C A P Í T U L O 45
Sentimentos que influem em segredo
Insaciáveis, impulsivos e exaltados.
Fora assim que Anton e eu nos portamos noite após noite daquela semana. Durante o dia eu era tragada pela realidade entre a minha rotina de faculdade e trabalho, enquanto à noite, eu retornava para casa, para ele e o nosso desejo em seus extremos, para um mundo só nosso, que transformava as nossas vidas na mais prazerosa fantasia.
Só bastava um olhar para nos atracarmos onde quer que estivéssemos. Anton me possuíra de tantas formas e em tantos lugares da nossa casa, vezes com apreço e cuidado em sua definição mais pura e terna, vezes com força e necessidade selvagem em sua degradação mais primitiva e voraz. Cada uma delas mais intensa que a anterior, cada uma delas abrindo um portal para algo mais profundo, mais intenso, irreversível. Para um caminho sem volta, para emoções violentas, sentimentos desconhecidos, para um futuro tão obscuro quanto aqueles abismos avermelhados que acabavam de se fechar.
Anton saiu de cima de mim e caiu deitado ao meu lado, de barriga para cima. Olhos fechados, o peito arfante que não levou nem cinco segundos para se normalizar, e o lindo perfil voltado para o teto sobressaindo-se aos primeiros raios de sol que entravam pela fenda da cortina. Com o corpo ainda trêmulo, ofegante e exausta, virei-me de bruços, abraçando o travesseiro sob a minha face, observando-o o quanto podia antes que ele percebesse.
O semblante plácido e a posição distendida não me revelavam quase nada. Sem os seus olhos para me guiar, não era possível nem imaginar o que poderia estar passando pela sua mente, ela poderia estar em branco, ou nublada demais para definir algum pensamento. Ao contrário de mim, que após o torpor do êxtase, sempre me encontrava com a cabeça ebulindo em confusão com todos os meus sentimentos, emoções e sensações à flor da pele, não sabendo reconhecer os limites de um, e o início do outro. No entanto, se existia definição para felicidade, aqueles momentos era uma delas.
Talvez eu estivesse me contentando com pouco, afinal, apesar de estarmos na mesma cama, ele sempre se mantinha distante quando acabávamos, ou talvez no que se referia ao Anton, estar na mesma cama já fosse muito. Até dormíamos juntos, mas nunca abraçados. Ele era sempre tão inalcançável, misterioso, e se tornava tão fechado e frio, completamente diferente do amante que encarnava quando tinha as mãos em mim.
A nossa relação estava se moldando em um paradoxo complexo e confuso, que fazia com que aquela troca intensa e real se transformasse num delírio em questão de segundos. Tão perto e tão longe nos definia. Eu não sabia o que esperar, e muito menos compreendia o que estava acontecendo entre nós, apenas... sentia, sentia e me entregava a ele todas as noites. Aceitei que este era um começo, um que eu deveria me contentar se essa fosse a única maneira de estar com ele. Agora por quanto tempo o meu coração estava preparado para lidar com essas condições, não era possível prever.
― Gosto tanto de te tocar, te beijar, mas... ― Calei-me assim que o som da minha voz foi assimilado pelo meu cérebro, e percebi que o pensamento saía pela minha boca deixando-me mais rígida que uma bola de metal, principalmente quando Anton abriu os olhos e virou o rosto para mim.
Por que eu sempre tinha que fazer isso!?
― Mas...? ― incentivou ele arrastando o olhar pelo meu rosto, visivelmente à procura de um indício de resposta, e eu bem sabia que não conseguiria escapar dessa inspeção. O máximo que eu poderia fazer seria tentar ser extensiva o quanto conseguisse.
― Mas não sei se você gosta quando eu faço, ou se gostaria... ― Anton buscou os meus olhos, a sua testa se franzindo sutilmente, fazendo-me perder a coragem para prosseguir.
― É sério que depois de tudo que já fizemos, você ainda tem dúvidas?
― Não estou falando desses momentos em que ficamos nus, estou falando dos toques e beijos em outros momentos... ― Maldição, por que eu nunca conseguia manter a minha boca fechada?!
― Outros momentos? ― Ótimo, agora ele me olhava como se eu estivesse falando outra língua e eu não sabia onde enfiar a minha cara tamanha era a vergonha.
― Deixa pra lá, foi só um pensamento bobo ― finalizei evitando-lhe o olhar e implorando em minha consciência para que ele esquecesse o assunto antes que os danos daquela conversa se tornassem inevitáveis.
― Quero entendê-lo, tente explicar. ― Claro que ele não deixaria para lá, em algum momento realmente acreditei nisso?
Inalei profundo e exalei devagar, buscando ganhar algum tempo antes de voltar a encará-lo.
― Eu...
Como eu me explicaria sem parecer uma dependente emocional? Eu nunca havia sido assim, nunca sentira esse desejo intenso, essa necessidade dolorosa de estar com alguém, e não estava preparada para desnudar o meu coração expondo algo que nem eu entendia. Mas não havia como anular aquilo que eu estava sentindo, havia? Se eu quisesse ser sincera comigo mesma, admitiria que não adiantava fugir da verdade.
― É que eu gostaria de te beijar e te tocar quando sentisse vontade, sem ser necessariamente em nossos momentos íntimos, mas imagino que você não gostaria desses gestos sem propósito.
Um silêncio desconfortável interveio por um tempo, no qual Anton nem ao menos tentou dizer alguma coisa, nem mesmo para confirmar a minha sugestão. O que eu temia acabava de acontecer. Em seu semblante e em seus olhos levemente escurecidos, um nada que me aterrorizou, e me levou a tentar amenizar a situação.
― Não estou dizendo para dormirmos abraçados ou que precisamos ficar grudados após... Não é isso... ― Meneei a cabeça virando-me para o outro lado, porque cada linha do meu rosto havia se enrijecido e pouco disfarçaria a minha decepção. ― Esqueça isso, como eu disse, foi só um pensamento alto e idiota. ― Cobri-me com o edredom e desliguei o abajur ao meu lado, mas infelizmente a branda claridade do alvorecer era mais que suficiente para que, mesmo de costas, eu o sentisse me observar. ― Boa noite, Anton.
Era início da manhã de sábado e o correto seria bom dia, mas não tentei corrigir. Outra vez o silêncio abafou o ar, opressivo, tormentoso, contraindo meu estômago à cada segundo angustiante que se passava. Por mais exausta que eu estivesse, não ia ser fácil dormir depois daquela conversa embaraçosa e infeliz.
― Você gostaria desses gestos agora, é isso? ― questionou ele, e apesar de soar mecânico e desprovido de emoção, me pegou desprevenida.
Pensei por alguns instantes, eu poderia mentir dizendo que não, mas seria uma tola se achasse que ele acreditaria em mim. Anton era astucioso e já me tinha como uma mentirosa, se chegou a fazer aquela pergunta, era porque havia entendido o que eu queria. Talvez não exatamente as minhas razões, por se tratar de um plexo de sentimentos que ele era incapaz de sentir.
Mas a verdade estava lá, inegável, e foi quase toda entregue pelo meu subconsciente na necessidade incontrolável de derreter aquela camada de gelo que sempre se formava na distância dos nossos corpos. Eu o queria acessível, queria tocá-lo sem reservas, queria poder dormir em seus braços, mas e se ele não quisesse, e se fosse... demais?
― Você... você gostaria? ― perguntei ainda de costas para ele, os olhos bem abertos e o meu corpo inteiramente estático sentindo a tensão do momento.
― Não sei. ― Sempre sincero, sempre direto. Pelo menos a sua resposta foi melhor que uma rejeição enfática, mas não impediu do meu peito de se contrair. ― Eu seria incoerente se formasse uma opinião sobre algo que nunca me dei ao trabalho de explorar, mas sim, podemos tentar.
Podemos tentar!? Virei-me para ele, o coração vindo até a boca. A sua expressão havia sido suavizada por um brilho despretensioso nos olhos, o qual me confirmava que eu não havia ouvido errado. Podemos tentar. Essas duas palavras conseguiram me chocar mais do que todo o restante das informações contidas em sua frase.
Curiosamente, não me surpreendi com o fato de o Anton nunca ter explorado essas trocas de afeto, mas não pude deixar de me indagar se ele não fizera isso nem mesmo com as suas ex-esposas quando ainda era humano. Não, definitivamente não. Eu me recusava a imaginá-lo com elas. Agora ele era meu marido e estava disposto a experimentar esses momentos comigo.
Céus! Sim, ele estava, e isso soava como um delírio.
Anton permanecia na mesma posição, me observando com os braços dobrados para cima da cabeça e as mãos sob ela. Podemos tentar. Isso significava que eu possuía acesso livre, certo? Abrindo um sorriso acanhado, me arrastei para perto dele, consciente de que deveria manter minha atenção acima do limite da sua cintura. Não era hora de me desconcentrar e induzir algo mais que não mantivesse o momento em seu ato mais puro. Eu precisava que ele entendesse aquela troca e que se acostumasse com ela dessa forma.
Até parecia uma primeira vez, o meu coração batia ainda mais impetuoso, tão incontrolável quanto ao tremor da minha mão levada ao seu tórax. Um toque, o calor, e eu a deslizei subindo devagar, arrastando o ardor das emoções que eu não podia revelar; apreciando a consistência aveludada que cobria a rigidez dos músculos e guardando-a entre as minhas memórias mais especiais enquanto os meus olhos iam admirando com afeto cada movimento, cada traço do seu rosto, até serem tragados por aqueles abismos azuis.
Nos olhamos por um longo instante, longo demais, algo intenso e indecifrável pairando entre nós, me arrastando cada vez mais fundo para aquele lugar de sentimentos incompreensíveis, me prendendo entre a vontade de permanecer assim e a necessidade de respirar. Tão impreciso, mas tão certo, assim como tudo que nos envolvia.
Ao lhe alcançar a nuca, adentrei os meus dedos por entre os cabelos, afagando, admirando a textura sedosa, ainda submersa, ainda tentando inspirar e desvendar aquele olhar. Sentindo a aceleração do meu próprio sangue e perguntando-me o que ele via; se era capaz de enxergar as minhas emoções ou de distingui-las através do meu cheiro, dos movimentos do meu corpo.
Vagando em êxtase e pensamentos, inclinei-me sobre os seus lábios e, deixando as minhas pálpebras caírem, o beijei, silenciosa e calma. Mantive-me parada, mergulhando e mergulhando no mais profundo do meu ser, vivendo aquele segundo como se fosse um século, emergindo todas as singularidades que nos completavam, e apreciando aquela troca doce e terna em meio ao calor das nossas respirações.
Lenta e deliberada, movimentei os meus lábios me concentrando no contorno da sua boca, acariciando-a, e então a abrindo com a ponta da minha língua, adentrando-a e estremecendo quando ele começou a retribuir os meus gestos, provocando, recuando e avançando gentilmente.
Com uma certa resistência, abandonei a sua boca arrastando beijos calorosos e delicados, escorregando para baixo, alcançando-lhe a linha ressaltada do maxilar, a curvatura do pescoço, e me perdendo em sua essência. Aquela essência que era simplesmente... Anton; a ruína da minha razão, a dormência dos meus sentidos de uma maneira que demorei a perceber que já estava com a metade do meu corpo em cima dele. A minha coxa entre as suas roçando seu membro ereto, a minha mão ainda entre os seus cabelos e o meu nariz afundado em seu pescoço, sorvendo tudo e exalando forte à cada beijo longo.
― Gestos sem propósito, tem certeza, fada? ― Abafei uma risada em sua garganta sentindo-o descer os braços e me envolver entre eles. ― Saiba que o meu corpo está sentindo propósito em tudo o que você está fazendo.
― Desculpa, eu me empolguei. ― Me remexi junto a ele encaixando-me mais, acomodando minha cabeça em seu peito e encontrando conforto no ritmo calmo do seu coração. ― Posso dormir aqui, assim?
Anton deslizou a mão pelas minhas costas, dos meus ombros até os meus quadris, então subindo novamente e eu estava prestes a me desmanchar, a me desfazer enquanto me refugiava no calor dela, afagando os meus cabelos, a minha pele. Eu o entendia, era difícil manter o desejo longe quando nos tocávamos, eu já o sentia revolver dentro de mim e talvez pudéssemos...
― Durma, tempestade.
Eu sorri, porque tempestades sempre provocavam o caos.
Anton continuava a ser um enigma imponderável para mim, mas eu sentia, sentia bem lá no fundo que ele estava se entregando aos poucos, muito lentamente, mas o bastante para saber que aquele era o caminho certo, que eu estava conseguindo ultrapassar os altos muros que ele havia moldado ao redor de si mesmo, como Avigayil dissera.
"Ele é tão perfeito.", era tudo o que eu conseguia pensar enquanto o observava.
Anton levou o guardanapo de pano até à boca e após limpá-la, pegou a taça de vinho branco e sorveu o último gole. Agora, sem precisar dividir seus olhares com a comida em seu prato, aquelas íris de gelo se fixaram em mim, me roubando um batimento expresso e um sorriso tímido em reconhecimento ao meu descuido em fitá-lo tão descaradamente. E não demorou para que seus lábios se abrissem revelando uma pequena faixa dos dentes brancos, quando ele me retribuiu o gesto.
A sensação flutuante veio, como se pequenas asas batessem incansáveis em meu âmago, ventilando-me por dentro e expandindo em meu peito aquele calor. Aquele calor diferente que efervescia um monte de emoções simultâneas, o mesmo calor que tão pouco durou, porque naquele segundo o celular abandonado no canto da mesa alertara para uma nova mensagem, fazendo com que Anton desviasse os olhos para o aparelho. Ao pegá-lo, digitou algo e então voltou-se para mim com um semblante que não revelava nada.
― Vamos? ― perguntou guardando o celular no bolso do blazer.
Anuí, e em poucos minutos a conta havia sido paga e nós nos dirigíamos à saída do elegante bistrô francês, sob os olhares atentos e sorrisos carismáticos dos funcionários, todos vampiros, que pareciam nutrir um fascínio quase platônico pelo Anton. Eu não os julgava por isso, pelo contrário, era eu a mais atraída e suscetível ao magnetismo dele.
Corri os olhos uma última vez pelo espaço que deixávamos. Ele era bem pequeno, mas muito sofisticado e, em igual, caro. Ficava em um local um tanto escondido e inesperado, e talvez fosse por isso que se encontrava vazio desde quando havíamos chegado. Eu só me perguntava como Anton o havia descoberto, embora não fosse nenhuma surpresa, pois o meu excêntrico marido parecia ser adepto a esses lugares exóticos e abandonados.
O cheiro herbal e a iluminação amarela, foram substituídos pelo frescor inodoro do sereno e pela brumosa luz da lua. A rua sem saída estava vazia, silenciosa. Olhei para o imenso manto estrelado aberto sobre nós recebendo seu abraço enegrecido com admiração, e tão breve um sorrio me veio ao sentir o toque firme que me envolvera os quadris e à presença poderosa aninhando meu corpo ao seu.
Eu já diminuía os meus passos, disposta a parar para pular em seu pescoço e beijá-lo insanamente, quando aquela voz aveludada soprou em meu ouvido.
― Você irá para casa com Edgar e Gianni, preciso passar em um lugar.
Só então percebi que o carro do Anton havia ficado alguns passos para trás, e que seguíamos andando em direção ao SUV preto estacionado à frente. O que estava acontecendo? Parei voltando-me para ele, vendo-o espelhar o meu movimento como se já o esperasse. Não me interessava como eu iria para casa, me apeguei ao único detalhe que me deixou em alerta.
― Que lugar?
Anton me dirigiu um daqueles olhares displicentes, mas que não me abalou, porque eu queria, eu precisava saber.
― Na RedDoor, tenho uma reunião com meus oficiais ― respondera sem qualquer titubeação.
A sua franqueza fora tão inesperada, que apertei os dentes com força como se isso pudesse parar todas aquelas sensações que de repente eclodiram me sufocando enquanto meu peito se reduzia a um nó contraído. Se era raiva, indignação ou ciúme violento, não importava, pois não parei para analisar.
― Uma reunião em uma boate? ― insisti tentando manter o tom calmo. A minha perplexidade com aquela situação e com a sua sinceridade extrema ajudou um pouco. ― A mesma boate de onde você tira aquelas mulheres.
― Sim, uma reunião em uma boate, mas sem mulheres. ― Claro, e na minha testa devia estar escrito "estúpida". Como ele podia me dizer isso como se não fosse nada? Eu não o queria naquele lugar, não queria! Só de imaginá-lo lá... eu já podia sentir os meus músculos se retraindo e pequenos flashes me embaçando a visão. ― Não vou demorar, me espere no meu quarto.
Como ousava?! Tive vontade de gritar e de estapeá-lo com todo o meu ser!
Anton só podia estar brincando com a minha cara ou aquela situação era um maldito pesadelo que eu estava tendo acordada, pois eu não estava ouvindo aquilo, não estava. Mas a completa ausência de ironia me reafirmava a veracidade dos fatos, e eu soube que precisava sair dali antes que perdesse a minha dignidade e partisse para cima dele. Primeiro, porque não adiantaria nada, e segundo, porque eu não precisava de mais essa humilhação para me acabar de chorar durante o restante da noite. Isso aconteceria de qualquer maneira.
― Pode dispensar os seus seguranças, vou pegar um táxi.
Saí andando na direção oposta ao carro em que Edgar e Gianni estavam, passos pequenos conforme os meus saltos permitiam, mas determinados embora eu não tivesse a mínima ideia do que iria fazer ou aonde ir. Só falei a primeira coisa que me veio à mente como um protesto, porque eu não o deixaria pensar que podia fazer o que bem-quisesse, enquanto eu ficaria em casa esperando por ele igual a uma idiota.
― Eles não irão para casa sem você, fada.
― Não vou pra casa, Anton! ― esbravejei voltando-me num rompante para encará-lo, e talvez eu tenha me exaltado um pouco. Ele permanecia parado no mesmo lugar, imperturbável, as mãos nos bolsos e o olhar que, mesmo confuso, refletia a força da sua personalidade autoritária.
― Vou para o apartamento da Sophia, e pretendo passar a noite lá. ― Foi quase imperceptível, mas eu vi. O leve restringir dos olhos e o salto do músculo acima do maxilar, o denunciaram. Eu o havia atingido de alguma forma, e tal detalhe me instigou a testá-lo. ― Pode ser que eu até vá a alguma boate para uma reunião de "amigas".
O cinismo em minha voz não saíra muito incisivo tal como eu gostaria, por estar receosa demais quanto a sua reação, mas foi o suficiente para fazê-lo fechar a distância entre nós com o seu singular andar calculado e ameaçador. Quando ele iria se dar conta de que não podia me intimidar assim? Mentira, podia sim, mas eu morreria tentando não demonstrar.
Levantei o queixo e o fitei de baixo quando Anton se posicionou à minha frente, praticamente encostado. Longe do que eu havia imaginado, ele não parecia bravo ou pelo menos incomodado e isso realmente me deixou triste. O horizonte que repousava dentro daqueles olhos estava tão sereno quanto a noite caída sobre nós, quase terno.
Sem que eu esperasse, Anton embalou o meu maxilar com a mão e passou a trilhar o contorno do meu lábio inferior com o polegar. Deixei-me levar por um suspiro fraco, mas tive de lutar contra a vontade de fechar os olhos e me entregar àquele movimento sedutor e cheio de promessa. Eu estava enfurecida, estava chateada com ele e devia rejeitar aquele gesto, mas quem disse que eu conseguia?
― Isso tudo é ciúme, fada? ― Sua pergunta veio como um sussurro rouco, íntimo, o hálito morno alcançando a minha boca, os olhos lânguidos se revezando entre os meus e o seu dedo deslizando, abrindo-me os lábios. O braço livre havia me laçado a cintura e me pressionado contra ele. ― Hum?
Ciúme parecia muito pouco para definir a força daquilo que eu estava sentindo. Desespero, loucura talvez. Eu havia ficado cega, quase irracional. Percebi que era algo muito intenso para lidar e que ignorar e deixar passar em silêncio, me faria sofrer ainda mais. Eu precisava revelar os meus limites, mas sem me entregar demais e acabar por coagi-lo ao ponto de fazê-lo querer se afastar.
Balancei a cabeça e busquei o fundo dos seus olhos, fitando de um ao outro. Havia tantas emoções complexas em jogo, mas estava disposta a me arriscar. Eu seria sincera para descobrir a profundidade do que existia entre nós, mas principalmente se algum dia os meus sentimentos seriam reconhecidos e respeitados por ele.
― Não estou te cobrando e nem te pedindo nada, mas saiba que a partir do momento que você ficar com outras mulheres, você não irá mais encostar em mim ― afirmei com toda coragem e certeza que possuía, esquecendo-me até, por um segundo, da apreensão e medo que me engoliam por dentro.
Anton manteve-se imóvel me fitando fixamente e acredito que ele via a determinação queimar em meus olhos, porque pude sentir a súbita tensão dos seus músculos e um começo de surpresa que muito rápido foi controlado. Mas a tênue e indecifrável perturbação que surgira naquelas íris límpidas permaneceu lá, voltando a tornar perceptível as minhas aflições.
Tão logo senti o ritmo regular de sua respiração ser interrompido por um inalar lento e profundo, e então a mão que me moldava o maxilar, deslizar para a minha nuca e me segurar os cabelos como que para manter intacto o nosso contato visual.
― Eu disse, sem mulheres ― reiterou firme, tão convicto que desta vez acreditei.
Sim, eu havia acreditado, mas isso não mudava nada, porque eu continuava não querendo que ele fosse àquele lugar e tampouco queria voltar para casa sem ele. Eu bem sabia o quanto os meus pensamentos podiam ser traiçoeiros, assim que ficasse sozinha, toda a segurança que Anton me transmitia com suas palavras sempre incisivas e definitivas, se transformaria em dúvidas.
― Eu... eu acredito em você, mas... ― Então por que não me leva com você? Tive vontade de dizer, mas me calei antes que arriscasse demais, e para fugir da pergunta que estava se formando em seus lábios, lancei meus braços ao redor da sua nuca e o beijei.
Em um reflexo ágil, Anton enterrou ainda mais os dedos em meus cabelos, me recebendo e moldando nossas bocas com ânsia, e eu aproveitei para chegar até a sua língua e entrelaçá-la à minha. O sabor ácido do vinho estava presente em seu calor úmido, convidando-me a mordê-lo, sugá-lo, enquanto as minhas mãos iam lhe bagunçando os cabelos, agarrando-os, para ter mais daquela paixão que me trazia à vida.
Deixei que meu corpo reagisse instintivamente à impetuosidade abrasada da sua mão que deslizava pelas minhas costas nuas, apertando-me, descendo até à minha bunda e me pressionando contra a evocação palpável da sua excitação. Sempre pronto, sempre urgente, como se o passado e o futuro não existissem.
No peito, meus batimentos se alternavam entre agudos e erráticos, e o ar se tornava inalcançável à medida que o desejo ia se moldando sobre aquele labirinto confuso de emoções desordenadas e violentamente reprimidas. Eu... eu só não queria que ele me deixasse para ir àquele lugar...
Céus, o quão infantil e dependente eu estava sendo por isso? Eu tinha consciência, plena consciência do que ele estava fazendo comigo e da cova de carência em que eu estava me enfiando, mas não conseguia evitar. Quanto mais eu o tinha, mais eu precisava dele e nunca seria o bastante.
― Merda, fada ― Anton grunhiu exalando com força, afastando-se com certa relutância. ― Essa é a sua maneira de tentar me persuadir a não ir?
Será que era tão evidente assim? Sua cabeça havia sido inclinada para o lado, e agora ele me analisava com uma das sobrancelhas alçadas. Apertei os dentes no canto o lábio, olhando para os lados e ganhando tempo. Ele já sabia, então o melhor era ser sincera e tentar obter alguma vantagem, se o beijo não tivesse sido suficiente, talvez isso ajudasse. Elevei meu olhar em direção ao seu, e pisquei algumas vezes afeiçoando o meu melhor ar inocente.
― Funcionou? ― murmurei baixinho.
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