05 - O Outro Lado - Parte 02
O professor delas, Paulo, já estava na sala e distribuía as provas. Informou que ele havia preparado quatro modelos diferentes de prova. Para evitar que trocassem informações. Alguns alunos olharam-se entre si com olhos arregalados.
O professor ainda fez uma manobra na sala. Pediu aos alunos do fundo que viessem para frente e que os da frente fossem para trás. Quando todos haviam se ajeitado ele pediu que fizessem mais uma mudança. Pediu que os alunos da primeira e segunda fileira trocassem de lugar com os que sentaram na quinta e sexta fileira. Mais falatório e reclamação deles.
O professor apenas divertia-se com isso e alertava que era para o bem dos alunos. Eles se calaram e nada disseram, apenas mudaram em silêncio, mas havia ficado claro que eles não estavam contentes. O professor sentou-se e deu início à prova, ele anotou algumas coisas no seu diário de classe e ficou observando.
— Não tenham pressa meus queridos! — falou tão inesperadamente que alguns alunos se assustaram.
Alice no fundo da classe lia as questões, sabia todas as respostas. Mas não conseguia se concentrar, sua mente ficava viajando para aquela rotatória. Ela batia a borracha do seu lápis na mesa. As letras e palavras da prova embaralhavam-se. A sala estava apenas com os ruídos de lápis e lapiseiras arranhando o papel. Olhou para seu irmão e seus amigos que estavam em carteiras diferentes devido à troca de lugares.
Ela tentou concentrar-se na prova. Olhou em seu relógio. Surpreendeu-se ao perceber que já haviam se passado quase quinze minutos. Releu a primeira questão e começou a escrever a sua resposta, assim foi até terminar a prova. E apesar de parecer que seria uma avaliação cheia de turbulências e pegadinhas ela conseguiu terminar primeiro que todos e pode sair da sala mais cedo.
Ela despediu-se silenciosamente de seus amigos com um olhar. Ainda era muito cedo para seu pai vir buscá-la. Enviou uma mensagem para Catherine avisando que pegaria um táxi para casa. Ela sabia que não teria sua resposta no mesmo instante. Então passou na secretaria da escola e avisou a uma das atendentes que o professor lhe dispensara mais cedo das aulas e ela pegaria um táxi para casa.
A atendente olhou-a por cima de seus óculos e concordou com a cabeça. Ela pegou o celular de sua bolsa e ligou para um táxi. Ficou sentada em um sofá da recepção do colégio até o taxista chegar. Lembrou-se de sexta-feira à noite. "Talvez aconteça alguma coisa hoje".
As palavras daquela velha senhora ecoaram em sua cabeça. O que será que ela queria dizer com aquilo? Era mais uma pergunta que surgira para Alice. Lembrou-se do sonho em que voava por sobre a Inglaterra, de suas coisas reviradas em seu quarto e de ter dito a Alex que pensava poder manipular os objetos com seu pensamento. Ela olhou para uma mesinha no canto da pequena sala.
Orquídeas azuis, em um vaso branco, sacudiam com o ar-condicionado. Uma ideia maluca apareceu. Ela concentrou-se no vaso de flores. Estreitou um pouco os olhos. Visualizou o vaso em sua mente. Concentrava-se a cada segundo. As orquídeas pararam de se agitar.
O vaso de porcelana começou a se mover lentamente. Alice quase perdeu o foco, mas continuou concentrada. O vaso então levantou alguns centímetros da mesa. Ela fez um movimento com as mãos atraindo o vaso para perto dela. Flutuando suavemente o vaso seguiu na direção de Alice. Um som de buzina do lado de fora da escola fez com que ela se distraísse e o vaso caiu no chão espatifando-se em pedaços.
A mesma secretária que atendera Alice viera ver o que havia acontecido. Para sorte de Alice o vaso caíra próximo à mesa em que ele estava. E restou a ela dizer que ele havia caído espontaneamente. A secretária concordou com a cabeça e saiu atrás de alguém para limpar o tapete que ficara todo sujo. O táxi insistiu mais uma vez do lado de fora, Alice pegou seu material e saiu rapidamente.
Entrou no carro e pediu ao motorista que a levasse para o Jardim Europa. O motorista estacionou o carro em frente à casa de Alice. A caixinha do correio estava com algumas correspondências e panfletos de promoções de várias lojas. Ela esvaziou a caixinha e deixou as correspondências no escritório de seu pai. Ligou a secretária eletrônica para verificar se havia algum recado. Um bipe.
"Alberto meu filho, vocês gostariam de passar esse fim de semana aqui na chácara outra vez? Tem algo que eu queria que vocês vissem. Beijos, mamãe."
"Alice querida, você e Alex porque não trazem uns amigos também? Nena disse que vai preparar um final de semana de arromba, beijos da vovó."
A casa tão vazia provocou uma sensação de desconforto em Alice. Ela olhou os cômodos, as paredes, os móveis. Olhou para um canto da sala onde, ela e Alex, munidos de giz de cera, fizeram uma obra de arte, sua mãe ficara aterrorizada. Sorriu. Subiu as escadas, contando cada degrau. Olhou para baixo e lembrou-se de outro acontecido.
Quando com sete anos, ela e seu irmão desceram aquelas escadas sentados em um tapete, a partir desse dia sua mãe aprendera a não deixar vasos raros e caríssimos no pé da escada. Todas essas lembranças deixavam-na muito feliz e triste também, pois alguma coisa lhe dizia que não estava onde deveria. De uma forma estranha as palavras daquela cartomante a fizeram pensar coisas que ela jamais havia pensado. "Não sou adotada. Não posso ser."
Pensou consigo mesma. Ou seria? Seus pais teriam escondido isso dela? Eles a fizeram pensar que ela era filha deles quando na verdade não era? "Mais lágrimas Alice?" pensou outra vez. Ultimamente seus sentimentos andavam num conflito. Indecisa, ela não sabia se perguntava a seus pais ou não a respeito de seu nascimento.
Ela foi até o quarto de sua mãe e apanhou um álbum de família. "Os Demerwick", ela leu as letras douradas na capa creme do álbum. Estava grosso com tantas fotos. Ela procurou o ano de seu nascimento. Uma foto quase preenchia toda a folha do álbum. Sua mãe estava deitada na cama de um hospital abraçada a dois bebês. Alex e Alice.
Ela sorria para a câmera, seu pai estava do lado dela com os olhos vermelhos e algumas lágrimas. A garotinha com um tufo de cabelos ruivos agitava os pequenos braços, o garotinho carequinha dormia tranquilamente nos braços da mãe.
Alice agora já não conseguia mais conter as lágrimas, que rolavam em seu rosto pesadas como pedras. Cada página que virava, via a si própria em pequenos estágios de seu crescimento. Sorria e chorava ao mesmo tempo. Ao chegar à foto de seu primeiro aniversário ela viu duas fotos de tamanho igual, em uma ela estava com seu irmão atrás de um bolo imenso.
Riu ao ver que Alex havia metido o dedo no bolo, ela sorria com as mãos juntas, como uma boneca de porcelana, seu vestidinho fora confeccionado por Nena, era rosa e suave. Alex estava com um macacãozinho azul-claro e um bonezinho na cabeça. Na outra foto ela estava sozinha e mantinha a mesma posição da outra foto.
Esta foto não estava colada, apenas encaixada em pequenos orifícios na folha do álbum. Ela desprendeu a foto e ficou olhando para si mesma. Olhou no verso da foto e viu que estavam escritas algumas palavras.
"Minha pequena. Nós te amamos. Rezamos para que você seja feliz em sua vida. Mamãe e Papai."
Ela posicionou a foto em seu lugar e por curiosidade também soltou a foto em que estava com Alex, para ver se também havia algo escrito. E sim havia algo escrito. A caligrafia de sua mãe era inconfundível e impecavelmente linda.
"Anjos das nossas vidas. Dois presentes que Deus nos concedeu. O dia 31 de Outubro vai ser sempre um dos nossos dias preferidos. Mamãe e Papai."
Alice fechou o álbum e guardou-o no seu devido lugar. Sabia que uma foto não justificava nada, olhou em sua identidade. Os nomes de seu pai e sua mãe estavam de acordo. Ela precisava perguntar. Por mais que não quisesse acreditar nas palavras daquela mulher. Sempre se perguntou por que era ruiva e tinha olhos verdes se ninguém mais da família era assim.
Apesar de nunca ter questionado antes, agora gostaria de saber. Saiu do quarto de seus pais e foi para o seu. Deitou-se em sua cama e ficou ouvindo algumas músicas. Não queria sair, nem conversar. Não queria saber de nada, apenas desaparecer por um momento. Como as suas provas estavam acabando ela teria mais tempo para descansar.
Uma batida na porta em sequência. Alex. Ponderou se abriria ou não. Ainda estava zangada e magoada também, mas o amava e ele sempre cuidara dela. Uma discussão boba não poderia separar os dois. Não berrou como seu irmão sempre fazia, respondeu suavemente. Ele entrou e sentou-se na cama. Ela também sentou. Alex estava chateado, ele não gostava de brigar com sua irmã.
— Seus olhos estão inchados? — perguntou.
— Sim, é que caiu um cisco e eu comecei a coçar, ficou irritado — ela sorriu tentando disfarçar.
— Nos dois olhos Alice? — ele levantou uma sobrancelha.
— Bem...
— Tudo bem Alice — disse ele. — Eu queria te pedir desculpas. Mais uma vez. Prometo que não vou mais duvidar de nada que você disser.
— Não precisa prometer Alex — disse ao vê-lo levantando sua mão em juramento. — Está tudo bem. Irmãos?
Ela sorriu e estendeu sua mão para Alex, com o dedo mínimo levantado. Ele retribuiu o sorriso e enlaçou o dedo dela com o seu e confirmou. "Irmãos". Ela lhe contou sobre as chamadas e ele assentiu. Ligou para Rebecca e perguntou se ela não tinha planos para o fim de semana, não a deixou contestar e disse para desmarcar, pois iriam para a chácara de sua avó assim mesmo. Alice não conseguiu não rir.
Tinha vezes que Alex era muito palhaço. Ele desligou e rapidamente ligou para Catherine e Otávio, convidando-os e marcaram de irem sexta à noite com seus pais. Ele saiu do quarto de Alice e foi para o seu. Ela deitou-se de bruços e tentou cochilar um pouco. Esquecer tudo o que estava acontecendo. Mas era impossível. Conectou-se à internet e ficou lá a tarde toda.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro