
Capítulo 03
Mal o alvorecer havia anunciado a sua chegada, quando Marie acordou com os gritos de seu tio Eugene, que implorava para que alguém buscasse o doutor Sigmund. A garota levantou de sua cama, esquecendo-se até de que estava somente de camisola e saísse correndo descalça até o quarto de Walter.
A garota entrou apressada no aposento, e ao olhar para a cama, percebeu que seu pai já estava morto. Ela havia visto a mãe na mesma situação, então logo caiu em prantos, pois sabia que não havia mais esperanças para Walter. Todavia, Eugene parecia não ter a mesma ideia que ela, pois tentava acordar o irmão, enquanto a governanta movimentava a casa para que alguém fosse buscar logo o médico do vilarejo.
— Não adianta mais, tio... o meu pai já está morto! — Marie pronunciou aquelas palavras de maneira trêmula, enquanto criava coragem para caminhar até o leito de Walter. — Nada que possamos fazer vai trazer o meu pai de volta!
— Não seja tão pessimista, Marie — pediu Eugene, que continuava tentando buscar pelo pulso do irmão. — Walter é muito forte... ele não morreria assim de repente!
Marie não respondeu mais nada, pois ela sentia que seu pai já não estava mais ali presente. A moça então caminhou lentamente até a cama do genitor, criando coragem para tocar em seu corpo sem vida.
— Eu aceitaria perder tudo, menos você, papai — Marie disse, enquanto acariciava os cabelos grisalhos de Walter. — Mas acredito que Deus achou que já era a hora de você se encontrar com a mamãe, então terei que aceitar a sua partida.
Logo em seguida o doutor Sigmund chegou, atestando que a desconfiança de Marie era mesmo uma certeza. Todos então começaram a chorar e logo toda Vila Valence foi tomada por aquela notícia fúnebre, e não tardou até que a casa dos Badell ficasse lotada de vizinhos penalizados; afinal, Walter era um sujeito muito querido ali na região.
O velório e o enterro de Walter Badell passaram como se fosse um borrão aos olhos de Marie. Para a moça era como se ela vivesse novamente um filme de terror, que ela nunca pensou em reviver. Todavia, naquele momento tudo era ainda mais cruel, pois com a morte de seu pai, ela já não tinha mais quem a consolasse nos momentos de dor.
Depois que todos os vizinhos e amigos partiram, a casa ficou estranhamente silenciosa, com apenas Marie, Eugene e Margareth na residência. O tio de Marie então se aproximou dela, que estava afundada no sofá, desejando que pudesse ser levada para junto dos pais o mais breve possível.
— Querida, sei que é um momento muito difícil, mas quero que saiba que eu irei cuidar de você... Eu prometi ao seu pai, antes de ele partir, que cuidaria de tudo em sua ausência. — Eugene acariciou os cabelos dourados de Marie, mas ela não esboçou nenhuma reação. — Você será muito bem-vinda em minha casa, e eu cuidarei de tudo, até que você possa se casar.
— Eu não não quero ir para a cidade grande, tio... — Marie olhou para ele com desespero, pois sentiu que se deixasse Vila Valence para trás, estaria abandonando também as últimas memórias de seu pai. — Eu posso ficar aqui com a senhora Margareth.
— Não pode não, Marie. — Eugene foi incisivo, pois deixar uma garota morando sozinha junto com uma idosa, estava fora de cogitação. — Imagine o que pode lhe acontecer quando os urubus souberem que a princesa está morando sozinha aqui nesse lugar ermo? Eu não irei embora sem você, pois prometi para o meu irmão que iria cuidar da sua segurança!
— Mas todas as coisas do papai estão aqui... e a minha vida é aqui também! — ela protestou, sentindo-se desesperada.
— Quando você se casar, poderá retornar e assumir tudo, mas por hora é impossível que fique aqui sozinha, pois além de nenhum homem aceitar negociar com uma mulher, você ainda estaria correndo risco de vida, pois homens predadores podem fazer qualquer coisa por uma moça bonita como você ! — Eugene disse, mostrando que não haveria conversa. — Com a morte de seu pai, sendo o seu parente mais próximo, eu passei a ser o seu tutor.
Marie suspirou profundamente, pois sabia que apesar de não concordar com aquele mundo liderado somente pelos homens, eles ainda viviam em uma sociedade machista e, que, sendo assim, tudo o que Eugene dizia fazia sentido. Todavia, ela estava decidida a não aceitar tão fácil assim.
— O meu pai me ensinou a usar a espingarda, então posso muito bem me defender — Marie disse, tentando negociar o que ela sabia ser inegociável.
— Isso não é suficiente, Marie querida. — Eugene suspirou, mostrando pesar. — Você não pode imaginar quais são os ardis usados por homens predadores, então o melhor lugar para você é em minha casa, onde sua prima Susan poderá lhe fazer companhia.
A garota se calou, enquanto lágrimas silenciosas desciam por sua face, pois além de perder o seu pai, ela também perderia o seu lar e tudo o que ela conhecia em sua vida.
— Posso levar comigo a senhora Margareth e minha gata Cherry então? — ela perguntou com a voz lânguida, tentando encontrar conforto em sua nova realidade.
— A gata com certeza poderemos levar, mas a senhora Margareth... duvido que queira abandonar esse lugar para ir morar na capital... Então sugiro que ela continue cuidando da casa de seu pai, para que tudo se mantenha em ordem até o seu retorno. — Eugene encarou Marie, que pareceu compreender que tudo aquilo era mesmo verdade. — O que acha disso, Marie?
— Tudo bem, tio Eugene — ela falou com certa tristeza, pois sabia que sentiria muita falta da governanta de sua casa, mas que a mulher havia vivido sua vida toda na pacata Vila Valence, então mudar para Luxor estava foda de cogitação. — Mas posso vir aqui todo mês para visitar o lugar onde nasci?
— Eu prometo que peço alguém para te trazer até aqui, querida — ele disse, parecendo compreender o pedido da sobrinha.
Logo em seguida a garota se retirou para o seu quarto, pois era necessário que começasse a arrumar os seus pertences pessoais, e enquanto ela ia se despedindo de seus aposentos, ela decidiu que precisava ser forte, para que um dia fizesse prosperar os negócios de seu pai, e assim honrasse de alguma maneira a sua memória.
A moça sabia que logo chegaria a hora de se despedir daquele lugar e da senhora Margareth, mas pelo menos poderia levar a sua gata consigo, e quem sabe não pudesse encontrar uma nova alegria ao fazer amizade com sua prima Susan?! Afinal, morando em um lugar tão isolado como era a Vila Valence, poucas vezes ela havia tido a oportunidade de ter amizade com outras garotas de sua idade, então Marie tentou ver em sua desgraça uma oportunidade para viver novas coisas em sua vida. Contudo, ela nem imaginava que nada seria tão fácil assim em sua existência.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro