TRÊS
8 HORAS PARA O ANO NOVO
— Você costuma fazer metas para o ano novo? — Alanis questiona enquanto caminham por uma ruazinha estreita.
Eles haviam parado primeiro em uma sorveteria, onde Dick descobriu que o sabor favorito dela era limão. Alanis, por outro lado, não escondeu a careta ao ouvir que ele não trocava um sorvete de baunilha por nada. Além de sem graça, é muito doce, foram essas as palavras dela ao criticar a escolha dele, o que só o fez rir.
Depois, passaram por uma galeria de fotos a céu aberto, próxima à Ópera Bastille. Um fotógrafo francês estava expondo registros feitos durante o Natal na Torre Eiffel. Alanis ficou encantada com as imagens e começou a se imaginar capturando momentos assim em sua nova cidade. Dick ficou igualmente encantado, mas por ela. Vê-la fascinada pelas fotografias e mostrando ainda mais a paixão pelo que faz, apenas intensificou a atração que ele sentiu desde que a viu naquele vagão do trem.
Alanis tirou algumas fotos pelo caminho, inclusive dele, tanto com a câmera instantânea quanto com a profissional. Ela havia dito que pretendia revelar as fotos posteriormente para guardar de lembrança.
Ele estava tentando não flertar a cada dez minutos, mas estava se tornando inevitável. Ainda mais quando ela o olhava fixamente com o par de olhos castanhos hipnotizantes.
Por um instante, ele pensou em perguntar se um dia se reencontrariam para verem as fotos juntos, mas hesitou, temendo que ela interpretasse como uma expectativa de que deveriam se ver novamente. Estava claro que Alanis havia aceitado passar o dia com ele justamente porque, no dia seguinte, ele partiria de volta para Gotham enquanto ela permaneceria aqui.
— Não muito — ele responde, por fim, com sinceridade.
— E por que não?
Dick encara o fim da rua que estavam passando, precisavam virar à direita na próxima esquina para chegarem à uma loja de vinis que haviam avistado antes e decidido visitar depois.
— Acho que são muitas expectativas. — Ele dá de ombros. — E a meu ver, elas mais atrapalham do que ajudam. Gera uma ansiedade para conseguir realizar tudo o que você listou e, no fim, só sobram frustrações por não ter conseguido fazer tudo.
— É, faz sentido — ela olha rapidamente para ele. — Estou tentando não fazer uma lista pela primeira vez na vida. Sempre achei que o contrário fosse uma desculpa de gente descomprometida e desorganizada.
Dick ri baixinho.
— E me deixa adivinhar: você acha que eu sou descomprometido e desorganizado.
— Não, não acho isso — ela fala de imediato, se defendendo. — Na verdade, gostaria de ser mais desapegada assim e só deixar a vida acontecer, sabe?
Eles viram na esquina, seguindo para a próxima rua.
— Sei, mas acho que também não seja só deixar a vida acontecer. Eu meio que sei o que quero fazer no ano seguinte, só não coloco como uma regra. Eu costumava ter uma rotina meio... imprevisível, eu diria. Então por isso nunca estabeleci metas.
— Você diz isso por conta do seu trabalho como detetive?
— É. Tem uma parcela nisso.
Dick se limita nos detalhes, não porque acha que Alanis vá espalhar sua identidade secreta, mas porque simplesmente não é algo que se compartilha casualmente. Além disso, sua identidade como super-herói está atrelada a segredos das pessoas que o rodeiam, e esses segredos não pertencem apenas a ele.
Por um instante, ele pensa no que acabou de dizer, sobre sua vida ser imprevisível. E, de fato, era. Traçar metas específicas ou fazer planos a curto prazo simplesmente não fazia parte de sua rotina. Desde sempre, Dick dedicou sua vida aos propósitos que lhe surgiam pelo caminho.
Primeiro, o circo com seus pais. Depois, a vida sob os cuidados de Bruce e Alfred, a responsabilidade de ser o ajudante do vigilante de Gotham, a liderança de uma equipe de heróis, e, por fim, a jornada como um herói independente, tentando equilibrar a vida de vigilante com a de uma pessoa comum. Ele acreditava ter finalmente encontrado seu lugar. Até um acidente mudar tudo e ele se culpar pelo que aconteceu.
Realmente, não conseguia prometer planos a si mesmo e nem para ninguém.
— E quais são as metas que você está tentando evitar? — Dick questiona, mudando o foco das perguntas para Alanis.
Ela pensa por alguns segundos enquanto caminham pela rua. Coloca as mãos nos bolsos do casaco marrom e fixa o olhar na placa da loja de vinis que estão indo, a poucos metros de distância.
— De que não posso agradar todo mundo. — Responde. — Não sei se isso me faz ser uma pessoa pior, me torna egoísta, ou sei lá. Mas estou querendo fugir desse fardo.
Eles param em frente à loja e Dick busca seu olhar.
— E você realmente não precisa fazer isso — ele abre um sorriso fraco quando os olhos de Alanis encontram os dele. — É aquele famoso ditado: se nem Jesus conseguiu agradar todo mundo, quem somos nós para fazer isso?
Uma breve risada escapa de Alanis.
— Você é uma pessoa religiosa?
— Não — ele ri de novo. — Mas gosto da ideia do cara mais famoso do mundo não agradar a todos. Faz a gente pensar em como somos irrelevantes, porque se você perguntar para a aquela mulher ali na esquina — ele aponta para uma mulher de meia de idade de cabelos brancos e suéter vermelho a metros de distância deles — se ela sabe quem é Dick Grayson ou Alanis...
Ele faz uma pausa e franze as sobrancelhas, esperando que Alanis complete a frase, pois não sabe seu sobrenome.
— Marshall. — Ela compreende e completa. — Alanis Marshall.
— Ótimo. Se você perguntar para aquela mulher se ela sabe quem somos nós, ela vai rir da nossa cara e dizer que obviamente não. Mas se você perguntar quem é Jesus, pode ser que ela dê mais detalhes do que precisamos saber. Ou seja, não tem por que agradar a todos, e isso não tem nada a ver com egoísmo.
Alanis o encara por alguns segundos. Além da beleza descomunal desse rapaz, ele tem uma maneira de conversar e argumentar sobre os assuntos que a despertava uma curiosidade que ela nunca havia sentido antes.
— Você realmente tem uma explicação pra tudo. — Ela volta a dizer a mesma frase que disse horas atrás e abre a porta da loja para entrarem.
Dick passa por ela sem desgrudar o olhar. Ele estava começando a se sentir mais hipnotizado que o normal por essa mulher.
A maneira como ela fala, sempre em um tom provocativo, estava viciando os sentidos dele. Ele queria saber mais sobre ela. Queria entender as entrelinhas das pequenas revelações que ela estava fazendo sobre sua vida.
Alanis dá alguns passos à frente, quebrando a troca de olhares e se concentrando em uma pilha de vinis dispostos cuidadosamente ao lado. A loja tinha um charme vintage, com prateleiras abarrotadas de capas coloridas que contavam mil histórias diferentes.
O aroma de madeira envelhecida e papel antigo se misturavam ao som suave de um jazz que tocava em um toca-discos no fundo. Além dos vinis, havia diversas estantes repletas de CDs que eram igualmente organizados por gênero.
Dick explora uma seção de rock clássico na área dos vinis, enquanto Alanis estava na seção alternativa dos anos 90, em uma fileira ao lado.
Ela puxa um de capa vibrante. Era o The Bends, do Radiohead, e sorri ao passar os dedos pela capa. Lembra de comentar sobre a camiseta que Dick está usando.
— Se você me disser que esse não é o seu preferido do Radiohead, vou ter motivos suficientes pra continuar te julgando — ela alfineta, apontando na direção da camiseta dele.
Um sorriso grande se forma no rosto de Dick.
— Queria inventar uma desculpa pra discordar e te irritar, mas não consigo porque esse é o melhor disco do mundo.
Alanis se aproxima com um sorriso satisfeito.
— Bom garoto. Tem uma cabine bem ali — ela aponta para o lado oposto deles. — Vamos, agora preciso ouvir as músicas ou você vai ter que me aguentar cantando o álbum inteiro até a virada do ano.
Antes que ele pudesse pensar em se opor, o que certamente não faria, ela já estava puxando-o pelo braço para atravessarem a loja.
Eles entram na pequena sala com isolamento acústico e fecham a porta. Nela, havia uma vitrola grande e dourada, parecia sofisticada. Também tinha um rádio com caixas de som de tamanho medianas para quem quisesse ouvir CD.
Alanis retira o disco da embalagem e o coloca na vitrola, alinhando a agulha sobre a superfície plástica e preta do vinil para iniciar as músicas.
— Fui em um show deles no começo do ano em Nova York — releva Dick enquanto o disco começa a chiar lentamente. — Acho que foi nesse show que decidi fazer a viagem que acabei de fazer.
— Fui no que teve em Boston. — Ela pondera por um instante, lembrando que depois desse show, ela começou a repensar sua vida. — Eles têm esse poder de fazer a gente querer mudar o rumo das coisas.
Um sorriso fechado se alinha nos lábios de Dick, e ele flagra Alanis vagar com os olhos pela boca dele por um segundo. Foi rápido, mas ele percebeu.
Assim como ela é igualmente rápida e eficiente em disfarçar ao voltar a atenção para o disco em suas mãos.
As primeiras batidas de Planet Telex começam a ressoar pelo pequeno ambiente. Dick a observa batucar os dedos pela capa quando chega no refrão. Ela o olha rapidamente entre os versos. Ele arriscou desafinar uma palavra ou outra, o que acabou arrancando algumas rápidas risadas dela. E ele se agradeceu mentalmente por ter feito isso, porque a risada de Alanis já estava viciando seus ouvidos.
Quando os acordes de High and Dry se encerram e os de Fake Plastic Trees começam, Alanis inclina a cabeça e fecha os olhos por um instante, absorvendo cada nota. Dick observa, intrigado, enquanto ela parece se perder no som, os lábios discretamente acompanhando a letra.
Mais uma vez ele se pega pensando que não deveria encarar a boca dela tanto assim. Mas a essa altura, a atração era inevitável e ele não queria mais negar. Queria mesmo era passar o polegar pelos lábios carnudos de Alanis antes de beijá-la e descobrir quão macios eram.
Caramba, Dick, pense em outra coisa, ecoou uma voz consciente na sua cabeça.
Mas é praticamente impossível quando os últimos versos sibilam pelos lábios dela, e mesmo baixinho, ele consegue ouvir a voz suave cantando as frases "And if I could be who you wanted, if I could be who you wanted all the time".
Dick não consegue evitar pensar no que ela disse antes sobre não conseguir agradar a todos, e como isso parecia carregar um peso em suas palavras. Os versos finais de Fake Plastic Trees também pareciam ter um significado mais profundo para Alanis. E ele estava querendo saber o porquê.
✨
6 HORAS PARA O ANO NOVO
As noites de fim de ano em Gotham costumavam ser agitadas por inúmeros motivos. A maioria deles não eram bons.
Foram raras as vezes em que Dick conseguiu passar o Natal ou o Ano Novo sem estender a patrulha noturna, podendo aproveitar as comemorações com a família e amigos em paz. Ainda assim, de alguma forma, eles sempre encontravam um jeito de se reunir.
Ele gostava dessa época do ano, com todo o clima de união, nostalgia e felicidade, mesmo que breve. Amava presentear as pessoas que amava, escolhendo itens únicos e diferentes, e ver a reação deles ao receber algo tão especial. Ele realmente se empenhava naquilo.
No último Natal que passaram juntos, Dick presenteou Damian, seu irmão mais novo, com dois filhotes de gato. A expressão de Bruce, franzindo ainda mais a testa ao saber que teria mais animais pela mansão, só tornou a situação mais cômica. Dick havia pensado no presente porque Damian ainda estava se ajustando à vida com eles e queria ajudá-lo a se sentir mais em casa, já que o garoto amava os animaizinhos.
Ele contou tudo isso a Alanis, omitindo, é claro, a parte da dupla identidade que ele e sua família carregavam. Apenas compartilhou as histórias da vida comum, como os desastres culinários provocados por ele e os irmãos, que sempre acabavam sobrando para Alfred consertar antes que o jantar de Natal fosse arruinado.
Alanis também lhe contou sobre a tradição de assistir filmes natalinos com a família, e Dick revelou que o filme que ele sempre assistia antes das festas era O Estranho Mundo de Jack. Não era apenas um clássico natalino para ele, mas um de seus favoritos da vida.
Eles estavam em um bar próximo ao Arco do Triunfo, sentados em uma mesa para dois do lado de fora, conversando e rindo dessas histórias. Ainda não tinham decidido o que fazer na virada do ano. A festa no clube de jazz, até o momento, não parecia tão interessante.
Já estava de noite, e agora, era possível ver com mais clareza as iluminações natalinas pela cidade. De fato, parecia magia através das luzes piscantes perfeitamente alinhadas de cada decoração.
— Como é viver na cidade do vigilante vestido de morcego? — Ela pergunta, fazendo-o quase se engasgar com o gole da cerveja que descia pela garganta. Quase.
Com a expressão mais indiferente que conseguiu fazer, Dick repousa a garrafa de vidro sobre a mesinha entre eles, prestes a responder como se fosse uma pergunta qualquer.
— Acho que... não sei, normal? Desde que me entendo por gente, lembro do Batman existir. Então, acho que é natural, eu diria.
Não era uma mentira. Antes mesmo de Gotham virar sua casa definitiva e se juntar à essa vida, ele se lembra dos jornais e dos rumores sobre os super-heróis mascarados. O Batman, o Superman e a Mulher-Maravilha foram os primeiros que ele se recorda de ouvir falarem quando era criança.
Alanis toma um gole de sua cerveja, já pela metade. Tanto ela quanto Dick estavam na segunda garrafinha.
— Sabe, eu admiro muito as pessoas que abrem mão de si mesmas pelo bem dos outros. — Ela volta a falar. — Sou totalmente a favor do mundo ter super-heróis. Sei que há muita controvérsia sobre isso, mas acho um gesto honroso.
Dick analisa o rosto dela por alguns segundos. Estavam prestes a entrar em um assunto sobre o qual ele parou para refletir durante sete meses. Agora, seria o momento ideal para ele dar uma deixa e mudar o rumo da conversa, mas não é isso que faz. Conversar com Alanis soa natural, é acolhedor e ele consegue se expressar como se a conexão entre eles fosse de anos.
— Pois é. É um sacrifício e tanto. Abdicar da própria vida pra consertar o que está quebrado no mundo. Lutar por aquilo que acreditam ser o certo.
— É, mas às vezes, quem faz isso não tem escolha. — Os olhos dela encontram os dele enquanto gesticula para explicar seu ponto de vista. — Gotham, por exemplo... parece que se ninguém tomar uma atitude, as coisas desmoronam. Eu não julgo quem decide fazer justiça com as próprias mãos. Na verdade, respeito muito. Deve ser solitário, perigoso... mas, sem eles, talvez houvesse ainda menos esperança. Sem querer ofender seu trabalho de detetive, mas a polícia de Gotham tem uma fama meio contraditória.
Dick a encara com um leve sorriso. Esse assunto deveria aborrecê-lo, mas não é esse o efeito que as palavras de Alanis causam nele. Quer saber mais o que ela pensa.
— Você realmente acredita que essas pessoas conseguem manter alguma parte de si intacta, apesar de tudo?
— Talvez. — Ela responde quase que de imediato. — Acho que elas sacrificam quem poderiam ser. Mas, por outro lado, acho bonito. Não estou querendo romantizar, só acho que é um gesto que quase ninguém conseguiria fazer. É como se encontrassem um propósito maior do que qualquer outra coisa pessoal. Então, no fim, devem encontrar a si mesmos no meio dessa missão que abraçaram pra vida, sabe?
Ele a observa por alguns segundos antes de responder. O modo como ela enxergava os sacrifícios que ele havia feito ao longo da vida, mesmo sem saber disso, parecia único. Ela captava algo que ele também sentia, mas nunca havia colocado em palavras, pelo menos não com aquela leveza, aquele tom bonito. Para ele, esses sacrifícios quase sempre eram dolorosos, uma parte inevitável de sua missão. Mas ouvir a perspectiva de alguém de fora, sem os pesos que ele carregava, parecia... diferente. E Dick queria ouvir mais o que ela tinha a dizer.
— E você? Se tivesse essa chance... Faria o mesmo?
Pensativa, Alanis leva a garrafa à boca mais uma vez, dando outro gole na cerveja. Pisca algumas vezes antes de responder:
— Não sei. Não sou tão corajosa assim. Mas gosto de pensar que, se pudesse ajudar alguém, mesmo que de forma pequena, eu ajudaria. Participava de algumas ONGs em Boston e pretendo manter isso aqui em Paris também.
Dick observa enquanto ela fala com um certo brilho no olhar. Por um momento, ele sente como se ela estivesse falando diretamente para ele, mesmo sem saber.
Ele pensa que talvez seja o álcool da cerveja, mas havia um entusiasmo e uma sinceridade nas palavras de Alanis que o faziam querê-la mais perto, e não apenas fisicamente falando. Mas agora, algo mais profundo estava ameaçando a surgir.
Uma voz mais ríspida e distante o faz despertar dos devaneios. Ele vira o rosto e avista uma mulher mais velha se aproximar da mesa onde estão. Ela aparenta ter mais de 50 anos. Tem um gorro vermelho natalino na cabeça, deixando os fios loiros escuros escaparem para fora, e também carrega uma bolsa grande estampada no ombro esquerdo.
— Que cabelos lindos você tem — ela diz, se aproximando de Alanis. — E eles combinam perfeitamente com seus olhos.
Também acho, Dick diz a si mesmo em seus pensamentos.
Alanis intercala o olhar entre a mulher e ele, sem saber muito bem o que responder. Dick dá de ombros, como se concordasse com o que tinha acabado de ouvir.
— Hum... obrigada.
— Não precisa agradecer, é apenas a verdade — ela complementa.
Como eles estavam na calçada do bar, já haviam sido abordados antes por um rapaz oferecendo para tirar fotos deles, que Alanis gentilmente recusou dizendo que também era fotógrafa, mas mesmo assim deu uma gorjeta ao rapaz, pois pediu para que tirasse uma foto deles, mas com a câmera dela.
Agora, a mulher que acabou de puxar conversa com Alanis, se aproxima ainda mais da mesa, ajustando a bolsa no ombro e olhando diretamente para ela.
— Você se importa se eu sentar por um momento? — Pergunta com um tom que, embora amistoso, não deixa muito espaço para recusa. Sem esperar resposta, ela puxa uma cadeira da mesa ao lado que estava vazia e se acomoda.
Dick e Alanis se entreolham rapidamente. Não parecem se incomodar de imediato, apenas estão curiosos pela ousadia da mulher.
— Sabe, eu tenho um dom. Consigo ver coisas, sentir coisas. E você... — ela aponta para Alanis, os olhos brilhando de curiosidade. — Você parece ter uma energia interessante. Forte, mas está um pouco perdida.
Dick arqueia uma sobrancelha, visivelmente cético, mas opta por permanecer calado, observando como Alanis reagiria.
— Ah, é mesmo? — Ela pergunta, tentando um sorriso que não pareça forçado. — E o que essa energia diz?
A mulher inclina a cabeça, como se estivesse estudando Alanis.
— Você não tem planos definidos para o próximo ano, está deixando a vida acontecer, não é? — Ela não espera uma resposta, apenas continua. — Mas você não é esse tipo de pessoa.
— Está tão óbvio assim?
A mulher assente com um semblante calmo no rosto.
— Se você me permitir, posso dar uma olhada no seu futuro.
Alanis olha rapidamente para Dick, que apenas dá de ombros, claramente se divertindo com a situação.
— Bom... Por que não? — Responde Alanis, cruzando os braços sobre a mesa. — Acho que não tenho nada a perder.
A mulher sorri, pega a mão dela entre as suas e fecha os olhos por um momento.
— Você vai passar por transformações enormes no próximo ano — ela diz, abrindo os olhos devagar. — Grandes mudanças, novos caminhos. Mas o sucesso está no seu destino, você nasceu para ser lembrada como uma lenda, uma referência. E tudo isso vai começar aqui, em Paris. Você realmente precisa estar aqui.
Alanis pisca duas vezes, absorvendo as palavras da mulher. Eram previsões genéricas, mas um arrepio percorre sua coluna. Não entende bem o porquê.
Ainda segurando a mão dela, a mulher continua encarando-a nos olhos:
— Você também vai resolver todos aqueles problemas com sua família. Tudo depende de você e das escolhas que fizer daqui pra frente.
Alanis engole em seco, parecendo surpresa, mas não interrompe.
— E mais uma coisa — a mulher continua. — Você é muito mais forte do que pensa, mas precisa confiar mais no que sente. Não tenha medo de ser quem realmente é. Seu caminho já está escrito nas estrelas, então, abrace ele.
Antes que Alanis possa responder, a mulher solta sua mão e vira-se para Dick, seus olhos fixando-se nos dele com uma intensidade que o faz endireitar a postura.
— E você... — ela diz, estendendo a mão e segurando a dele por um breve instante. Então, ela sorri, mas não diz nada.
— Eu? — pergunta Dick, semicerrando os olhos para a mulher.
— Ah, nada que você já não saiba, querido — responde, soltando sua mão. Ela se levanta, ajeitando o gorro vermelho. — Não adianta tentar fugir da vida que foi destinada a você desde pequeno. Você escolheu esse caminho e sabia que era sem volta.
Ela pisca e revira a bolsa, buscando algo. Tira um gorro semelhante ao que está usando e o estende na direção de Alanis.
— Um presente para o seu novo ano, querida.
Sem dizer mais nada, a mulher dá um leve aceno e se afasta, desaparecendo entre as pessoas no bar.
Alanis e Dick permanecem em silêncio por alguns segundos, até que ele quebra o clima que as palavras da mulher causaram.
— Bem, isso foi... intenso.
Alanis ri, mas há algo pensativo em seus olhos.
— Você acredita nisso?
Dick dá de ombros, um sorriso ainda brincando em seus lábios.
— Eu acho que você deveria. Afinal, ela disse que você vai ser uma grande fotógrafa de sucesso. Uma lenda. E ela está certa, nem precisava ter lido a sua mão para saber disso. Você é muito talentosa, de verdade.
Dick havia visto algumas das fotografias que estava na bolsa de Alanis. Ele ficou perplexo com os registros, eram arte na sua mais pura forma.
Uma risada fraca preenche os ouvidos dele, aquela risada que, a esse ponto, já estava viciado.
O olhar de Alanis ainda parecia reflexivo. Ele pensa em perguntar sobre o que a mulher disse sobre a família dela, mas não quer soar invasivo.
Antes que pudesse dizer algo, ela pega o boné na cabeça dele e o repousa sobre a mesa. Dick franze as sobrancelhas, sem entender muito bem o que ela estava querendo fazer. Então, ela abre o gorro que a mulher entregou e, quando tenta posicionar na cabeça dele, um pequeno papel cai do interior do acessório.
Ele pega o papel que estava dobrado ao meio cuidadosamente. Ao abrir, percebe que é uma frase:
— A pessoa certa no momento errado é como duas estrelas cadentes que se cruzam no céu, cortando a escuridão da noite com sua magia, mas destinadas a seguir caminhos opostos.
Dick ergue o olhar até Alanis que o encara com a mesma estranheza nos olhos. Ele vê a boca dela se movimentar, prestes a dizer algo. Era apenas uma frase qualquer, mas parecia ter pesado toneladas entre eles.
— Você acredita nisso? — Agora é ele quem devolve essa pergunta a ela.
Ela levanta e se aproxima, parando em frente a ele. Dick ergue a cabeça, encarando-a. Alanis leva longos segundos mapeando todo o rosto dele com os olhos, mas não diz nada.
Ergue a mão e passa os dedos pelos fios escuros do cabelo dele, tirando-os da testa. Dick luta para não fechar os olhos ao sentir o toque dela. Sente vontade de puxá-la para mais perto, mas se contém com muito esforço.
Alanis coloca o gorro na cabeça dele e deixa as mãos deslizarem pelas laterais de seu rosto. Dick faz um pedido mental ao universo que ela se abaixe e o beije bem ali. Mas não é isso que ela faz. Lentamente se afasta e volta a sentar na cadeira em frente a ele.
— Eu acredito. Mas não sei se eu teria essa sorte.
Ele percebe que seu coração acelera levemente só com o toque das mãos dela em sua pele e se perde em pensamentos, imaginando como seria se fosse mais do que isso. Engole em seco, tentando esconder a inquietação.
— Você acha que seria sorte? — Pergunta, com a voz baixa. — Não seria triste nunca conseguir ficar junto de alguém que ama?
— Seria — responde ela, calmamente. — Mas ainda seria sorte ter vivido um amor assim. Nem todo mundo tem essa chance.
Alanis esboça um sorriso fraco e se inclina para abrir a bolsa, tirando de lá sua câmera instantânea.
— Olha aqui — pede, posicionando a câmera perto do rosto e ajustando o visor.
Dick obedece, fixando os olhos nela com uma intensidade quase palpável.
— Sorria — pede novamente, sem desviar o olhar.
Ele abre um sorriso fechado, mesmo sabendo que não é isso que ela quer.
— Sorria de verdade, Dick.
Ele balança a cabeça, rendido, ajusta o gorro com as mãos e finalmente abre o sorriso que ela pediu.
No instante seguinte, o som do clique ecoa, seguido pelo leve zumbido da foto sendo revelada. Alanis pega a fotografia e observa atentamente enquanto a imagem toma forma.
Ela sente algo novo surgir no peito ao ver o sorriso genuíno de Dick. É bonito, iluminado. Por um instante, deseja que ele sorrisse assim só para ela, mas logo descarta o pensamento.
— Vou guardar essa pra mim — diz, quase como uma promessa.
Antes que consiga guardá-la, Dick segura sua mão, os dedos firmes, mas o toque delicado. Ele acaricia o dorso de sua mão com o polegar. O toque traz uma eletricidade quase audível, como se o movimento tivesse sua própria frequência sonora.
— Posso ver?
Alanis fica suspensa no olhar dele por longos segundos, muito mais que o necessário, até que finalmente entrega a foto.
Dick observa a imagem com cuidado, um sorriso idêntico ao da fotografia se forma novamente em seu rosto. Então, ele ergue os olhos para ela, e no olhar há algo que parece tão certo, tão presente, que Alanis sente o ar ao redor deles mudar.
— Talvez algumas coisas valham a pena — diz ele, quase em um sussurro —, mesmo quando a hora não parece certa.
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