02 - Sonhos Estranhos - Parte 02
Apenas uma escuridão infinita estava à sua frente. Ela escorregou e acabou caindo. Caía rapidamente. E apenas um grito fez com que acordasse. Estava toda suada. Uma onda de espanto lhe invadiu. Estava sentada no seu tapete próximo ao seu closet. Três metros de distância de sua cama. Objetos de sua escrivaninha estavam espalhados pelo chão.
Os quadros estavam todos espatifados. As portas do guarda-roupa estavam todas abertas, as gavetas tinham sido arrancadas e estavam empilhadas num outro canto. A janela de seu quarto batia com o vento. O que mais lhe chamava atenção era que seu cobertor e seu travesseiro estavam grudados no teto.
— Alice, está tudo pronto para irmos ao vale. Não demore. — Sua mãe chamou do outro lado da porta.
Ela nem se dera conta de que já havia amanhecido. Esse sonho maluco havia lhe confundido. Notou que um fino raio de sol entrava pela janela. Coçou levemente os olhos para ver se ainda não estava dormindo. Ao confirmar olhou para o teto e viu que seu cobertor e travesseiro realmente estavam ali pendurados. Subiu em sua cama e puxou-os com força. Tentou arrumar seus objetos. "Como foi que essas gavetas foram parar aí?" pensou.
Ela não era sonâmbula, disso tinha certeza. Jogou suas coisas em cima da cama e resolveu arrumar depois. Foi até o banheiro e escovou os dentes. Arrumou os cabelos num rabo-de-cavalo. Pôs uma camiseta amarela e um short jeans sobre um biquíni azul. Olhou para suas pernas e fez uma rápida anotação mental: "se bronzear um pouco mais". Juntou seus cremes de proteção solar e um bronzeador. Cuidado com a pele e uma cor não fariam mal nenhum.
Colocou seu celular na sacola, uma toalha colorida e um par de chinelos. Alcançou seus óculos escuros que também haviam caído. Calçou seu tênis e desceu. Ficou pensando no sonho e no que aconteceu em seu quarto. Distraída em seus pensamentos acabou batendo com Alex no pé da escada.
— Desculpe Alice, tome este boné. O sol está forte lá fora — disse Alex entregando-lhe um boné laranja.
Foram até a sala de jantar onde o café estava posto. Uma jarra de suco natural de laranja, pãezinhos, margarina e queijo branco e uma cesta de frutas. Sentaram e trataram de não demorar. Alice viu quando seu irmão pegava uma vasilha no armário e a encheu com pãezinhos e uma garrafa de suco. Achou uma bobagem já que seus pais estavam levando uma cesta bem recheada com lanches.
— O quê? Vou comer no caminho — disse ao ver o olhar de reprova de sua irmã.
Apanharam suas coisas e saíram. Seus pais conversavam com sua avó e Nena. Juntaram-se a eles. Alberto olhou em seu relógio e informou que era hora de começarem a caminhar. Dona Ana disse-lhes que ficaria em casa com Nena para fazerem tricô e o almoço. Despediram-se e saíram pela porteira dos fundos. Caminharam numa extensão de terra muito grande.
Avistaram uma entrada para um bosque. As árvores uniam suas folhas dando a aparência de um portal. Entrando por ele caminharam pelas sombras frescas e tranquilas das árvores. O canto melodioso dos pássaros vinha de todos os lados. Alice ouvia atentamente cada um deles. Tentava lembrar-se de cada um, conforme Nena havia ensinado.
Fechou os olhos para se concentrar na melodia. Acabou tropeçando em um nó de uma raiz que brotara da terra. Caiu em um tapete de folhas que amaciou sua queda. Levantou-se rindo, apesar de seus pais estarem com uma cara de preocupação. Sacudindo a terra de sua roupa continuou seu caminho assobiando junto com as aves.
Uma clareira ao longe começava a se formar, saíram do bosque e deram de frente com o vale. Uma cascata caía do alto de uma montanha formando um belíssimo lago de águas azuis cristalinas. À beira do lago uma grama verde brilhava com o sol. Alberto e Mônica estenderam uma toalha xadrez vermelha sob a sombra de um ipê.
Alice trouxera uma toalha de banho e estendeu-a no gramado. Passou protetor solar e se deitou ao sol. Alex tirou sua roupa e ficando só de sunga, também passou protetor e deu um pulo na lagoa. Respingos caíram em Alice que gemeu com a frieza da água. Ela botou seus óculos escuros e se acomodou mais ainda. Fechou os olhos.
O sol quente aquecia o vale e todos que ali estavam. Uma brisa fresca soprava, para oferecer equilíbrio entre calor e frescor. Tudo era tão familiar à Alice. O cheiro do mato, das flores. Sentiu-se embalada pelos sons da natureza. Adormeceu. Uma escuridão se formou ao redor de Alice. Ao longe alguém dera um grito de horror e desespero. A garota começou a correr em sua direção. Por mais que não visse onde pisava ou para onde ia, ela sabia que devia socorrer essa pessoa. "Cassidy, por favor, eu imploro."
Alguém sussurrava essas palavras em meio às lágrimas. "Com toda certeza que não, e não atendo mais a esse nome". A angústia que essa mulher sentia era dolorosa. "Por que está fazendo isso, ela é...", a mulher não concluiu a frase. O som de coisas se quebrando foi ouvido por Alice. A garota não podia ver o que estava acontecendo, mas com o que ouviu pôde imaginar o que tinha acontecido.
Sentou-se no vazio. Pôs a cabeça entre os joelhos e começou a chorar. Uma tristeza muito grande tomou conta de seu coração e nem sabia o motivo. "Alice!". Novamente aquela voz começou a chamar-lhe. Levantou a cabeça e viu uma jovem caminhando em sua direção. Não podia ver seu rosto, pois uma cortina fina e cinzenta de névoa espiralava à sua volta.
Só via seu longo vestido preto. No entanto, ela agora se concentrou nessa voz e percebeu que se tratava da mesma pessoa. Era a tal Imperatriz. Ela ergueu as duas mãos. Uma luz azul brilhou sobre elas. Um movimento rápido e um raio cortou o ar em direção de Alice.
— Alice, acorde! — Alex a sacudia. — Vai começar a chover.
Levantou atordoada. Esses sonhos estavam começando a lhe dar dor de cabeça. Não sabia porque os estava tendo. Não conhecia nenhuma daquelas pessoas. E ainda aquele bilhete que aparecera em seu bolso. Tudo andava estranho. Sentia-se sufocada. Queria gritar, correr, qualquer coisa para escapar daquilo tudo. Cogitou até a ideia de recorrer a um psicólogo ou possivelmente um psiquiatra.
Agarrou suas coisas, vestiu-se e acompanhando sua família, puseram-se a caminhar. Olhou em seu celular e viu uma mensagem de texto. "Marcos, seu imbecil!" pensou. Ao ler o pedido de encontro do antigo paquera. Apagou a mensagem e enfiou o celular no fundo da bolsa. Começou a ouvir seus pais que estavam falando dessa mudança brusca no clima, já que a previsão era de sol para os próximos cinco dias. Puxou seu irmão para mais perto.
— Alex, eu estou tendo sonhos cada vez mais malucos.
— Alice, o que nós já conversamos sobre isso? Você deve estar cansada ou estressada. Ou sabe lá Deus o quê. — Levantou as mãos para cima.
— Eu sei, mas... Ah, deixa quieto. — Curvou as sobrancelhas.
— Não estou bravo com você, mas vou te dizer a mesma coisa que o psicólogo da escola disse para mim uma vez. Quanto mais você der atenção ao problema, mais ele o importunará. Esqueça tudo isso. Você tem que...
Alice deu um empurrão repentino em seu irmão e jogou-se para o lado. No local exato em que eles estavam um galho grosso havia caído. Mônica e Alberto que ouviram o barulho vieram correndo para ajudá-los.
— Meus filhos, vocês estão bem? — perguntou sua mãe examinando-os à procura de ferimentos.
— Estamos bem, mãe. Alice viu o galho a tempo — Alex olhou para sua irmã que estava de cabeça baixa.
— O que houve minha querida? — perguntou seu pai.
— Hã? Nada pai, desculpe.
— Querida, você não precisa se desculpar. Vamos logo, estou ouvindo trovões — disse sua mãe enquanto enroscava seu braço no dela.
Assim que chegaram à varanda a chuva desabou. Como se o mau tempo estivesse apenas esperando que chegassem até a chácara. Aliviados entraram. Apesar de estarem todos chateados com o fim de semana estragado devido à chuva e ao recente acontecido, não recusaram o almoço de Nena. Após todos terem terminado suas refeições começaram a falar do que tinha acontecido no caminho de volta. As duas velhotas estavam estarrecidas. Alex chamou Alice num canto. Estava sério, bem mais do que costumava ser. A garota estranhou. Ele pôs as mãos na parede. Ela ficou de frente para seu irmão, mas de costas para sua família.
— Agora me conte o que foi aquilo. — Seu olhar era intenso.
— Eu tive uma visão Alex. Sei que parece estranho. Eu simplesmente vi o galho caindo antes mesmo dele cair — disse ao ver seu irmão descrente do que ela dizia. — O que me restou fazer foi te empurrar e me jogar para o lado.
— Alice, isso está indo longe demais. — Alex murmurou com um olhar de preocupação e medo na voz.
Alice não acreditou no que acabara de ouvir. Seu irmão, seu confidente. Não acreditava em nada do que ela dizia. Alice o empurrou e subiu as escadas correndo. Um som abafado de porta batendo foi ouvido no andar de cima. Estava furiosa, só que não ia se abalar. Apenas deixou a plaquinha de "Não incomode" na maçaneta e trancou a porta de seu quarto. Não queria receber ninguém. Foi até sua escrivaninha e ligou seu computador, cruzou os dedos torcendo para que o provedor de internet conectasse.
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