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C A P Í T U L O 50

Entreabrindo feridas

          Balancei a cabeça numa recusa veemente, só de ouvir aquilo senti o meu peito latejar e aquele mal-estar ameaçar voltar com tudo. Não era possível que estávamos seguindo para essa direção de novo, eu não queria brigar! Deixei os ombros caírem junto da minha cabeça, meus olhos umedecendo. Mais uma vez estava eu na frente dele, entregando aquelas malditas emoções que não conseguia mais esconder ou ignorar.

          ― Não quero isso, eu só... só queria que... ― solucei, minhas cordas vocais arranhando e engolfando ar pelo caminho enquanto eu me forçava a continuar ― que pudéssemos ter uma boa convivência... queria que você compreendesse e tentasse... 

          ― Hoje você viu que não fiz absolutamente nada até pouco antes do seu pai tentar me atacar, portanto, não pode dizer que não tentei.

          De certa forma, ele estava certo. Anton havia demorado para se se manifestar, ao passo que meu pai despejava toda a sua fúria nele, mas depois ele não havia perdido a oportunidade de provocá-lo, e ao final, os dois estavam errados, mas nenhum iria admitir.

          Enxugando minhas bochechas, ergui a cabeça e fitei-lhe os olhos. Aquelas pupilas impenetráveis varreram as minhas de uma a outra, como se me cavassem por dentro, como se vissem toda a tristeza que eu guardava no meu coração, e assim permearam até que outro de seus suspiros viera ruidosamente. 

          ― Tudo bem, se faz tanta questão posso tentar de novo ― disse por fim, e levei alguns segundos devaneando sob os efeitos de suas palavras.

          Ele tentaria mesmo? Por mim?

          ― Mesmo, mesmo?

          Pisquei algumas vezes para livrar meus cílios das gotículas excedentes, imaginando que agora os meus olhos estariam brilhantes e cheios de esperanças vendo-o elevar os ombros e um sorriso inclinado desenhar seus lábios. Não levei nem dois segundos para pular nele e alcançar a sua boca, agradecendo-o e distribuindo uma sequência de beijos nela.

          ― Não agradeça ainda, fada. Saiba que vou cobrar por esse árduo esforço mais tarde ― advertiu ele em tom acintoso, e eu me permiti rir e esquecer por alguns segundos do enorme problema chamado Ava e Petre que me aguardavam na sala.

          No entanto, por hora eu estava feliz em ter conseguido dar mais um passo na direção certa com ele, e dado o nível de dificuldade e excentricidades dos envolvidos, esse já era mais que meio caminho percorrido. Eu teria de ter cuidado para tratar o assunto com Petre, por não querer machucá-lo, mas o meu pai sempre respeitava as minhas decisões, mais até do que Ava.

          Anton e eu seguimos para o banheiro, escovei os dentes e tomamos banho juntos, um banho rápido, que não envolveu mais do que alguns beijos. Ele voltaria para o escritório e almoçaria por lá, então eu teria um pouco de privacidade com os meus pais, e até mesmo poderia convidá-los para almoçar comigo sem que houvesse risco de uma nova discussão. 

          Saíamos do banheiro enrolados na toalha no exato instante em que batidas na porta ecoavam. A energia do Anton como sempre ofuscava tudo, e eu não pude sentir quem poderia estar do outro lado. A possibilidade de ser Ava fizera com que eu paralisasse no lugar ficando as unhas no tecido felpudo, vendo-o caminhar até porta e desejando gritar para que parasse, mas sendo impedida pela minha garganta repentinamente fechada.

          A porta foi aberta e o imponente corpo do meu marido, com suas costas nuas e seu lindo traseiro enrolado na toalha branca, cobriram praticamente todo o vão, não me permitindo ver quem estava lá pelos longos segundos que se seguiram em completa mudez.

          ― A... a Liz... ― disseram finalmente, e eu respirei aliviada ao concluir que era a voz da Sophi.

          Anton abriu passagem e aqueles faróis verdes fizeram uma rápida varredura pelo quarto até me encontrarem. Pedi que entrasse e assim que ela o fez, tendo a certeza de que Anton ficara para trás, estatelou os olhos e gesticulou um "Puta que pariu". Eu apenas segurei o riso relanceando uma olhadela para o meu lindo marido que já saía do quarto deixando-nos a sós.

          Olhando uma última vez para a porta fechada, Sophi deixou o queixo cair propositalmente, e se jogou na cama de barriga para cima e braços abertos, olhando para o teto e dramatizando um estado catatônico de negação. 

          ― Ainda estou processando tudo o que eu vi ali, mas não está dando, é demais pra crer. ― Um sorriso me veio sorrateiro, eu não podia culpá-la pelo exagero, nem eu mesmo às vezes acreditava que aquele ser era real. Num ímpeto, ela se colocou de joelhos sobre o colchão e me lançou o seu melhor olhar acusatório. ― Sua safada traidora! ― afrontou pegando uma das almofadas e a jogando em mim. ― Quando pretendia me contar? Aliás, isso vem acontecendo desde quando?

          ― Por Aine, Sophi, não começa, até parece que você não suspeitava ― falei entrando no closet e ignorando o drama dela, mas a verdade era que eu estava em falta com a minha amiga.

          Eu não a via desde o final de semana que voltara de Aiden, o que havia sido um encontro tranquilo, resumido a um almoço de domingo em um restaurante com a presença dos meus pais. Detalhe este, que não me permitiu fazer confissões a ela sobre meus avanços com o Anton, e apesar da sua insistência em saber, evitei o assunto ao telefone esperando até que nos encontrássemos pessoalmente. Se pelo menos eu pudesse ter previsto que ela descobriria naquelas circunstâncias lamentáveis, teria contado antes.

          Joguei a toalha no pufe e vesti uma calcinha e um sutiã.

          ― Sim, depois da última conversa que tivemos, eu suspeitava ― admitiu ela aparecendo na porta com um sorriso malicioso. ― Mas sinceramente, nunca imaginei que já tinham ido tão longe. Que cena foi aquela, minha amiga! Que cena!

          ― Cala boca, Sophi! ― bradei cobrindo o rosto com as mãos e deixando-me cair sentada no pufe, choramingando. ― Por que vocês não me avisaram que viriam? Petre e Ava não podiam me ver daquele jeito, não podiam! Céus, até o Luc viu!

          ― Ei, calma! ― Sentando-se ao meu lado, ela me puxou passando os braços à minha volta. ― Sei que devíamos ter te avisado, mas a intenção da sua mãe era fazer uma surpresa porque, assim como eu, ela também te achou tristinha quando conversaram pelo telefone. A ideia dela era te deixar feliz convidando o Lucca e eu para virmos aqui te buscar para almoçarmos juntos.

          ― Mesmo que a intenção fosse boa, isso não podia ter acontecido. Agora o que eles devem estar pensando de mim? ― funguei desconsolada e Sophi segurou o meu queixo fazendo-me olhar para ela.

          ― Não fica assim, nós te conhecemos e ninguém está pensando nada de você. Vocês estão na casa de vocês, são casados, e não devem nada a ninguém. Além do mais, sexo é um ato completamente natural, saudável e faz parte dos nossos instintos. Todos fazem, os seus pais fazem, o Luc e eu fazemos ― sacudi a cabeça, porque esses últimos detalhes eram dispensáveis ―, e você não deve sentir vergonha por ser uma pessoa normal e cheia de desejos como qualquer outra. 

          Acontece que eu não tinha certeza se era como qualquer outra pessoa. O desejo que Anton e eu compartilhávamos beirava ao desespero e transcendia tudo o que eu já ouvira as pessoas falarem sobre o ato em si. Faltava-me o conhecimento adequado para definir aquela conexão, mas o que fazíamos era mais do que apenas sexo, disso eu tinha plena convicção.

          ― Mesmo se a gente fizer isso o tempo todo? ― indaguei séria, a voz se arrastando baixa tal qual a preocupação me subjugava. Sophi continuou me encarando e até tentou manter uma expressão impassível, mas o seu riso veio rascante antes que ela levasse a mão à boca e então jogasse a cabeça para trás numa gargalhada estrondosa. ― Você é uma péssima amiga, sabia?! ― a acusei me levantando.

          Caminhei até as gavetas e peguei o primeiro short e blusa que encontrei.

          ― Desculpa, minha amiga, mas é que esperei tanto por isso que... Cara, estou tão feliz por você! ― Vesti a minha roupa e a olhei de lado fingindo aborrecimento. Eu mais do que ninguém reconhecia a sua sinceridade, foram tantos anos de conversas procurando me fazer sentir bem com a minha sexualidade. ― Vocês estão em lua de mel, então não se preocupe, porque esse fogo é mais que normal.

          Aproximei-me dela e a puxei para um abraço afetuoso. "Obrigada" era só o que eu podia dizer. Nos amávamos, nos entendíamos com franqueza, e mais uma vez ela estava ali demonstrando a sua lealdade, tentando me fazer sentir melhor, me apoiando, me ajudando a manter a calma e a colocar a cabeça no lugar. Havia tantas coisas para desabafar com ela, mas aquele não era o momento certo.

          ― Agora me diz, ele foi legal com você na primeira vez? ― quis saber ela, e eu me afastei com um levantar de ombros.

          ― Mais legal do que eu poderia esperar dele ― admiti. ― Doeu, não vou mentir, mas eu o queria tanto, e ele tornou tudo tão intenso que esse detalhe se perdeu e...

          Calei-me ao ouvir batidas na porta, e desta vez consegui sentir a energia de fada. Segui até lá e abri passagem para Ava com seu sorriso retraído e o corpo, coberto por um de seus elegantes vestidos de grife, ainda mais tenso do que o habitual. A calma que nos segundos anteriores acreditei ter adquirido, começou a desaparecer ao notar a força com que ela segurava a bolsa contra o corpo, e o seu desconforto em não saber para onde olhar.

          ― Nós... nós já estávamos descendo ― falei sem jeito quando seu olhar, muito breve, recaiu sobre mim.

          ― Desculpe-me se não era para ter subido...

          ― Não, não é isso, mãe ― me apressei em dizer sentindo o metal da maçaneta se enterrar na palma da minha mão sob o furor com que eu a segurava. Sendo ou não a sua intenção, o vitimismo de Ava havia conseguido me deixar um pouco pior. ― É que Sophi e eu estávamos conversando, e eu não queria ter deixado vocês esperando mais do que o necessário.

          ― Não se preocupe, o seu pai não estava muito bem e Luc o levou para dar uma espairecida longe daqui. ― E as coisas seguiam piorando. Forcei-me a engolir a saliva engasgada ruminando em minha mente um único desejo, Aine, por favor me ajuda. A vontade de sumir manifestou-se de novo, e eu inalei algumas inspirações ao fechar a porta e me virar para a minha mãe. ― Eles virão nos buscar daqui a alguns minutos.

          ― Sinto muito, eu não queria que as coisas tivessem acontecido assim. ― Aninhei os braços ao redor do meu corpo, o olhar vagando sem rumo certo entre Sophi parada perto da cama e Ava próxima ao aparador.

          ― Liz, filha, estou muito preocupada ― começou ela, a sua bolsa havia sido colocada sobre o móvel e eu a tinha virada para mim, seus traços delicados contorcidos por um pesar misto à aflição. ― O que está acontecendo entre você e aquele vampiro?

          "Aquele vampiro", ouvi-la se referir a ele com tanto desdém me incomodou. Aquele vampiro tinha nome e era o meu marido, só preferi não falar nada para não agravar as circunstâncias antes da hora. Eu teria de dar um passo de cada vez e aos poucos ir estabelecendo demarcações mútuas de respeito entre eles.

          ― Melhor eu sair e deixar vocês conversarem ― disse Sophi já se dirigindo à porta.

          ― Não, fica ― pedi segurando seu braço e lhe lançando um olhar súplice.

          Aquele era um momento vulnerável demais e eu precisava de todo suporte que ela sempre me oferecia. Sophi apoiou a sua mão sobre a minha, o seu carinho e proteção sendo transmitidos através do gesto. Coragem, não há como fugir disso. Puxei o ar mais uma vez e olhei para Ava.

          ― Nós... nós estamos ficando juntos, como... como um casal normal. ― A minha voz quase não saiu e foi sumindo à medida que eu presenciava Ava começar a tremer o queixo, e as suas mãos lhe pousarem na boca do estômago enquanto se arrastava até se sentar no récamier.

          ― Não, eu não posso acreditar ― refutou movendo a cabeça em contrariedade.

          ― Mãe, o Anton não é tão ruim quanto vocês pensam, bom, pelo menos não comigo. ― Ava continuava balançando a cabeça, as íris cor céu em total desfoque expondo exasperação e inconformismo. ― Estamos nos dando bem, ele me respeita, é cuidadoso comigo e...

          ― Não! ― protestou levantando-se, as mãos trêmulas se embrenhando entre os fios loiros impecáveis. ― Você não pode fazer isso, não está pensando direito!

          Se antes eu acreditava que seria difícil lidar com a situação, aquele era o momento em que eu concluía que ia ser muito, muito mais do que havia pensado. Encostei-me no aparador buscando forças em uma porção de ar para o cansaço que havia se acumulado e que agora tornava árduo até pensar nas palavras certas a serem ditas.

          ― Entendo que a senhora está preocupada, mas por favor, acredite em mim quando digo que está tudo bem, mãe. Somos adultos, casados, gosto de estar com ele e quero isso, quero muito isso.

          ― Por Aine, Liz, ele é um vampiro! Um vampiro! ― Ava esbravejava alto, tremendo e andando de um lado a outro, inconsolável. ― Um ser cruel, perturbado, que já viveu mais de três mil anos! ― Eu estava tentando, juro que estava, porque era compreensível o receio e as desconfianças dela em relação ao Anton e eu até podia relevar, mas não havia nada que pudesse dizer que me faria desistir dele. Eu só queria que ela aceitasse a minha decisão mesmo que não concordasse ou compreendesse. ― Já parou para pensar que você perto dele é praticamente um bebê recém-nascido?

          Deuses, ela havia pegado pesado.

          Eu podia não ter a experiência e idade do Anton, mas era uma fada adulta e já tinha vivido o suficiente para ter consciência das minhas escolhas. Eu não era um bebê, muito menos aquela garotinha de doze anos e não era justo comigo, por tudo que eu já havia passado, ela fazer essa comparação. Doeu, doeu mais do que eu permitia quando as lembranças vinham à tona, mas me forcei a ignorar o golpe sobre a ferida cicatrizada.

          ― Mãe...

          ― Não, você é ingênua demais e precisa me ouvir! ― cortou-me em agonia parando e dirigindo-me um olhar severo tal como nunca tinha sido direcionado a mim. ― Já parou para pensar na quantidade de mulheres que ele já teve? Acha que só porque estão casados será a única mulher em sua vida? Você acredita mesmo que algum dia ele irá te amar? Monstros como ele não amam, Liz, eles não sentem nada! Nada!

          ― Chega ― pedi sacudindo a cabeça, os nervos na minha face repuxando e se voltando contra mim conforme eu tentava reprimir o formigamento em meus olhos.

          ― Você sabe que estou falando a verdade, ele vai te fazer sofrer! ― Ainda em negação caminhei até a porta da sacada não vendo nada além de formas turvas e imprecisas, o corpo frágil e trépido como um papel em uma ventania. ― Está mais do que claro que ele está te usando, filha. Você precisa...

          ― Eu disse chega! ― gritei voltando-me para ela, as lágrimas escorrendo em um fluxo contínuo, o abismo emocional se abrindo e me tragando para ele. ― Eu não quero saber e não me interessa o que você acha ou deixa de achar! Você perdeu o direito de opinar na minha vida quando me abandonou na casa da minha avó a oito anos atrás!

          Eu a havia acertado, a havia golpeado com força em seu ponto fraco. O nosso passado ainda estava enraizado em Ava como uma úlcera aberta e talvez se eu tivesse sorte, a dor que seus olhos instantaneamente lacrimosos passaram a refletir seria tão intensa quanto a que as suas palavras me causaram.

          ― Gente, respirem, não precisamos ir por esse lado ― manifestou-se Sophi.

          Não só precisávamos como também não havia nenhum outro caminho para seguir. Não eram oito horas ou oito dias, eram oito malditos anos com tudo aquilo enterrado e mascarado dentro de mim, me deteriorando, me submetendo ao conformismo, fazendo-me viver submissa a falsas expressões, a mentiras, tudo para não agravar uma relação fragilizada pela mágoa.

          ― Você quer a verdade, Ava. Essa é a verdade. Quando eu mais precisava de uma mãe ao meu lado, você preferiu delegar essa função à minha avó, agora não me venha querer se intrometer na minha vida como se fosse a mãe do ano.

          ― Filha ― Ava tentou se aproximar, mas dei um passo para trás e ela se deteve. ―, eu nunca te abandonei, nunca! Tudo o que seu pai e eu fizemos foi pensando no seu bem-estar. Nós só queríamos mantê-la longe daquela casa até nos mudarmos, até lidarmos com a justiça, e quando tentamos trazê-la de volta, você não quis voltar e apenas respeitamos a sua vontade.

          ― Um ano. Só depois de um ano que vocês tentaram me trazer de volta! Eu era só uma criança que queria estar com os pais, que precisava do amor e do carinho de vocês em um momento tão difícil, e não que me abandonassem porque não conseguiam olhar para mim sem sentir remorso e pena! ― Limpei os olhos de qualquer jeito, obrigando o choro retido a voltar para o lugar de onde viera. ― Quando eu mais precisei do seu abraço, eu não tive. ― Ava deu outro passo à frente e eu recusei erguendo a mão para que parasse. Agora as lágrimas transbordavam sobre a face abalada, como se todas as lembranças passassem pela sua mente naquele exato instante. ― Durante esse primeiro ano eu acordava todas as noites com pesadelo e era reconfortada pela minha avó, mas tudo que eu queria, tudo o que eu realmente precisava, era de você.

          ― Filha... ― balbuciou fracamente, a melancolia roubando-lhe o som doce da voz e levando-a a se encolher.

          ― Eu só queria sentir que ainda era digna do seu amor, mãe. Eu só precisava saber, saber de verdade, que você não sentia o mesmo nojo que eu sentia por mim. Eu só queria olhar para você e não ser o motivo da sua dor ou da sua pena.

          Ava levou a mão aos olhos se entregando de vez ao pranto, e eu devia me sentir melhor ao vê-la tão arrasada quanto eu me sentia, mas tudo que consegui foi que as minhas lágrimas retornassem ainda espessas entre soluços tão perversos que deixavam um gosto ácido na minha boca.

          Eu não conseguia mais, não conseguia lidar com aquilo.

          Era um caminho pelo qual sempre evitei seguir por ter consciência de que não havia superado totalmente o meu passado em relação a Petre e Ava, mas aquelas coisas horríveis que ela tinha despejado contra mim desatara muita raiva e ressentimento, agora tudo tinha sido revirado e estava ali, à superfície, e não iria desaparecer tão cedo.

           ― Não quero mais falar sobre isso, vai embora, mãe ― pedi dirigindo-me ao banheiro.

           Ignorando o olhar apiedado de Sophi, fechei a porta e segui até o vaso. Após fechar a sua tampa, me sentei abraçada às pernas ouvindo ao longe a voz da minha amiga, a qual soava tão baixa que não era possível compreendê-la. Muito breve veio a quietude, e então os sons de saltos que ao invés de se distanciarem, pareciam mais próximos.

            ― Eu vou embora, mas antes quero que saiba que você nunca foi o motivo da minha dor, você era o motivo da minha luta. A dor que eu sentia vinha da raiva, da impotência diante do que aconteceu, do arrependimento, da culpa. ― Ava fez uma pausa e eu apertei ainda mais forte as minhas pernas sentindo aquela pressão no peito intensificar meu choro. ― Eu acreditava que você me culpava por nunca estar em casa, por não estar com você naquele dia, assim como eu mesma me culpei por não ter abandonado tudo e ter me dedicado exclusivamente a você, e não há um dia sequer em que não me arrependa e não me odeie por isso.

           Eu nunca a culpei, nunca culpei nenhum deles. Não por isso. Palavras queriam sair, mas ficaram presas naquela dor crescente, e eu me mantive em silêncio apenas ouvindo a sua respiração carregada em meio os parcos soluços que lhe embargavam a voz.

           ― Eu não sabia que você se sentia assim, filha, eu não sabia, e juro que se soubesse jamais teria saído do seu lado, jamais. Sei que falhei como mãe, falhei em protegê-la, falhei em acreditar que você estaria melhor com a sua avó. ― Outra vez ela se calou lutando contra o choro. ― Que Aine me perdoe, porque falhei com a pessoa mais importante da minha vida, duas vezes, pois também falhei ao deixá-la se casar com aquele mons...

          ― Vai embora, Ava! ― a interrompi com um grito, a frustração exposta nas entrelinhas da minha voz.

           Eu não queria ouvir sobre o quanto havíamos sofrido juntos e ao mesmo tempo sozinhos, não queria ouvir sobre o mal julgamento e as más interpretações que foram feitas e que só agravara um momento tão infeliz. Eu não me importava mais com o passado, eu só queria o seu apoio agora, só desejava que não me abandonasse outra vez.

           ― Sra. Aileen, acho melhor irmos, eu realmente gostaria de conversar com a senhora ― pediu Sophi, a sua voz ecoando próximo à porta.

           "A mamãe te ama, eu sempre estarei aqui por você, meu amor" Ava sussurrou, antes que os ruídos dos seus saltos voltassem a refletir. Cada um deles calcando o meu coração, se distanciando, o reduzindo a um nodo até o fechar da porta, enquanto eu escorregava até o chão e me encolhia deixando a angústia me levar através das lágrimas.

          "...eu nunca te abandonei, nunca!"

          ― Já faz uma semana, Petre, não quero levá-la de volta para casa, para perto de qualquer um daqueles desgraçados, e também não quero deixar a minha filha nesta clínica. Este lugar não é para ela!

          O quarto estava escuro, mas o dia estava claro lá fora. Uma borboleta pequena de asas amarelinhas pousou sobre o vidro da janela. Eu pisquei algumas vezes, minhas pálpebras pesavam, mas consegui ver as suas patinhas minúsculas rastejando lentamente. Ela me encarava e eu a encarava, nós duas respirávamos e estávamos sobrevivendo. Eu me sentia tão cansada, um pouco tonta, mas não queria deixá-la ir embora.

          "Não vá, por favor", eu queria dizer, mas a minha voz não saía. Talvez seja por isso que ela voou, voou para o jardim, para onde aquelas pessoas vestidas com uma camisola igual a minha, andavam de um lado a outro parecendo confusas. Pisquei mais uma vez, longamente. A moça de branco disse que eu devia tentar descansar, mas eu não queria. Eu tinha medo, medo de ter outro pesadelo e não conseguir mais acordar.

          O barulho dos sapatos pontudos voltou a se aproximar, e eu pude sentir o melhor cheiro do mundo, lírios e jasmim. Mamãe me beijou a testa e sentou-se na cadeira próxima à minha poltrona. Os seus dedos tocaram a minha face afastando meu cabelo dos olhos, mas eu não queria que ela os encarasse, assim como eu não tinha coragem de encarar os dela. Eu tinha medo, medo de que visse em meus olhos que havia sido minha culpa, medo de que percebesse que agora eu estava tão suja que não mais poderia ser a sua bebê.

          ― Meu amor ― mamãe segurou a minha mão entre as suas ―, o papai e a mamãe vamos levá-la para passar alguns dias na casa da vovó Ise. Apenas alguns dias, só até encontrar outra casa maior e mais bonita para morarmos...

          ― Liz? ― Fixei meus olhos em Sophi à porta do banheiro me olhando com o semblante cerrado de preocupação. ― Ah, minha amiga.

          Em um segundo ela veio até mim, se ajoelhou ao meu lado e me abraçou. Não era possível dizer quanto tempo havia passado, mas os meus olhos ainda se derramavam continuamente sob as pálpebras inchadas e pesadas, minha cabeça latejava em uma constante e eu permanecia no chão, abraçada às pernas balançando sutilmente, tentando enterrar as palavras de Ava no canto mais escondido da minha cabeça.

          ― Você não me ouviu bater na porta? ― Neguei, eu não tinha ouvido nada. ― Está tudo bem, apenas converse comigo ― disse ela passando a mão pelo meu cabelo e eu deixei que o silêncio se alongasse, pensando, tentando colocar as ideias no lugar. ― Em uma escala de zero a dez, quanto foi difícil trazer essas lembranças de volta?

          ― O problema não são as lembranças, Sophi. ― E não era. Há muito eu havia aprendido a lidar com elas por entender que eram algo que eu carregaria para o resto da minha vida. ― O que mais dói são todas aquelas coisas sobre o Anton que Ava jogou na minha cara enquanto eu só esperava que ela tentasse entender a minha escolha e que ficasse do meu lado.

          Sophi exalou devagar, e eu soube que ela estava buscando algo reconfortante para falar.

          ― Eu compreendo o que você quer dizer. A preocupação fez com que a sua mãe perdesse completamente a razão, mas tente relevar isso porque na mente dela, uma mente cheia de culpa e remorsos, ela só quer te proteger.

          Não importava se a sua intenção era me proteger ou se tudo o que ela fazia era buscando o melhor para mim, Ava tinha sido cruel e baixa. "Acha que só porque estão casados será a única mulher em sua vida? Você acredita mesmo que algum dia ele irá te amar? Monstros como ele não amam, Liz, eles não sentem nada! Nada!"

          ― Você acha que ela tem razão, Sophi? ― Ela me soltou, fitando-me incerta sob o cenho franzido. ― Acha que o Anton nunca vai ser capaz de sentir nada por mim?

          Deixando a cabeça pender para o lado e estendendo um sorriso doce, Sophi levou a mão ao meu rosto e retirou algumas mechas de cabelo grudadas em minha face.

          ― Minha amiga, não o conheço o suficiente para afirmar nada, mas vou dizer o que eu acho. Eu te acho tão maravilhosa, que sei que poderia facilmente fazer qualquer um se apaixonar por você. Até mesmo um vampiro de três mil anos. ― Sophi se levantou e pegou um toalha para em seguida voltar e sentar-se sobre os calcanhares. ― Ouça, não estou falando isso para que crie expectativas. Não espere declarações de amor ou coisas do tipo, porque definitivamente o Anton não me parecesse ser desses. Não espere nada, mas observe tudo. Se realmente quer saber se ele sente algo por você, é só analisar o jeito como te trata. ― Passando gentilmente a toalha pelos meus olhos e bochechas, continuou: ― O segredo está em reparar nas ações dele, nos pequenos gestos; na sua capacidade de ser sincero, de te respeitar; em seu empenho e disponibilidade para te ajudar, para te fazer feliz. Porque isso sim, é o que vai revelar qualquer sentimento verdadeiro que ele possa ter.

          Ainda abraçada às minhas pernas, apoiei o queixo em meu joelho absorvendo e refletindo sobre o que Sophi acabava de dizer. Anton havia mudado tanto comigo, e eu não podia mais reclamar do modo como ele me tratava. Apesar das nossas naturezas antagônicas, nossos caminhos estavam se encontrando e se tornando um só de uma maneira tão adequada e próspera, que às vezes parecia ser fruto da minha imaginação. Uma fantasia que poderia acabar ao abrir os olhos, os mesmos que os meus sentimentos mantinham fortemente fechados para reter aquela felicidade o quanto pudesse, mas também com medo de estar no escuro cavando a minha própria cova.

          O problema era a insegurança que eu sempre tinha em relação à sua capacidade de sentir alguma coisa. E se para ele continuasse sendo apenas desejo? Daqueles que quando acabasse, ele não hesitaria em me dispensar e me destruir? Estávamos falando do Anton, daquela escuridão imprecisa e nebulosa que o tempo havia entorpecido. Estávamos falando de mim, alguém integralmente rendida que mesmo temendo os riscos, não conseguia mais desistir dele. 



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