C A P Í T U L O 8
Destino irrevogável
Eu era corajosa por me submeter àquele casamento para salvar as fadas do Jardim de Aiden, ou era apenas uma covarde que não conseguia desistir dele? Chega um momento na vida que é preciso sacrificar algo para um bem maior, mesmo que esse algo seja o próprio orgulho.
Não liguei para Avigayil, e atribuí a minha fraqueza mental e emocional à noite em claro e a todo o excesso de cansaço. Naquele momento, fiz o que era preciso fazer para esquecer os meus problemas, me enchi de trabalho durante o dia todo, sem me permitir qualquer segundo livre para pensar em outra coisa que não fosse os projetos do Sr. Landon.
Assim o dia passou rápido.
O ocaso ainda terminava de se completar com a noite quando parei o carro em frente ao portão de casa. "Faça o que quiser, desde que o mantenha fora da minha propriedade." As palavras daquele estúpido voltaram à minha mente, e antes que a raiva e frustração se transfizessem em mais lágrimas, estacionei do lado de fora, próximo ao portão.
Eu precisaria andar um pouco até a casa, mas isso me faria bem e por sorte eu usava sapatilhas confortáveis.
― Boa noite, Sra. Skarsgard, algum problema? ― ressoou uma voz masculina junto da porta do carro que eu acabara de fechar. Virei-me encontrando um dos seguranças parado a poucos metros de distância.
― Boa noite... Gianni, certo? ― Ele anuiu com um meneio breve, e eu sorri fracamente. ― Está tudo bem.
― Há algum problema com o carro? Quer que eu peça para o Howse vir buscá-la? ― inquiriu ele pegando o celular de dentro do bolso do terno.
― Não precisa! ― me apressei em dizer.
Será que aquele imbecil não havia avisado aos seguranças dele? Eu poderia me aproveitar disso e tentar entrar com o carro, mas não queria voltar a discutir com o Anton, aliás, eu não queria ter nenhum motivo para ver ou me aproximar dele novamente. A minha meta de vida dentro daquela casa seria ignorá-lo e evitá-lo de todas as formas possíveis, nem que para isso eu tivesse de viver trancada no quarto.
― Agradeço a atenção, mas não há nenhum problema com meu carro, é só que estou com vontade de andar hoje ― assegurei, e o sorriso que dei foi dolorido, mas pareceu ter convencido Gianni. Passei pelo portão acenando um "tchau" para ele. ― Tenha uma boa noite.
Andar pela estrada entremeio as árvores não era tão ruim assim. Há anos eu vinha tentando evitar esse estreito contato com a natureza pelo tanto que podia, porque todas às vezes ele fazia eu me sentir incompleta e desapontada por não ser uma fada. Depois que meus poderes se revelaram, tudo aconteceu tão depressa, que reatar essa relação com o meu meio congênito foi a última coisa que pensei.
No entanto, estava mais que na hora de mudar isso.
Como Louise havia ensinado, eu teria de me reconectar com o meu espírito, e uma vez que, a alma de uma fada era intrínseca à natureza, eu precisaria me entregar a ela para expandir e moldar meus poderes. Eu começaria preenchendo e organizando a estufa de vidro que existia lá, e então eu passaria para o jardim, especialmente àquela entrada, trazendo muito mais cor ao verde predominante.
Um passo de cada vez.
Entrei em casa e já corri para o meu quarto, determinada a não sair de lá até o outro dia. Eu estava tão cansada que nem sentia fome, e se me deitasse naquele momento dormiria até a manhã seguinte. E foi o que fiz, após um banho quente, vesti um pijama e me deitei, só que bateram na porta no segundo em que fechei os olhos.
Me levantei e fui abrir a porta, Rose estava parada lá com um sorriso carinhoso no rosto.
― Perdoe-me o incômodo, Sra. Skarsgard, mas é que o jantar está pronto para ser servido, e a senhora tem visita. ― Visita àquela hora? Tudo bem que ainda era início de noite, mas eu não esperava ninguém.
― Quem?
― A Sra. Avigayil Na'amah.
Ah, minha nossa. Eu não saberia dizer se fiquei feliz ou preocupada com aquela visita inesperada, porque de repente, tive medo que ela percebesse que a tensão entre mim e o Anton havia piorado. De qualquer maneira, seria uma oportunidade para agradecê-la pelos cuidados que teve comigo depois do casamento.
― Vou me trocar e já desço. ― Estendi um sorriso para Rose, então fechei a porta e corri para o closet.
Ligeiramente troquei o meu pijama por um vestido florido e me apressei em descer chegando a tempo de escutar algo que muito me interessou.
― O Sr. Skarsgard viajou essa tarde e só voltará na semana que vem ― proferiu Rose parada próxima ao sofá em que Avigayil estava sentada.
O Anton havia viajado? Para onde? Sem que eu pudesse assimilar aquela informação, fui notada por Avigayil que prontamente se colocou de pé com um sorriso largo estampando o seu lindo rosto. Segui até ela e ganhei um abraço apertado, enquanto Rose se retirava nos deixando sozinhas.
― Minha linda, como você está? ― indagou ela se afastando e correndo as mãos pelos meus ombros.
― Estou bem, obrigada ― respondi com um meio sorriso apontando para o sofá. ― Por favor, fique à vontade.
Não tenho certeza se foi o olhar que desviei ou se ela viu algo em meu semblante que não consegui disfarçar, mas assim que nos sentamos, seus dedos buscaram o meu queixo delicadamente para me fazer encará-la.
― Você está triste. ― Não havia sido uma pergunta, ela me analisava com intensidade e concentração de quem montava um confuso quebra-cabeças. ― O que aconteceu?
― Apenas cansaço, Avigayil. ― Ela piscou algumas vezes, visivelmente incrédula, e permaneceu em silêncio como se esperasse a verdade. ― Não dormi bem à noite, e trabalhei muito. ― Apesar de ocultar parte da história, não menti, mas já estava ficando sem jeito, porque ela continuava me observando e eu não fazia a mínima ideia do que poderia estar passando pela sua mente.
― Como está o casamento?
Droga, ela tinha ido direto ao cerne do problema, e lá íamos nós entrar em um assunto desastroso e nem um pouco confortável. Não tinha muito para ser dito além da verdade. Avigayil o conhecia a milênios, e era certo que eu não conseguiria mentir para ela.
― Arrependimento o define.
Um sorriso curvou seus lábios, e um brilho condescendente resplandeceu de seus olhos.
― Todo início é deveras complexo e melindroso, e quase toda transformação é dolorosa. Contudo, considere que tal cenário também esteja sendo laborioso em igual medida para o Anton. ― Não parecia, pois se estava sendo tão difícil para ele quanto para mim, então por que ele insistia em tornar a situação ainda pior? Eu nunca iria entender um ser que sentia prazer em ver as pessoas subjugadas e refém dos seus delírios perversos.
― E se eu quisesse desistir disso tudo?
― Desistir? ― Ela sorriu tristemente, e então balançou a cabeça. ― Você chegou tão longe para desistir logo agora, minha linda? Vocês só estão casados há quatro dias.
― Mas quando as fadas forem libertas, posso desistir, certo?
― Certamente que pode tentar, mas lhe asseguro, a conexão que precisará ser fomentada para que as promessas se concretizem, é tão grandiosa, tão profunda e imutável, que ao final delas, desistir não será mais a sua opção. ― Seu olhar se aprofundou no meu. ― Compreenda que a união foi feita e não há meios para desfazê-la. Agora vocês pertencem a uma só alma, e esta não pode ser dividida ou separada. Ela é eterna.
A analisei um tanto duvidosa. Essa mesma afirmação havia sido feita durante o ritual, mas entendi que era apenas uma metáfora para definir o casamento.
― Você diz isso no sentido figurado, certo? ― Avigayil soltou uma risada divertida, e então negou. ― Isso não faz sentido, como duas pessoas tão diferentes entre si, podem pertencer a uma só alma?
― Equilíbrio, minha linda. O segredo da vida é e sempre será o equilíbrio. O seu excesso é a ausência do Anton, e vice-versa. ― O negócio era muito mais sério do que pensei, eu jamais poderia ser o equilíbrio daquele louco.
― Ele é muito difícil e complicado... ― acrescentei um suspiro frustrado. ― Sinceramente, eu não o entendo.
― Para compreender algo é preciso conhecê-lo. ― Sua mão me tocou a face brevemente, antes que seu olhar perdesse o fulgor e o foco. ― Imagine-o como uma casa muito antiga, tão antiga quanto o tempo, cuja as portas e janelas são interditadas a milênios. Mas que agora com a sua chegada, de forma lenta e quase imperceptível, começou a descerrar suas pulverosas e pesadas cortinas, como se a convidasse a entrar e desbravar os recônditos sombrios e demasiado reveladores que existem lá dentro. Para fazer dar certo, querida, se faz necessário que adentre de modo resoluto este território intencionalmente bem guardado e protegido, sabendo previamente que os corredores que encontrará lá dentro poderão ser obscuros e condenáveis. É preciso que chegue até a soleira desta casa, livre de juízo e convicções, é preciso que se livre de qualquer julgamento, pois deve-se lembrar, ela é antiga, e o tempo corrói a maioria das coisas.
Como eu ousaria tentar conhecê-lo se ele não permitia?
― É preciso que abra o seu coração e que deixe os seus sentimentos falarem por vocês dois ― prosseguiu ela. ― Permita que as suas emoções o doutrinem.
Soltei um riso casto revelando todo meu nervosismo, sentimentos e emoções eram a antítese dele.
― Ele não me suporta, Avigayil, e faz de tudo para me afastar. Não sou um objeto inanimado que consegue aguentar todas as suas grosserias, completamente apática. Ao contrário dele, eu tenho sentimentos.
― Decerto que possui, e é a intensidade deles que a faz perfeita para ele. O seu coração, grande e puro como é, o abraçará com todos os obstáculos sobressalentes. ― Se era possível, seus olhos conseguiram ficar ainda mais escuros, tal como o ônix de seu colar. ― O Anton possui um passado carregado, tortuoso, e tem vivido tanto tempo sozinho, que a solidão é a única coisa que ele conhece. Ele selou o próprio destino, e mesmo após três mil anos, o seu mundo continua desmoronando. Tão cheio de ódio, tantas cicatrizes, que já não sente mais as suas dores, apenas se habituou a lidar com elas. Ele está cansado da vida, e esta é a mais cruel condenação que um imortal possa ter. Faltam-lhe estímulos honráveis e oportunos, daqueles aptos a preencher a alma com sentimentos nobres e engrandecedores. E perdoe-me, mas tenho que discordar no que disse sobre ele não a suportar. ― O silêncio veio com uma breve pausa, ao passo que seus olhos se suavizavam enquanto eram cobertos com um brilho vívido e risonho. ― Você o enerva de um modo tão espontâneo e pueril, que nunca nenhum outro ser conseguiu afim domínio sobre ele desde que o conheço. Suponho que tal ventura o esteja sensibilizando à iminência de se afastar para tentar manter intactos os altos muros que o próprio enraizou ao redor de si mesmo, por conseguinte, não leve para o lado pessoal.
Juro que tentava, mas não conseguia enxergar o que tanto Eleonora e Avigayil viam em mim. Anton e eu éramos uma combinação tão péssima, que nem mesmo o tempo parecia ser capaz de reparar. E se eu fora feita para ele, como ela havia me dito, era muito provável que Aine errara na fórmula em algum momento da minha criação.
Inspirei todo o ar que consegui, e o soltei lentamente.
― Não sei o que fazer ― confessei elevando as mãos. ― Não sei como me controlar e não sei como quebrar aquela armadura de aço e gelo.
Avigayil soltou outra risada parecendo adorar toda aquela situação que não tinha a mínima maldita graça.
― Calor ― falou ela após se controlar do riso prévio. Não entendi, e a cara que fiz lhe rendeu um sorriso transigente. ― O calor derrete gelo e aço. ― Mais essa, ela só podia estar brincando comigo. Por que eu nunca entendia onde ela queria chegar? ― Concentre-se em ser você mesma, com toda a sua gentileza, generosidade e apreço. Abra os seus braços e o receba assim, com calor, sem preconceitos, sem deliberações. Tente entendê-lo para descartar as contrariedades provenientes das situações que sobrevierem, e mantenha os afãs dos seus anseios no grande propósito da vida de vocês, que é a superação, o aperfeiçoamento e o amor.
Avigayil só se esquecera de um detalhe, eu já não tinha mais certeza se ainda era essa pessoa. E quanto ao amor, não sabia mais o que pensar, e ousaria dizer que já nem acreditava mais neste sentimento, pois o próximo que consegui sentir de um amor que não fosse fraternal, fora pelo desconhecido que visitava os meus sonhos. Se era loucura ou desespero de uma criança, não fazia diferença naquele momento, só se ele realmente fosse o Anton...
Voltei-me para a bruxa ao meu lado.
― Avigayil, você acha possível eu ter tido sonhos com o Anton, antes de conhecê-lo?
― Oh, você teve sonhos com ele? ― inquiriu ela parecendo interessada.
― Não tenho certeza. Sempre houve alguém neles, um homem, mas nunca consegui ver seu rosto.
― Hum... ― Ela cruzou os braços, o indicador passou a bater sobre os lábios enquanto se aprofundava em seus próprios pensamentos. ― Nossos sonhos pertencem à duas classes. A primeira se baseia na essência do ser, é o mais natural. Nele revelam-se questões da vida cotidiana, anseios, preocupações, e estas se ajustam com a percepção de fatos que ocorre ao longo do dia. Logo, a segunda classe baseia-se nos sonhos sobrenaturais da vida. Nele apresentam-se situações absurdas, imprevistas e que não apontam nenhuma conexão com a vida do indivíduo, e é este o motivo que fazem alguns o reputarem como divinos, reveladores, um ensejo metafórico e moral idealizado pelo espírito do ser.
― Bem, nenhum deles tinham algo a ver com a minha vida cotidiana, então...
― Conte-me sobre eles, ou permita que eu os veja ― pediu ela estendendo a mão para mim.
Levantei a minha mão para ir de encontro à dela, mas parei no meio do caminho ao perceber o quanto aquilo poderia ser estranho, constrangedor ou até mesmo perigoso. Eu não tinha a menor ideia do quanto ou o que ela poderia ver, e eu não queria ter a minha vida vasculhada dessa forma.
O olhar que Avigayil me lançou mostrou que ela sabia do meu conflito interno.
― Verei apenas aquilo que quiser me mostrar, minha linda. Não há motivos para receios.
Certo, ela veria apenas os sonhos. Segurei a sua mão e forcei a minha mente a lembrar de cada um deles, e o incrível era que as lembranças pareciam mais vívidas e nítidas, com detalhes que eu até havia me esquecido. No entanto, ao final do último deles, de modo involuntário, meus pensamentos excederam para a noite anterior quando encontrei o Anton na escada. Repentinamente soltei a mão dela, já sentindo a vergonha tomar conta de cada célula do meu corpo.
― Agora compreendo a razão da sua dúvida ― falou ela com um sorriso bobo nos lábios que se estendia até os olhos. ― Percebe o quanto o destino é maravilhoso? Ele tentou avisá-la sobre o que a esperava durante toda a sua vida.
Droga.
No fundo, bem lá no fundo, eu sabia que era ele.
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