peguei sua mão, entrelaçando seus dedos entre os meus. As coisas estavam começando a dar certo, elas tinham que começar a dar certo. — Palavras não descrevem o quanto eu sinto falta daquela pestinha. Mas você aprende a lidar com a saudade, eventualmente. — Olhei no fundo daqueles olhos castanhos.
Ela assentiu com a cabeça e eu sabia que ela entendia exatamente o que eu queria dizer. Afinal, ela também tinha aprendido a conviver com esse sentimento.
Aconcheguei-me em seu corpo e ela começou a acariciar minhas costas.
— Por que você falou comigo daquela forma? — Ludmilla perguntou olhando para um ponto fixo à sua frente.
— Eu tive que terminar contigo, por conta do meu pai — respondi como se fosse óbvio, a gente já não tinha discutido sobre isso?
— Eu quis dizer... Por que agiu daquela forma tão abrupta quando terminou o que tínhamos? — ela perguntou, voltando o olhar para o meu. A mágoa contida nele me fez querer pegar uma faca e enfiar no meu próprio peito. Eu que tinha causado aquilo. — Não era mais fácil só sumir do mapa? Ou falar que não queria mais e ter saído correndo, saindo do país em seguida?
Eu deixei que uma risada medíocre escapasse.
— Ludmilla, você se conhece? — perguntei à ela, e ela levantou uma das sobrancelhas na minha direção, não entendendo o porquê da pergunta. — Se eu simplesmente terminasse com uma desculpa esfarrapada, você viria atrás de mim. Você ficaria pensando que eu teria uma razão e iria tentar consertar as coisas. — Suspirei. — Foi o melhor a ser feito e você sabe disso.
Ela assentiu com a cabeça e novamente caímos em um silêncio demorado e resolvi não falar mais nada. Apenas aconcheguei minha cabeça no vão do pescoço de Ludmilla e fechei os olhos. Eu responderia toda e qualquer pergunta dela... no dia seguinte.
No meio da noite, acordei e meu estômago roncava igual louco e foi aí que eu lembrei que eu não tinha comido desde que a tarde do dia anterior.
Levantei-me e fui até a cozinha da casa do apartamento. Quando cheguei ali, entretanto, tomei um susto tão grande que quase peguei uma das frigideiras e bati em Nicole, que estava ali sentada no balcão, apenas de camiseta e calcinha.
A minha primeira reação foi colocar as mãos na frente dos meus olhos, para que eu não visse mais do que eu deveria.
— Brunna? — ela me chamou, com um tom risonho na voz. — Brunna? Pode olhar.
Abri uma fresta entre meus dedos e observei a cozinha. Nicole estava agora de pé, atrás do balcão.
— Você não me disse que agora morava com a Ludmilla! — eu exclamei sentindo meu rosto completamente quente.
— Eu não moro com ela — ela respondeu e sorriu. — Ela quem veio se enfiar no meu apartamento. — Nicole olhou para o balcão e terminou de preparar dois sanduíches, estendendo um pra mim em seguida e levando o outro à boca. — Então, tudo deu certo?
— Até agora sim — respondi, mordendo o sanduíche que ela me dera. — Por um momento eu pensei que ela ia deixar o orgulho tomar conta, mas fico feliz que não.
Nic murmurou um "aham", com a boca completamente cheia, o que fez a cena ficar até um pouco engraçada.
Ela abriu a boca para falar alguma coisa, mas uma voz vinda do quarto dela interrompeu-nos.
— Nicole, baby, where are you?¹ — ouvi uma voz muito familiar soar. Arregalei os olhos na direção de Nicole, que comprimiu os lábios em culpa.
— I'm coming!² — Nicole respondeu, em inglês. Depois me encarou semicerrando os olhos. — Ah, não é sexy o jeito que ela fala o meu nome?
— Você transou com a Ashley? — perguntei sussurrando, ainda com os olhos arregalados.
— Então... — ela murmurou, fazendo a expressão mais culpada que eu já vira. — É que... Né.
— Mas ela é hetero — eu disse, incrédula. Desde que eu tinha conhecido Ashley, dois anos atrás, ela nunca tinha mostrado interesse por mulheres.
— Olha... ela não reclamou — Nic respondeu, dando o sorriso mais safado que eu já vira naquele rosto.
Neguei com a cabeça e olhei para o meu sanduíche.
— Por favor, me diga que você lavou as mãos antes de fazer esse sanduíche.
Ela deixou escapar uma risada e limpou as mãos uma na outra, saindo na direção do quarto em seguida. Fiz uma careta na direção do lanche e larguei-o ali mesmo no balcão.
Voltei para o quarto de Ludmilla e me aconcheguei em seus braços novamente.
Quando acordei naquela manhã, fiquei em dúvida se abria os olhos ou não. Eu havia sonhado tantas vezes com uma noite igual àquela com Ludmilla que não sabia se aguentaria uma outra decepção ao acordar. Respirei fundo e tateei o colchão. Imediatamente, uma vontade de chorar me atingiu.
Eu estava sozinha.
Não, não podia ter sido tudo um sonho. Não podia...
Abri os olhos devagar e olhei o ambiente à minha volta. As paredes verde-água. A mobília marrom. O porta-retratos ao lado da cama com uma foto de uma garotinha de intensos olhos verdes.
E foi aí que eu fiquei com vontade de chorar mesmo. Só que dessa vez, de felicidade. Tinha acontecido mesmo.
Respirei fundo e sentei-me na cama. Lauren não estava no quarto, o que quase me fez pirar por um momento. Mas então, ela surgiu pela porta do quarto com um prato, com dois sanduíches, em uma mão, e um suco de laranja na outra. Sorri na direção dela e ela sorriu de volta, me entregando o prato e o copo.
Enquanto eu comia, ela foi até o guarda-roupas e separou um short jeans e uma camiseta regata para mim.
— Isso aqui provavelmente deve te servir — ela disse, estendendo a roupa na cama à minha frente.
— E onde vamos? — perguntei, sorrindo de canto. A verdade era que eu queria ir o mais rápido possível ver Sofia e minha mãe, mesmo sem saber como eu faria isso. Além do quê, eu estava morrendo de saudade de Wes, Juliana, Ariana e Júlia. Eles sequer sabiam que eu tinha voltado para o Brasil.
— Digamos que é uma surpresa — ela respondeu, me dando aquele sorriso lindo que só ela sabia dar. E eu? Desmanchei, é claro. Tinha como dizer "não" àquela mulher?
Terminei de comer e coloquei as roupas que ela tinha separado para mim.
Saímos do quarto e demos de cara com Ashley, usando a camiseta que eu jurava que tinha visto Nicole usando na noite anterior. Ela estava com o cabelo completamente bagunçado e tinha uma expressão de sono. Assim que me olhou, seus olhos se arregalaram e suas bochechas ficaram vermelhas. Eu quis rir, mas não consegui. Então, só neguei com a cabeça e saí atrás de Ludmilla, que ia para a saída do apartamento. Peguei sua mão enquanto passávamos pela porta da cozinha.
— O apartamento é seu. Um mês, Ludzita — Nicole murmurou lá da cozinha, onde estava encostada ao balcão e bebia um suco de laranja.
Ludmilla sorriu de canto e negou com a cabeça.
— Você é uma vadia — ela respondeu de volta e eu fiquei sem entender nada, mas resolvi não questionar.
Eu estava tão avoada que foi só quando chegamos à calçada do prédio de Ludmilla, que eu percebi que ela estava com dois capacetes na mão livre.
Ela soltou minha mão e me entregou um dos capacetes, que eu coloquei ainda meio absorta em meus próprios pensamentos. Então, Ludmilla tinha comprado uma moto? O quão sexy aquilo era? Jesus.
Tentei travar o capacete, mas não estava conseguindo muito bem, o que fez Ludmilla rir e vir me ajudar. Ela apertou de acordo com o tamanho da minha cabeça e colocou o capacete dela em seguida. Depois foi na direção de uma moto que estava ali em frente, parada. Era uma moto linda.
Eu sabia que ela tinha ganhado uma indenização da faculdade, porque Dayane havia me dito, mas não sabia quanto exatamente havia sido. Nem me importava, pra falar a verdade. Eu estava feliz por ela. Ela parecia ter conseguido tudo o que queria na vida e foi aí que eu pensei que eu fiz o certo, saindo da vida dela durante aquele tempo.
Subi na moto logo atrás dela e apertei minhas mãos ao redor da sua cintura.
Ela ligou a moto e saímos pelas ruas de São Paulo.
Não vi o caminho que ela tomou, porque fechei os olhos o caminho inteiro. Eu meio que fiquei com um pouco de medo de andar naquele troço. Eu nunca tinha andado em tanta velocidade em uma moto. Wes até tentou me ensinar a pilotar uma vez, mas não deu muito certo na época.
Abri os olhos quando Ludmilla parou a moto e olhei em volta e notei que estávamos no Parque Ibirapuera.
Desci da moto, auxiliada por ela e ela retirou meu capacete, tirando o dela em seguida.
— A gente veio aqui fazer o quê, exatamente? — perguntei à ela e ela sorriu de canto.
— Você vai ver garota — ela respondeu. — Para de ser impaciente.
Ela estendeu a mão para mim e eu prontamente aceitei. Andamos pelo parque e paramos em uma parte onde os skatistas e os patinadores ficavam. Ludmilla sentou-se na grama e me puxou para que eu sentasse também. Eu sentei, ainda sem entender o que aquilo significava.
— Ludmilla, por que a gente tá aqui? — perguntei.
— Você vai ver — ela respondeu.
— É que... Sério, não desmerecendo o que quer que você tenha planejado, mas eu passei todo esse tempo sem ver a Sofi e eu queria muito vê-la e...
— Brunna! — ela me interrompeu. — Shhh. Respira um pouco.
Parei por um instante e respirei fundo, deixando que Ludmilla me envolvesse em seus braços. Eu amava passar um tempo com ela, mas eu queria muito ver Sofia.
— Okay, desculpa — eu disse à ela e respirei fundo em seguida.
— Isso, respira — ela sussurrou, perto do meu ouvido. — Agora, olha pra frente.
Olhei para onde ela queria que eu olhasse e engoli em seco, meus olhos encheram de lágrimas.
Ali na pista estava Sofia, com um par de patins rosa. Também usava um capacete e protetores igualmente rosas. Ela andava devagar, mas dava para ver que já tinha uma certa habilidade. Ao fundo, vi minha mãe, sentada encostada em uma pilastra, observando minha irmã mais nova andar.
— Ludmilla... — tentei falar, mas nada além daquilo saía.
— Agora ela acha que parquinhos são coisas de criancinhas — Ludmilla disse, ao pé do meu ouvido, com um tom risonho. — Ela tentou andar de skate por algumas semanas, mas eu vi que ela não estava gostando muito. Então, eu comprei um par de patins pra ela. — Virei meu rosto na direção de Ludmilla e ela tinha um semblante orgulhoso. — Claro, que eu não dei pra ela pessoalmente, eu pedi para que Dayane desse. — Ela sorriu. — E ela adorou. Isso foi há dois meses atrás. Desde então, ela tem andado.
Voltei meus olhos para a pista. Sofia patinava de um lado para o outro. Ora quase se desequilibrando, ora quase topando com os skatistas que passavam por ali. Todos a olhavam e sorriam. Ela estava linda. E eu mal conseguia vê-la, porque estava sendo uma chorona. Não é pra menos, né? Eu não a via há mais de dois anos...
— Eu... — tentei falar, mas me calei quando vi que não iria conseguir falar nada.
— Vai lá — Ludmilla disse me empurrando levemente pelos ombros para que eu levantasse.
Levantei-me devagar e andei com cautela na direção de Sofia, o que eu ia falar? Eu não tenho ideia do quê eu ia falar pra ela.
Eu estava planejando virar de costas e sair correndo pros braços de Ludmilla, pra perguntar o que eu iria dizer à Sofia. Mas, antes que eu pudesse fazer isso, ela virou bruscamente com os patins e me encarou. Seus olhos castanhos escuros me encararam com espanto, como se tivesse acabado de ver um fantasma e et não a culpava.
Sofia piscou algumas vezes os olhos, me encarando, parada no meio do pátio. Alguns skatistas e patinadores tiveram que desviar dela para evitarem uma colisão.
— Brunna — li seus lábios quando ela sussurrou meu nome e foi aí que meus olhos se encheram mesmo de lágrimas.
E eu saí correndo na direção dela. Ela começou a andar com o patins na minha direção também, mas mal precisou dar três passos, porque eu já estava ali. Apertei ela em meus braços com força, enquanto ela retribuía o abraço com a mesma força.
— Bru, você voltou — Sofi exclamou, com a voz chorosa enquanto me apertava com mais força. — Não vai mais embora, por favor.
Senti meu coração se comprimir quando ouvi a voz dela e assenti com a cabeça.
— A Bru nunca mais vai embora, boo — eu repliquei à ela.
Abri os olhos e vi que logo atrás de nós, minha mãe estava parada. Os olhos vermelhos e as lágrimas já caindo pelo rosto.
— Mama — chamei-a, me soltando do abraço de Sofi. A mesma, não querendo me largar, me abraçou de lado pela cintura. Minha mãe me encarava com uma expressão triste. Eu odiava o fato de ela não ter interferido quando o assunto era meu pai me proibindo de falar com Sofia, mas eu não conseguia ficar brava com ela.
Abri meus braços e ela praticamente me esmagou com o abraço que me deu.
Chorei baixinho nos braços de minha mãe. Como eu havia sentido falta daquilo...
Pelo canto do olho, vi Ludmilla, ainda sentada onde eu estava com ela há pouco. Ela abraçava as pernas e sorria de forma sincera. Eu sorri de volta para ela. As coisas estavam começando a dar certo.
Elas tinham que começar a dar certo.
¹ Nicole, baby, onde você está?
² Eu estou indo!
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