C A P Í T U L O 44
Libertando o desejo
Não houve mais nenhum som, nenhum mísero sussurro de movimento.
― Veio conferir se estou dormindo para tentar me matar? ― indaguei, a raiva mal contida presente na minha voz.
― Eu não precisaria que estivesse dormindo para isso. ― Era óbvio que não precisaria.
― Sai do meu quarto, Anton.
Eu ainda não tinha me mexido, e mal respirava, mas sentia vivamente aquela essência masculina que havia dominado o cômodo. O seu frescor me dizia que Anton provavelmente havia acabado de sair do banho. Será que ele estava só de cueca? E por que raios eu estava imaginando isso?! Urghhh! Fechei a mão em punho, odiando o modo como o meu corpo se agitou com o pensamento idiota.
― Hum... ainda está bravinha por não ter gozado?
Voltei-me para ele num rompante, sentando-me rápido. Não foi difícil para os meus olhos, já acostumados à penumbra do quarto, caírem diretamente sobre o ser insigne parado a poucos passos da cama, pernas afastadas e braços cruzados substanciando toda a sua altivez arrogante, e como eu temia, só de cueca.
― Eu estou brava sim, mas só porque sou casada com um cretino irritante, e porque sei que você nunca vai deixar de ser um. ― O maldito riu, aquele riso insuportável, sexy e enrouquecido, do tipo espontâneo, não muito alto, mas que demonstrava com efeito o seu divertimento, e que destruía camada por camada da raiva que envolvia o meu coração. ― Idiota, saia do meu quarto.
A sua risada não demorou para cessar, e então veio um suspiro alto, seguido de uma vibração em suas cordas vocais que reverberava aquele singular rosnado, que tanto me desestruturava quanto me comovia ao ponto de fazer o meu peito se aquecer e parecer pequeno demais para tanta emoção.
― Para de fazer esse barulhinho com a garganta, eu não sei lidar com ele ― protestei sem pensar, o que foi um grande erro, pois ele fez questão de repetir o rosnado. ― Para!
Ele precisava parar com aquela sedução barata e sair do meu quarto antes que a minha determinação também fosse para o fundo do poço, mas ao invés disso, Anton se aproximou, levando-me por instinto a dobrar os joelhos e arrastar-me para cima, até as minhas costas encontrarem a cabeceira.
Parando ao lado da cama, ele ligou o abajur, e eu levei um tempo para me acostumar com o excesso de claridade. Os meus olhos sempre em sua silhueta, atentos aos parcos movimentos, até as imagens ficarem nítidas, nítidas demais, e eu ser invadida contra a minha vontade, pela visão daquele abdômen impecavelmente lapidado por músculos, e as malditas entradas pronunciadas que desciam para dentro da cueca preta.
Ereção, braços cruzados, ombros largos, ereção de novo, abdômen, sorriso malicioso, e o olhar de quem sabia muito bem o quanto me afetava e desestabilizava.
Cínico.
Por que ele tinha de ligar aquela luz? Eu não precisava disso agora, não mesmo. Pisquei algumas vezes tentando não descer meus olhos, não querendo perder aquele desafio e, principalmente, não querendo dar esse prazer a ele, mas estava ficando difícil resistir, a miragem era tentadora demais.
― O que você quer, Anton?
A impaciência que se sobrepôs à minha voz foi a mesma que me fez apertar as pernas em exaltação momentânea, inflamando a tormenta que havia entre elas. Deuses, o que estava acontecendo com o meu corpo? Por acaso ele tinha sido escravizado por aquele vampiro? Ainda mais desesperador era concluir que a minha mente e o meu coração também pareciam ter sido.
― Quero muitas coisas, fada. ― Sem pedir permissão, Anton se sentou na cama à minha frente. Por um momento interminável, os seus olhos se mantiveram fixos a mim, varrendo cada pedaço do meu corpo, me queimando no gelo deles, fazendo-me arder inteira e me tirando o dom de respirar. ― Primeiro, quero você nua.
― Eu não vou ficar nua, e você não vai encostar em mim.
― Ah, eu vou sim ― replicou acomodando-se de joelhos e puxando os meus quadris para ele. Foi tão rápido que quando me dei conta, já estava com as costas sobre o colchão e aquele vampiro atrevido entre as minhas pernas, curvado sobre mim. ― Eu vou, porque é isso que você mais quer, e porque vim terminar o que começamos mais cedo.
Sim, era tudo o que eu mais queria, mas não iria ceder, eu era forte e resoluta, e não me renderia àquela tentação de olhos azuis cristalinos.
― Não! ― Balancei minha cabeça numa negativa veemente, acomodando minhas mãos em seu tórax. Eu só não tinha certeza se o estava apalpando ou tentando empurrá-lo. ― Você não vai me fazer de boba outra vez.
Segurando os meus pulsos, Anton baixou seus lábios até os meus e capturou a minha boca ferozmente. Certo, eu não era tão forte quanto pensei, e a minha determinação voou como pó sob aquele toque possessivo. Não precisou muito para eu me abrir para ele, deixando a sua língua me invadir.
― Eu... eu não quero ― arfei em uma última tentativa, mas a pressão crescente dos seus lábios foi descendo e inclinando minha cabeça para trás, enquanto ele seguia com a provocação erótica pelo meu pescoço, me tirando o juízo e demorando uma eternidade até alcançar a minha orelha.
― Quero você gozando na minha boca ― sussurrou mordendo o meu lóbulo, as mãos arrastando a minha blusa para cima ―, no meu pau, nos meus dedos, na minha boca de novo. ― Anton deslizou a língua pelo meu pescoço, intercalando à cada palavra uma leve mordida, escorregando-a pela minha clavícula, e então pelos meus seios recém-descobertos. ― Quero você a noite inteira, gemendo por mim e pra mim.
Esse era o fim da linha para a minha consciência. O fim da minha ilusória resistência, o fim da minha determinação e da minha sanidade. Num segundo Anton terminava de retirar a minha blusa, no outro deslizava o short pelas minhas pernas acompanhado da minha calcinha, me desembrulhando para ele.
Quando a sua língua encontrou o caminho para entre as minhas dobras íntimas, excessivamente sensíveis e desejosas, só me restou fechar os olhos e me entregar. Me entregar até senti-lo transformar o meu corpo na razão da minha mente; até o meu mundo se abrir e desabar em segundos; até a minha existência se tornar a minha completa ausência.
― Assim não dá. ― Mãos com as unhas pintadas de azul se agarraram ao meu braço e saíram me puxando pelo corredor da Wedo até o banheiro ao final dele. ― Você está bonita demais para alguém que devia estar preocupada com a avó ― disse Mel após uma rápida inspeção no lugar, certificando-se de que estávamos sozinhas. ― Você precisa prender esse cabelo, e pode dar um jeito de apagar esse brilho nos olhos e fazer cara de cansaço e tristeza.
Olhei para minha amiga atordoada, do que ela estava falando?
― Primeiro, boa tarde para você também, e sim, eu estou bem como pode ver. Segundo, não sei do que você está falando e não tenho tempo para tentar desvendar essa sua maluquice agora, porque preciso ir conversar com o Sr. Landon e descobrir se ainda tenho um estágio.
Com todo seu porte pequeno e postura destemida, Mel cruzou os braços e bateu o pé no chão, me encarando com os olhos cheios de empáfia.
― Você acha mesmo que eu deixaria você perder o seu estágio?
A primeira sensação foi de alívio, mas só até Mel me revelar a grande mentira em que tinha me metido para limpar a minha barra. Segundo ela, havia sido através da Sophi que descobriu o que tinha acontecido comigo, ainda na terça-feira, e ao ver a preocupação do meu chefe com o meu sumiço repentino, inventara que minha avó havia sofrido um acidente e que viajei às pressas, por isso não pude avisá-lo.
Eu não gostava de brincar com algo tão sério, mas eu entendia que a sua intenção era apenas me ajudar, por isso não falei nada, até mesmo porque já estava feito e como Mel dissera, o Sr. Landon pareceu se compadecer com a minha situação. Restava-me fazer uma prece para que Jeváh a perdoasse, e que Aine não lhe desse ouvidos.
― Só fiquei mais tranquila, porque mantive contato com a Sophi, e eu sabia que enquanto você não respondesse as nossas mensagens, também não ligaria aqui para se justificar ― prosseguiu ela. ― Mas não se esqueça, se o Sr. Landon eventualmente perguntar por que não ligou, diga que é porque você não estava em condições, e que tinha pedido para que eu me desculpasse com ele por você. Agora prenda esse cabelo e faça cara triste.
Mais do que depressa prendi o meu cabelo em um coque, e tentei ficar o mais séria que consegui. Depois de trocarmos um abraço, saí do banheiro direto para o escritório do Sr. Landon, sentindo o nervosismo me devorar por dentro. Céus, onde eu havia me metido? Aquela situação era uma grande lição para que futuramente eu medisse as consequências das minhas atitudes impensadas. Já havia passado uma semana desde que eu fora para Aiden, e eu ainda tinha que lidar com as repercussões delas.
Nem precisei bater, a porta estava aberta e o meu chefe estava em pé próximo à mesa dele, como se estivesse se preparando para sair do escritório.
― Sr. Landon, será que podemos conversar? ― perguntei parando à porta, a apreensão e a vergonha fazendo minhas mãos transpirarem. Ter de fingir tristeza nem era um problema, pois eu me sentia tensa dos pés à cabeça e com certeza a minha expressão não era das melhores.
― Liz, você está de volta ― disse ele com a costumeira voz calma refletindo sua educação excedente, e eu tentei moldar um sorriso em minha face congelada. ― Como está a sua avó?
Céus, como era horrível essa mentira! Um súbito mal-estar fora inevitável, o meu coração chegava a doer só de pensar que algo de ruim pudesse acontecer a qualquer um dos meus avós. Umedeci meus lábios, a garganta seca havia tornado árduo engolir.
― Ela está bem, graças a Aine... Sr. Landon, devo um pedido de desculpas...
― Não se preocupe, filha ― interrompeu-me se aproximando. ― Depois você me conta o que aconteceu, e se ainda não estiver pronta para voltar a trabalhar...
― Não! ― exaltei-me, mas muito rápido me controlei. ― Eu estou mais do que pronta para voltar, por favor.
Ele abriu um sorriso caloroso, daqueles que lhe elevavam as maçãs do rosto e realçavam as linhas ao redor dos olhos castanhos. Respirei aliviada, esse era um dos primeiros sinais de que tudo estava bem.
― Bom, se você diz, fico feliz em tê-la de volta. Tenho uma cliente me esperando agora, está preparada?
― Sempre ― anuí prontamente, quase tendo uma síncope cardíaca tentando conter a minha vontade de pular e gritar de felicidade.
Com um sorriso de orelha a orelha, segui o Sr. Landon em direção à sala de reunião, parando no meio do caminho só para deixar a bolsa na minha mesa e pegar a minha pasta de anotações.
À medida que nos aproximávamos da sala, comecei a sentir a densa energia no ar, e antes mesmo de a adentrarmos, eu sabia que a tal cliente era uma vampira. Meus olhos primeiro caíram sobre Jurnee, a nova recepcionista, que pediu licença antes de se retirar. Só então eles seguiram para a silhueta sentada em uma das cadeiras da longa mesa de reunião.
Um frio agudo atravessou a minha espinha conforme a vampira se levantava calmamente, delineando um sorriso felino nos lábios pintados de vermelho-sangue. Os cabelos pretos como a noite, a pele pálida em contraste com corpete de couro justíssimo, e aqueles olhos azuis-claros delimitados por um fino aro preto.
Sim, eu a reconhecia do aniversário do Vincent. O seu nome era...
― Sam Hell ― apresentou-se estendendo a mão ao meu chefe ―, é um prazer conhecê-lo pessoalmente, Max Landon.
Céus, Hell era o seu sobrenome? O quão estranho era uma pessoa ter a designação do lugar de danação eterna como sobrenome?
― O prazer é todo meu, Sra. Hell ― cumprimentou o Sr. Landon segurando-lhe a mão. ― Esta é a minha assistente, Liz Aileen.
Ela, que até então não tirara os olhos dele, voltou-se para mim com aquele mesmo sorriso vazio, seus olhos se cravando profundamente nos meus. Troquei meu peso de um pé para outro, absorvendo-lhe todos os mínimos gestos faciais e os devolvendo de maneira profissional.
― Liz Aileen Irwin, claro. Por coincidência, já nos conhecíamos.
Coincidência também parecia definir o nosso primeiro encontro, quando me deparei com a sua excêntrica figura no hall de entrada da casa de Eleonora. O que não parecia ser coincidência, era ela me chamar pelo meu nome de solteira pela segunda vez, mas este detalhe se perdeu com uma possibilidade que me sobreveio de repente.
― Foi a Eleonora que te indicou o Sr. Landon? ― indaguei indo direto ao ponto, já que ela nem se deu o trabalho de me cumprimentar, então não havia razão para que eu fizesse o mesmo.
― Hmm... não ― sibilou com um certo desinteresse voltando a encarar o homem ao meu lado. ― Estou no Brasil a negócios, atualmente precisando de um publicitário, e não há nada como uma breve pesquisa na Internet para me apontar o melhor deles, que por acaso e sorte é meu conterrâneo.
O sotaque não a deixava mentir, ela também era inglesa, e este fato naturalmente aumentou a simpatia e afinidade do Sr. Landon. Assim que nos sentamos à mesa, a reunião se iniciou e descobrimos que a tal Sam Hell possuía uma agência de intercâmbio estudantil, que facilitava a entrada de jovens universitários às melhores universidades Europeias, entre elas, a London University. Era um nicho um tanto inusitado, o qual eu nunca imaginaria que ela, com sua aparência e comportamento, poderia atuar.
Ela se encaixava melhor como uma daquelas dançarinas performáticas que tiravam a roupa...
Certo, eu não tinha nada a ver com isso, e estava ali apenas para cumprir com a minha função de assistente, portanto, não devia dar vazão a pensamentos que acionavam em meu cérebro, os botões da hostilidade e implicância. Já bastava o quanto eu a achava perturbadoramente inquietante.
O plano em questão seria um projeto de divulgação para inserir a sua agência recém-chegada ao Brasil, nas melhores universidades do país. Era um projeto grande, que deixara o Sr. Landon empolgado, primeiro por ser um forte incentivador das erudições e aperfeiçoamento acadêmico, e também por lhe permitir trabalhar com algo que envolvesse a sua terra natal.
O próximo passo seria fechar o contrato entre as empresas, o qual não pôde ser feito, pois a vampira alegou que por estarem em transição de um país para o outro, os documentos necessários ficavam em Londres, e que voltaria até lá em breve e os traria com ela. Estranhei, pois vivíamos em um mundo tecnológico e estes documentos poderiam ser facilmente digitalizados, mas optei por não falar nada, porque a verdade era que eu esperava que ela nunca mais voltasse à Wedo.
― Liz, pode nos dar um minuto, sim? ― pediu ela em uma clara exigência para eu me retirar da sala.
Olhei para o Sr. Landon que anuiu em silêncio, mas percebi pela sua expressão circunspecta sob o sorriso fraco e forçado, que ele se sentiu incomodado com isso. Geralmente eu era vista pelos clientes como uma extensão dele, e não era comum pedirem para eu me retirar assim. De qualquer forma, como o mesmo me ensinara, o nosso trabalho também compreendia manter o sangue-frio para saber lidar com as excentricidades das pessoas, e ele sabia fazer isso como ninguém.
Levantei-me e caminhei em direção a porta dando uma última olhada para trás antes de sair. A vampira acenou um lento "tchau", descerrando um sorrisinho torto. Tinha algo nela, algo indefinível, muito turvo, muito obscuro, que me causava arrepios e um leve incômodo no peito.
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