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01 - Visões - Parte 02


Sussurros. Era esse o único som que conseguia ouvir. Ou, pelo menos, era o que ela imaginava ouvir. Várias vozes ecoavam em sua cabeça. Porém, ela não distinguia de quem eram ou de onde vinham e muito menos o que diziam.

Quando enfim conseguiu abrir seus olhos, percebeu que não estava na sorveteria, e sequer sabia que lugar era aquele. Olhando à sua volta, viu que se tratava de uma cabana de madeira. Móveis entalhados em madeira, de forma rústica, estavam revirados e cobertos por pó e teia de aranha. Alguns feixes de luz entravam pelo teto da cabana, coberto por palha grossa. Alice notou que o lugar em que estava parecia ser um quarto, pois viu uma cama próxima a uma janela fechada com tábuas.

Andou para fora do quarto e deparou-se com a mesma cena, móveis caídos e, até mesmo, quebrados. Um pedaço de papel estava sobre a mesa coberta de pó. Deveria estar ali há muito tempo, visto que estava amarelado. Alice quase não conseguiu distinguir o que estava escrito, as letras estavam quase se apagando, mas, com muito esforço, conseguiu ler. Com uma caligrafia fina e delicada estava escrito:

"Laila, querida, se encontrar esse bilhete, deve urgentemente escondê-la, mantê-la em segurança até que esteja pronta. Os dois mundos precisam dela. Somente ela poderá deter a Imperatriz, sabemos o perigo que ela corre se permanecer aqui. Leve-a para a Caverna do Norte, até que consigamos atrasar a Imperatriz. Morgan estará esperando por vocês lá. Não permita que nada aconteça à nossa pequena A".

Nesse ponto Alice parou de ler, pois o papel estava com um pedaço faltando. Sabia que isso era errado, mas pôs o papel em seu bolso traseiro. Sentiu que precisava guardá-lo. Caminhou até a porta que dava acesso à saída da cabana. Quando empurrou a porta, uma luz branca fortíssima ofuscou sua visão. Tapou seus olhos.

"Alice"!

Ouviu uma voz chamando-lhe. Abriu seus olhos e viu Catherine, Alex e Otávio olharem-na com olhares curiosos e espantados. Sentiu uma lágrima escapar de seu olho direito. Alice a limpou e viu que seus olhos ainda estavam incomodados com a forte claridade que presenciara há pouco.

— O que foi, por que estão me olhando assim? — Alice perguntou atônita.

— É que você estava de olhos fechados e começou a pronunciar algumas palavras. Quem é Laila? — disse Catherine.

Alice ficou confusa. Não tinha a menor ideia de quem fosse Laila, também não sabia dizer por que seus olhos estavam tão irritados, se o ambiente que estavam era dotado de uma boa iluminação. E o que mais lhe intrigava era ter visto aquelas imagens. Será que ela adormecera enquanto estava ali? "Não posso ter cochilado aqui", pensou, e teve sua comprovação com os olhares incisivos de seus amigos e de Alex. Não tinha as respostas nem para si mesma, quanto mais para os demais.

— Eu não tenho muita certeza. Não quero mais ficar aqui. Será que vocês podem me dar licença? — perguntou sem olhar para nenhum deles.

— Tudo bem Alice, nós vamos com você — disse Otávio.

Assim que pagaram e saíram, decidiram ir até a praça de eventos que ficava localizada não muito longe dali. Alice percorreu o caminho inteiro perdida em pensamentos, Otávio contava a Catherine uma de suas façanhas de pescaria durante um torneio de pesca que havia ocorrido alguns dias atrás.

Alex notara que sua irmã ficara para trás e decidiu esperá-la. Assim que ela se aproximou, ele passou seu braço direito por sobre o ombro dela e bagunçou seus cabelos, fazendo com que a garota abrisse um sorriso.

— Que tal me explicar o que foi aquilo que aconteceu com você?

Ela hesitou, ainda estava confusa, não sabia o que dizer e nem por onde começar. Pensou e achou melhor dizer a ele quando fossem para casa. Acelerando o passo alcançaram seus amigos. A praça estava lotada de pessoas que caminhavam, jogavam futebol ou basquete e alguns idosos exercitavam-se em uma área destinada a eles.

Otávio e Alex foram ver o jogo de futebol que acontecia no campo de grama sintética, enquanto Alice e Catherine ficaram observando as meninas jogarem vôlei. E aproveitaram para trocar olhares com alguns meninos que passavam. Um toque de celular desviou a atenção de Alice. Sua mãe lhe enviara uma mensagem pedindo que voltassem, pois passariam o fim de semana na casa de sua avó, na chácara. Acenou para seu irmão, chamando-o. Os dois garotos vieram e se juntaram a elas.

— Amigos, minha mãe mandou uma mensagem e disse que temos de ir agora. Vamos ficar esse fim de semana na casa da vovó.

— Beleza, vamos ficar mais um pouco aqui. Depois vamos para casa terminar o trabalho de História, não é, Sr. Otávio? — Catherine olhou para ele com um olhar sarcástico. Otávio exibiu um sorriso discreto.

Alex e sua irmã decidiram ir caminhando até sua casa. Não trocaram nenhuma palavra a respeito do acontecido enquanto percorriam a avenida para o Jardim Europa. Apenas ficaram brincando de adivinhar as nuvens ou formar nomes engraçados com as placas dos carros.

Alice parou em frente à Mata do Carmo e ficou observando o vento sacudir as folhas das árvores. Então sentiu uma súbita fraqueza lhe percorrer o corpo. Uma sensação que lhe parecia muito familiar. Chamou seu irmão e pediu ajuda. Alex prontamente apoiou sua irmã em seu ombro direito.

— O que houve maninha? — olhou para ela com atenção.

— Nada, só um mal-estar — disse, pondo-se de pé. — Em casa te conto duas coisas se der tempo.

Assim que cruzaram a Avenida Vaticano, andaram por mais algumas quadras e, por fim, chegaram à sua casa. Uma imensa mansão se formou diante deles. Era toda branca, mas com o pôr do sol se tornou laranja avermelhada. As sombras que se formavam em alguns pontos da casa deixaram-na com um charme indescritível. Um grande portão de bronze continha um "D" moldado às ferragens, simbolizando o sobrenome da família Demerwick.

Alice puxou de seu bolso um molho de chaves com um bolinho de pelos verde-azulados, que Alex percebeu ser um bichinho de pelúcia. Ela abriu o portão e entraram. Um caminho de pedras conduzia até a porta da casa deles, o jardim começava a brilhar com as várias luzes que iam se acendendo conforme o dia transformava-se em noite. Abriram a porta e deram de cara com seus pais parados no corredor que dava acesso à sala de estar.

Alberto Demerwick estava recostado no batente. Tinha o rosto marcado com algumas linhas de expressão em volta de seus olhos castanho-amarelados, seus cabelos castanhos estavam arrumados para o lado. Coçava seu queixo, onde tinha um cavanhaque ralo. Era poucos centímetros mais alto que Alex. Vestia uma bermuda cáqui e uma camisa polo esportiva vermelha. Sua mãe, Mônica, vestia um pequeno vestido rosa de mangas curtas, até os joelhos. Tinha olhos acinzentados e cabelos acaju arrumados em uma bela trança. Olhou para seus filhos e sorriu.

— Crianças, subam e peguem uma mochila com algumas peças de suas roupas, escovas de dente... — Mônica fora interrompida por Alberto.

— Sim amor, eles sabem. Vamos, vou ligar o carro — disse enquanto arrastava sua esposa para a garagem.

Subiram as escadas e seguiram para seus respectivos quartos. Alice virou à direita e Alex à esquerda no fim do corredor. Ela entrou e apanhou sua mochila de viagem. Era lilás e tinha flores artesanais feitas de tecido costuradas por ela mesma. Tirou seu material escolar de dentro. Uma foto caiu sobre a cama. Pegou a foto em suas mãos e viu toda sua família sorrindo. Seus pais, seu irmão, sua avó e Nena que era empregada de sua avó, mas também considerada como um integrante da família.

Alice estava sentada no meio deles e também sorria. No fundo uma imensa casa erguia-se, imponente. Sentiu uma lágrima se formar em seus olhos. Não sabia o porquê de sentir isso. Guardou a foto na gaveta de seu criado-mudo e foi até seu guarda-roupa. Abriu uma das portas, que eram de correr, e juntou um jeans claro, uma camiseta branca básica, peças íntimas e um biquíni. Trocou suas roupas por uma camiseta de sua banda favorita, Evanescence, e uma calça jeans preta.

Pegou seus objetos de higiene, fechou a janela de seu quarto. Apanhou seus fones de ouvido e conectou-os rapidamente ao seu celular e saiu. Encontrou com seu irmão, que vinha com uma mochila verde-musgo, no corredor. Alice se perguntou o que tanto ele carregava para ela estar a ponto de explodir. Alex olhou para a irmã e sorriu.

— Alex, agora não vai dar tempo de te contar. Na casa da vovó prometo que te falo tudo — disse Alice. Alex concordou e desceram as escadas.

Após fecharem a casa, ativaram os alarmes. Uma pequena luz vermelha se acendeu na lateral de uma das colunas. Atrás de um vaso com arbustos estava o sistema de segurança. Entraram na picape Hilux de cor preto-fosco de seu pai. Alberto deu a ré e saíram. Alice pôs seus fones e, dedilhando em seu celular, começou a ouvir sua música preferida, Bring Me To Life. Fechou os olhos e recostou sua cabeça no banco. A música tocava suavemente.

A voz da cantora se tornava cada vez mais bela e macia. Alice começou a sentir seus olhos pesarem. Não conseguia mais ouvir a música. Abriu os olhos para ver o que havia acontecido e se viu mergulhada em uma escuridão total.


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