×03×
Fortes batidas na porta me despertaram em um sobressalto. Franzo o cenho encarando a porta antes de bufar e me jogar na cama outra vez de braços abertos. Puxo o travesseiro contra o rosto, pressionando-o quando as batidas se repetem vezes mais. Não faço ideia de que horas são e, mesmo se fizesse, não tenho vontade alguma de me levantar. Fecho os olhos com força. Yerim murmura baixinho e mexo na cama. As batidas cessam e suspiro, aliviada. Quem quer que seja deve ter desistido, certo?
Errado.
Meu coração salta no peito com um súbito estrondo na porta, o que me obriga a me levantar tão repentinamente quanto, as mãos tremendo em decorrência do susto, olhos cerrados contra a luz que adentra o cômodo através da porta agora escancarada. Estática, piscava os olhos com força, levando a mão até o rosto para esfregar as pálpebras. Mas que merda? Yerim resmungou na cama ao lado, palavras destoantes que não consegui decifrar. Ela esfregava os olhos com as costas das mãos, com os fios do cabelo desgrenhado caindo sobre o rosto.
– A novata se atrasar tudo bem, mas você Yerim? Ainda não se acostumou? Está aqui desde que nasceu. – O homem de cabelos descoloridos exclamou, as mãos na cintura, os ombrosbalançando. Ele estava rindo.
Eu já o houvera conhecido antes entre a multidão de pessoas para quem Jackson havia me apresentado no dia anterior. Observei a interação dos dois, ainda sonolenta. Bocejei, tapando a boca com as costas da mão.
– Ah, quieto Kim! – Yerim jogou seu travesseiro em Namjoon, o que me tirou um riso fraco – Nós já vamos.
Kim Namjoon pegou o travesseiro no ar e antes de sair do quarto o devolveu para Yerim, acertando o seu rosto em cheio, nos alertando que era melhor nos apressarmos. Estendi a mão até a cômoda, o celular ainda marcava 06:50 da manhã.
– Mas… – Me levantei enrolando as pernas no cobertor, quase perdendo o equilíbrio. –Que horas as aulas começam?
– As aulas começam as oito, mas o nosso treinamento começou faz quinze minutos, ou seja, se nós não formos rápido teremos sérios problemas com o diretor – ela dizia ao se levantar vagarosamente, esticando os braços para cima. Então suspirou – Principalmente eu.
Talvez Jackson tenha deixado escapar algumas informações um tanto importantes, afinal. Penso que talvez ainda seja tempo de elaborar aquele plano de fuga. Passei a mão no rosto, exasperada, enquanto guerreava com a mala de tartarugas ao buscar por uma roupa decente; a calça preta de moletom e a camiseta branca com o número dezessete estampado me pareceram a opção mais rápida e prática.
Ainda que Yerim tenha reclamado para que eu usasse o banheiro primeiro, acabamos juntas na frente do espelho, com ela trançando o cabelo o mais rápido possível e eu embolando o cabelo em um coque alto na cabeça.
– Vamos. – Senti duas batidinhas em meu ombro.
Penso em protestar, mas antes que o faça suas mãos já apertam meu pulso e me arrastam para fora do banheiro, para os degraus do hall de entrada e para fora do quarto. Corremos pelos corredores desertos, virando em direção à escadaria. Ela me puxava como um animal em uma coleira. Tento me desvencilhar algumas vezes e, quando enfim consigo, me desequilibro. Meu corpo vai de encontro ao chão. Fecho os olhos com força, as mãos instintivamente na frente do corpo afim de amenizar a queda. Fico esperando por ela, mas não acontece. Ao invés disso, sinto um braço firme se envolvendo ao redor de minha cintura. Olhei diretamente para o chão, meu rosto a centímetros de distância e minha respiração pesada. Sinto meu rosto se esquentando aos poucos a medida em que ele me levanta e meus olhos caem sobre ele de novo. Estou estática outra vez, o rubor em minha
face aumentando quando me dou conta de quem são aqueles braços. O que eu fiz para merecer isso? Aqueles mesmos olhos escuros como a noite me encaram.
– Jungkook! – Yerim o chamou – está atrasado também?
Mas ele tinha os olhos fixos em mim, e não se atentou a Yerim. Seus olhos pareciam me atravessas e quase consigo sentir suas mãos ao redor de mim ainda agora.
– Não vai agradecer? – sua voz soou seca e franzi o cenho ao despertar de meu devaneio.
Que abusado!
– Valeu – consegui dizer, forçando um sorriso.
Estendo o braço até o de Yerim, puxando-a agora escada abaixo, tal como ela o fazia comigo anteriormente antes que a situação se estendesse mais. O que ele queria? Que eu beijasse seus pés?
– Que clima foi esse? Ele te fez algo? – Yerim perguntou. Descíamos os últimos degraus e por cima do ombro podia ainda vê-lo atrás de nós.
– Me deixou com traumatismo craniano. – Yerim não entendeu muito bem. – Nada para se preocupar, vamos.
Alcançamos a área de treinamento, suas portas de vidro temperado abertas. alunos formavam filas com os braços retos ao lado do corpo. Que isso? Formação do exército? Nosso plano era entrar na aula na surdina, ocupar os últimos lugares e fingir que estávamos ali desde o começo. Isso se minha colega de quarto não tivesse esbarrado na porta. Todos se viraram ao mesmo tempo, nos encarando de cima abaixo após nossa ruidosa entrada. Ótimo! Agora somos as palhaças do primeiro dia de aula.
– Olhem só! – uma voz feminina não tardava em dizer, autoritária – todo ano temos mesmo nossos atrasadinhos.
Fechei os olhos com força, a vergonha de ter sido notada dessa forma me consumindo. Fico me perguntando se meus antepassados haviam jogado pedras na cruz para que todo o carma caísse direto sobre mim. A mulher tinha os cabelos descoloridos, presos em um rabo de cavalo alto na cabeça. Vestia um conjunto de moletom branco com detalhes de linhas dispersas em preto. Argolas douradas pesavam em suas orelhas. Ela fez contato visual direto, franzindo o cenho.
– Dá um desconto, senhora Lee, é o primeiro dia de aula do ano – soava outra voz, dessa vez masculina, se aproximando da mulher pelo lado direito. Ele trajava o mesmo conjunto de moletom branco com detalhes pretos.
A mulher respirou fundo, nos encarando rudemente – Contanto que isso não se repita, ouviram?
Quase dei um pulo ao me dar conta de que Jungkook estava bem ao nosso lado. Ouvi sua respiração pesada, e ele jogou a cabeça levemente para o lado, afundando as mãos no bolso da blusa.
Nos curvamos rapidamente, balançando a cabeça em concordância. Em seguida, seguimos as ordens da mulher, que indicara que deveríamos trabalhar em duplas. Esperei que Yerim se juntasse a mim, mas ela logo me deixou para se apresentar ao lado
de uma garota de cabelos curtos na primeira fileira. Ótimo, estou sozinha. Olhei ao redor. Todos já tinham suas duplas, Jackson e os meninos já estavam juntos. Ao meu lado, Jungkook se aproximou, envolvendo meu pulso com uma de suas mãos.
– O que você está fazendo? – sussurrei, puxando meu braço para baixo em uma tentativa de me desvencilhar do aperto.
– Em dupla, não ouviu? – questionou, já me puxando para uma das fileiras.
– Ouvi, é claro! Mas não quero fazer com você.
Ele respirou fundo ao soltar eu pulso antes de se virar para me encarar.
– Eu não perguntei.
Juntei as mãos rente aos lábios, rezando para que uma força maior o afastasse de mim ou meu sangue fervendo falaria mais alto.
– Como hoje é a primeira aula do ano – o professor caminha por entre as fileiras, com um sorriso de canto se esgueirando pelos lábios – pegaremos leve com vocês.
Meu pai me fez realizar diversas atividades físicas durante as férias, ele parecia um treinador profissional, por mais que eu tenha visto tudo àquilo como uma forma de me tirar do sofá e tentar me irritar, talvez ele tenha feito isto exatamente para me preparar
para este momento. Jungkook já começava a alongar seus braços, esticando-os por cima da cabeça enquanto eu me aprontava em me sentar no chão para alongar as pernas. A professora se aproximava, as mãos juntas atrás do corpo, caminhando graciosamente em nossa direção.
– Corrija a postura, Jeon – Ela disse rígida e mais uma vez seu olhar se cruzava ao meu.
– Você é a Wang, não? Chamo-me Lee Chaerin, professora de Hapkido.
Hap o que?
Reverenciei-me prendendo a respiração sem piscar os olhos. Jungkook riu de mim, mas
só eu percebi.
– Wang? É irmã do Jackson então, sou Jung Hoseok, mas pode me chamar apenas de Hoseok, ou Hobi – o outro professor dizia, se aproximando curioso.
Pelo menos o professor parece ser mais maleável, e eu me sentia até mais confortável com isso.
– Não dê tanta intimidade aos alunos, Jung – Chaerin lhe alertou como se pudesse ler minha mente.
– Ah qual é Chae, nossos alunos são nossos amigos também. – Hoseok disse, passando a mão pelos cabelos.
– Seus amigos – A mulher aproximou o rosto ao dele levantando uma das sobrancelhas. – Meus não – então ela se virou o nos deixou outra vez.
– Ela só é assim no começo, garanto que vão poder ver como a Chae é incrível. – Hoseok cruza os braços. – Continuem os exercícios.
Assenti com um movimento de cabeça, observando o professor voltar ao seu posto. Jungkook alongava suas pernas, depois girava a cabeça em um círculo, apenas parando o que estava fazendo quando o seu olhar esbarrou com o meu.
Eu nem me dei conta de que o estava o encarando.
– Poderia, por favor, parar de ficar me encarando? – Era irônico, já que agora ele estava bem de frente para mim.
– Você se acha a última bolacha do pacote, não é? – cerrei minhas sobrancelhas – E vai
fazer o que? Tem uma ordem que diz que é proibido sequer olhar para vossa senhoria?
Dei um passo para frente, pronta para peitá-lo se fosse preciso. Muito embora eu sentisse a raiva ferver dentro de mim, a respiração de Jungkook soava calma e quente contra meu rosto naquela proximidade, mas eu não daria meu braço a torcer. Então ele segurou meu antebraço, tombando a cabeça para o lado da mesma forma que fizera quando levamos bronca por chegarmos atrasados, como se estivesse me estudando.
– Yang… – Uma voz chamou atrás de mim.
Me virei para YoungYoungjae, a crescente de cabelos escuros em destaque pelo conjunto acinzentado de moletom que vestia.
– Está tudo bem? – ele perguntava, baixando seu olhar para a mão de Jungkook envolta em meu braço – Pode soltá-la, por favor? – pedia.
O garoto de olhos fundos soltou meu braço, com o olhar baixando para Youngjae logo atrás.
– Yang, você pode fazer conosco – YoungYoungjae apontou a cabeça para uma garota que acenava nos fundos da sala.
Não sei se era por ele ser amigo de Jackson, mas seu tom de voz era capaz de me trazer uma segurança indescritível. Não penso duas vezes antes de decidir deixar Jungkook
sozinho. Já que ele sempre andava sozinho, acho que não se importaria. Mesmo assim, respiro fundo. Olho para ele com cautela, então concordo com a oferta de Youngjae.
– Vamos, nós estamos treinando com os cabideiros – Youngjae me guiou até o
outro lado da sala.
Eu nunca soube bem o nome certo, mas havia uma espécie de cabide de madeira, usados para o treino. Eram troncos de madeira com três cabos giratórios pela extensão; dois em
cima, curtos, um maior no centro e um articulado em baixo, uma ponta arqueada para baixo. Em minha casa havia um desses, mas eu sempre acabava por machucar o olho
quando tentava usar, ou cheia de hematomas pelo corpo. Youngjae e a bela moça de cabelos louros – que mais tarde descobri se chamar Seulgi – me guiaram até um desses, esperando que eu soubesse o que fazer.
– Vai, tenta – ela encorajava docemente – Acho que você sabe usar boneco de madeira, não? É fácil.
Bonecos de madeira. Estalo a língua no céu da boca; nome desbloqueado com sucesso.
– É fácil furar o olho, isso sim – ela riu, enquanto eu engolia em seco ao observar aquilo.
Então, ela resolveu me mostrar. De frente para um dos bonecos de madeira, colocou seus braços a frente do corpo, batendo as mãos no cabo de cima, depois no cabo de baixo,
fazendo o mesmo processo com seu outro braço. Olhando assim, parecia fácil. Então, ela repetiu o processo mais uma vez, dessa mais rápido, se esquivando dos bastões de
madeira que passavam de fininho, quase a acertando.
Meus lábios estavam entreabertos, os olhos brilhando. Eu parecia uma criança assistindo a um espetáculo de mágica.
Encarei o boneco de madeira a minha frente, a respiração pesada outra vez. Decidi que deveria tentar e me aproximei, acertando um tapa leve no cabo mais alto do boneco. Ele girou e eu o agraciei, um sorriso idiota nos lábios, mas ele se voltou para mim e acertou
meu olho.
— Ai! — resmunguei, me encolhendo com a mão sobre o olho.
– Você tá bem? – YoungYoungjae já se aproximara, e ouvi uma risada fraca ecoando dele. Afagou brevemente um de meus ombros.
– Mais ou menos. Tirando o fato de que fui atacada por este meliante. – Apontei para o boneco.
– Vem cá, deixa eu ver… — ele se inclinou minimamente em minha direção, seus dedos segurando com delicadeza meu queixo, me fazendo olhar para cima, então pediu baixinho que eu abrisse meu olho.
Youngjae sorriu, seus dedos deslizaram, esticando um pouco a região de minha
olheira.
– É melhor colocar gelo…
– Patético — Jungkook interrompeu, rudemente.
Olhei-o por um momento. Ele arregaçava as mangas da camiseta, passando por nós. Em questão de segundos, Youngjae que estava em minha frente se virou para encarálo.
– O que você disse?
– Patético. – Jungkook repetiu. – Ouviu agora?
Ele encarou Youngjae sem nenhuma expressão no rosto, que deu um passo a frente ficando frente a frente com ele.
– Nada de briga! – Hoseok gritou chamando a atenção de todos.
– Briga? – Professora Chaerin perguntou, arqueando as sobrancelhas.
– Aqui professora! Aqui ó! – Um outro garoto disse com um dos braços apoiados sobre um dos bonecos de madeira. Seus cabelos eram ruivos e os olhos verdes claros pareciam
de mentira.
– Youngjae e Jungkook. – A professora os chamou. – Para o centro! – Ela bateu o bastão de bambu no chão.
Youngjae esbarrou seu ombro em Jungkook ao seguir para o centro do tatame. Jungkook bufou, as mãos caindo para dentro dos bolsos do moletom. Eu podia ver um
sorrisinho cínico se formando em seus lábios enquanto ele seguia atrás de
Youngjae.
– O que ela vai fazer? – Perguntei a Seulgi ao meu lado.
– Conhecendo a professora Chaerin, ela irá fazer um duelo.
Ela vai resolver uma briga com outra briga?
– Eu não quero briguinhas fúteis aqui, estão ouvindo? – Chaerin perguntou, olhando para todos nós. – Querem brigar? Então vão brigar. Quem perder irá ficar na turma de rebaixamento.
Todos os alunos formaram um enorme círculo em volta dos dois. Alguns garotos começaram a apostar em quem venceria esta briga, enquanto as meninas riam dizendo como as coisas haviam começado cedo este ano.
Do outro lado do círculo eu via Yerim. Ela roía as unhas, o rosto quase pálido enquanto observava o irmão se movendo até o círculo. Imaginei que o diretor não gostaria nada de
saber disso.
E então começou. Os dois garotos se moviam com quase sincronia, os pés um na frente do outro, joelhos meio flexionados. As mãos à frente do corpo na altura do rosto e do peito. Encaravam um ao outro, olhos flamejando da fúria ainda permeante.
— Pegarei leve com você — Youngjae provocou, mas o outro não respondeu.
Jungkook se conteve com um novo sorriso zombeteiro.
A luta se inicia com um avanço súbito de Youngjae, que busca acertar o rosto de Jungkook com o antebraço, mas ele desvia, se abaixa e aplica uma rasteira contra as pernas do outro. São muito ágeis, eu percebo. Youngjae salta para trás ao se desvencilhar do golpe.
– Aprendeu comigo. – Jackson dizia, e não sei quando ele chegou, mas seu braço se envolvia ao redor de meus ombros e ele gritava incentivos para o amigo no tatame.
Em vários segundos de luta, os dois não se acertaram nenhuma vez. Era uma luta de gigantes, eles eram rápidos e habilidosos, os punhos saltando contra o corpo um do outro, antebraços bloqueando os ataques. Em um momento, Youngjae deu um chute no ar, e Jungkook deslizou no chão para desviar dele.
– Wow! – Seulgi gritou, os olhos arregalados.
Jungkook se levantou, aproveitando a gafe do chute não acometido por Youngjae, puxou de trás pela camiseta e então, quando ele passou por si, cambaleante, puxou o outra vez pela gola da camiseta, o punho levantado no ar a centímetros do rosto dele. Fechei os punhos, temendo pelo golpe que Youngjae levaria.
Mas isso não acontece.
Um estrondo se propaga por toda a sala, o que toma a atenção de todos. Jungkook cessa o golpe, mas não parece surpreso. O diretor está parado na porta, os olhos fixos no filho no meio do tatame. Ele está furioso e por um momento quase posso ouvir meus próprios batimentos.
– O que está acontecendo aqui? — ele perguntou, finalmente, e tudo o que se prosseguiu foi um silêncio ensurdecedor.
[×××]
Oi amoraz
Votem e comentem o que acharam do capitulo.
Amo muito vocês ♡
Bjinhos!
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