C A P Í T U L O 19
Paradoxo incompreendido
Ah, não... o telefone não...
Eu não iria atender. Revirando-me na cama, peguei outro travesseiro e o amassei sobre os ouvidos para abafar o som. Por alguns segundos, foi um alívio, até parecia que o barulho tinha parado, mas então voltou tudo de novo, aquela musiquinha irritante que nem o amontoado fofo era capaz de fazer desaparecer.
Que droga!
Quem estaria me ligando em pleno sábado pela manhã? Sem abrir os olhos, estendi a mão até a mesinha de cabeceira pegando o aparelho que tocava insistentemente. Deslizei o dedo pelo pela sua tela e o levei até o ouvido.
― Hum?
― Quer me contar que história é essa? Como você vai a um evento desses e nem me convida? ― Tive de afastar o celular brevemente para evitar os ecos latejantes do tom indignado.
― É sério que você me liga a essa hora para brigar comigo, Sophi? Nem sei do que você está falando, me deixa voltar a dormir.
― Acorda! ― gritou ela fazendo-me dar um pulo, alarmada.
― Que droga! Precisava gritar? ― esbravejei jogando o travesseio para o lado e me sentando na cama.
― Estou falando do evento que você foi ontem, da empresa do seu querido maridinho. ― Mais essa, agora ela estava sendo sarcástica, eu quase podia ver seu olhar acusador na minha frente. ― Realmente fiquei chateada, e não foi por não ter sido convidada, mas sim, por você ter me escondido a profundidade da relação de vocês. Pensei que confiasse...
― Para ― a cortei logo para evitar o drama desnecessário. ― Para com isso, porque não tem profundidade nenhuma, foi tudo fingimento. Mas primeiro me explica, como você descobriu sobre esse evento?
― Eu vi as suas fotos! É sério mesmo que você não iria me contar? Cadê a consideração? ― Do que essa maluca estava falando? Fotos?
Lidar com a Sophi pela manhã já não era uma tarefa fácil, muito menos quando eu ainda me encontrava sonolenta, e ela, irritada ou chateada.
― Fotos minhas? Que fotos?
― As que estão em todos os sites de fofoca! ― Sites de fofoca?
Lentamente, os fatos foram despontando e desabando na minha mente, um a um, como pedras de dominó. Evento... repórteres... fotógrafos...
Ah minha nossa.
Não... Não era possível. Travesseiros começaram a voar para um lado, o edredom para outro, enquanto eu me sacudia sobre a cama tentando levantar em meio a bagunça. Com muito custo consegui sair dela, praguejando por ainda estar com o pé enroscado no lençol.
― Sophi, por favor, me diz que isso é mentira, por favor... ― choraminguei desesperada andando de um lado a outro, com o coração já se perdendo num ritmo vertiginoso.
― Você ainda não viu nada, não é? ― murmurou ela, um pouco mais cautelosa. ― Bom, só para constar, achei muito íntegro da parte dele ter te assumido publicamente. Isso mostra que ele tem a intenção de levar este casamento a sério. Segundo, vocês formam um casal de tirar o fôlego, ainda estou chocada com as fotos que vi. E a propósito, com quem você anda saindo para comprar roupas, heim? E não se atreva a mentir pra mim, porque sei que você jamais compraria um vestido como aquele sozinha.
Assumir? O Anton não tinha me assumido publicamente, ou tinha? Não, claro que não. Eu ainda não sabia os motivos que o levaram a me apresentar como sua esposa, mas de qualquer forma, não deixava de ser uma grande farsa, e a possibilidade de tê-la estampada em fotos por aí, para todos verem, me enchia de desespero.
― Preciso ver essas fotos, não estou sabendo de nada, Sophi. Por favor, me manda todas elas ― implorei com a voz já embargada pelo choro. Droga, eu sequer tinha visto essas fotos e já estava chorando, e nem sabia ao certo por quê.
― Vou fazer melhor, irei te enviar todos os sites, assim você lê tudo. Agora não pense que vai fugir das minhas perguntas, está me ouvindo? Vou te dar um tempo para acordar e processar isso, mas quero você aqui hoje à tarde para me contar tudo.
Me despedi dela e finalizei a ligação. Só foi o tempo que levei para escovar os dentes e vestir uma roupa, até que os sons de mensagens do meu celular, começassem a tocar. Foram chegando inúmeras delas, com os links dos sites que Sophi me prometera. Abri o primeiro, o qual ela havia mandado com a seguinte mensagem: "Essa é a minha predileta".
O meu mundo foi parando aos poucos, quando vi a foto do Anton, sério, sexy, com a mão apoiada na minha cintura, enquanto eu, sorria sutilmente, segurando a minha bolsa com as duas mãos à frente. A fenda do meu vestido estava parcialmente aberta, e uma pequena parte do meu quadril à mostra.
Era sério que todos estavam vendo aquilo?
Eu devia estar em algum tipo de pesadelo, não tinha outra explicação. Joguei o celular na cama, peguei um travesseiro e enfiei a minha cara nele soltando um berro com todas as forças dos meus pulmões. Não podia ser. Eu estava ferrada, e a minha vida arruinada.
Eu nunca mais iria sair de casa, nunca mais na minha vida.
Peguei o celular outra vez, rolando a tela para cima, onde tinha uma legenda escrita em letras vermelhas, "Agora sabemos um pouco mais sobre o misterioso dono da Skar Technologies. Seria o casamento do ano? Anton Skarsgard e sua esposa Liz Skarsgard." Onde estava o meu Aileen e Irwin? Não importava, o pior de tudo era que eles sabiam o meu nome.
Ah, não...
O horror só aumentou ao me indagar se, àquela altura, o Anton tinha conhecimento daquelas fofocas. O que ele devia estar pensando? Era provável que não devia estar nem um pouco feliz, e este seria mais um motivo para ele querer me atormentar a vida.
Abri os outros links, e as especulações eram basicamente as mesmas, a única coisa que mudava eram as fotos. Havia diversas delas, em todas o braço do Anton estava ao meu redor, em algumas ele me observava, em outras eu o olhava sorrindo. Era uma imagem fiel de alguém muito apaixonada. Quem quer que tivesse tirado aquelas fotos, tinha capturado o momento perfeito, que realmente parecia provar a existência de alguma paixão. Todas elas estavam acompanhadas de outras tantas legendas ridículas e irreais como "A dona do coração do misterioso Skarsgard", "Triste notícia para as solteiras de plantão, ele tem dona!".
Tive que rir de algumas delas, mas só porque eram horríveis, e porque eu estava arrasada por dentro. O riso logo virou lágrimas, as lágrimas viraram soluços, e se antes eu não sabia o motivo do meu choro, ao ver aquelas fotos, reconheci a razão, mesmo que fosse triste e aterradora demais para assumir. Não dava mais para tentar enganar a mim mesma. Lá no fundo, eu desejava que tudo aquilo fosse verdade, que os meus sentimentos fossem recíprocos, e que o nosso casamento tivesse a mínima chance de algum dia ser real.
Sim, era essa a verdade, e não havia mais como fugir dela. Senti raiva por querer isso, por querer algo que não dependia só de mim. Tudo não passava de uma tola ilusão. Aquelas fotos vendiam uma vida de mentira, uma que nunca, nunca, o Anton permitiria acontecer.
Joguei o celular sobre a cama e me levantei do chão. Eu não ia mais chorar por isso, mesmo que a minha vida estivesse destruída para sempre. Lavei o rosto e respirei fundo, o meu dia havia começado mal, mas eu me recusava a deixá-lo piorar. Saí do quarto direto para o primeiro andar, a casa estava silenciosa como sempre, contudo, estranhei o fato de não haver nem sinal da Rose, e a mesa não estar posta com o café da manhã.
Caminhei para a cozinha e ao abrir a porta, senti o meu coração ficar suspenso no exato segundo em que meus olhos encontraram os dele. Por que raios ele estava ocultando sua energia novamente? A sua intenção era me pegar desprevenida ou se esconder de mim?
O final da noite anterior havia sido o mais atípico e perturbador que poderia ser. Nenhuma palavra e nenhum olhar foi trocado no caminho de volta para casa, era como se fôssemos dois estranhos envoltos de uma atmosfera congelada. As carícias e os toques que foram trocados na frente de todos, pareciam ter sido apenas um delírio da minha mente. Ao chegarmos em casa, cada um seguiu para o seu quarto, e somente um inevitável "boa noite" ecoou, antes do barulho das portas se fechando.
Libertei um suspiro oscilante diante da cena à minha frente. Anton estava na ilha, abrindo o que parecia ser uma bolsa de sangue. Os cabelos estavam molhados, jogados para trás, e a sua habitual camiseta e calça preta lhe definiam o corpo imponente. Seu olhar penetrante se arrastou vagarosamente do meu rosto até os meus pés, e de repente, o meu fino vestido de algodão pareceu pequeno demais, mas também quente demais.
Minhas pernas vacilaram, e o repentino fluxo de calor que me deixava cada vez mais fora de alcance, não me permitiram decidir se eu devia terminar de entrar, ou se era melhor sair dali. Somente quando ele voltou sua atenção para o que estava fazendo, que consegui voltar a pensar direito. Inspirei, expirei, devagar, e uni toda determinação que eu tinha para dar os passos necessários até a cafeteira.
― Bom dia ― o cumprimentei ao passar por ele, logo parando às suas costas, a uns dois passos de distância e de frente para a bancada contrária à ilha.
― Bom dia. ― Ah céus.
Dizer que a sua voz cavernosa me fez dar um salto, seria um exagero, mas cheguei muito próximo disso, pois a xícara que eu retirava de dentro do armário quase caiu da minha mão.
Ainda trêmula, me servi de uma generosa dose de café, então caminhei até uma das banquetas e me sentei. O espiei por cima da minha xícara fumegante, Anton tinha acabado de verter a bolsa de sangue em um copo térmico, e estava agora jogando-a no lixo.
― Anton... ― Sem pressa, aqueles olhos ensandecidos pousaram em mim, e eu tive de abandonar a porcelana na bancada, antes que a derrubasse. ― Você já leu alguma notícia sobre o evento de ontem?
― Algumas ― respondeu ele apenas, fechando o copo.
― Então você já deve ter visto nossas fotos... ― limpei a garganta ―, espalhadas por aí.
Anton levou o copo à boca, e depois do que se pareceu um século, ele o afastou e me encarou com aqueles olhos vermelhos, a língua correndo por entre os lábios, de um canto a outro.
― Sim.
Estranho, era como se ele não estivesse se importando.
― Você não parece incomodado com isso ― observei, levando a xícara aos lábios e bebendo um gole de café.
Para a infelicidade do meu frágil controle mental e físico, ele se aproximou e, parando ao meu lado, encostou o quadril na bancada e me fitou por cima com aquele ar de superioridade que me fazia sentir como uma menina mimada. Anton lançou uma olhada desvelada em direção às minhas coxas expostas. Seus olhos refulgiram com alguma coisa resguardada, quase secreta. Desejo, talvez? Eu não saberia dizer, mas isso fez com que uma sensação vibrasse dentro de mim, aquele fascínio, o intenso anseio de tocá-lo, e até mesmo um certo prazer em conseguir ter a sua atenção dessa forma.
Respirando fundo, ele encontrou meus olhos outra vez.
― Você está? ― Foi provocação que ouvi em sua voz?
― É claro que estou incomodada. Não quero, e nunca quis a minha vida exposta por aí. ― Afastei uma mecha de cabelo do pescoço, e encarei a minha xícara. ― E o pior de tudo não é nem a exposição, mas sim a mentira que eles estão vendendo.
― Agora sabe onde a inconsequência dos seus atos a levou. ― Anton endireitou o corpo, se desencostando da bancada. ― Não deveria ter ido.
Eu não podia acreditar, ele estava mesmo me culpando por tudo? Sem dar tempo de me defender, aquele maldito me deu as costas e saiu em direção à porta.
― Sei que não devia ter ido, mas a culpa não é só minha! ― explodi, incapaz de impedir que a minha irritação se manifestasse. ― Eu queria ter vindo embora, mas você não deixou, e ainda teve a brilhante ideia de me apresentar como sua esposa para todos, então a culpa também é sua!
Ele se deteve com a mão na maçaneta e, muito lentamente, se virou. Eu estava tão frustrada e com tanta raiva, que não me deixei intimidar pelo brilho ameaçador dos seus olhos. Ergui o queixo e prendi seu olhar no silêncio que se seguiu até que ele voltasse e se colocasse à minha frente.
― O que você queria que eu fizesse? Que deixasse o caminho livre para que saísse se esfregando em qualquer um por lá? ― Fiquei em pé num segundo, pronta para esbravejar em plenos pulmões, mas a sua voz intransigente me calou. ― Não importa o quanto mantenho a minha vida pessoal em segredo, cedo ou tarde a mídia descobriria sobre este casamento e sobre você. Agora pelos menos, irão cessar as especulações sobre mim. Ao acabar o mistério, acaba o interesse, as circunstâncias se tornam triviais, portanto, irrelevantes e descartáveis.
Arquejei chocada com a desmedida injúria que acabava de escutar. Eu havia entendido direito? Então tudo havia sido um plano friamente arquitetado?
― Você... você me usou, usou o nosso casamento para que a mídia te deixasse em paz?
― Basicamente ― respondeu ele com um elevar sutil de ombros. ― Você já estava lá, e me pareceu uma excelente opção.
Busquei a banqueta para me sentar antes que as minhas pernas cedessem diante daquele cretino. A raiva de mim mesma voltou ainda mais forte, se misturou à decepção, e converteu-se a um afiado aperto no coração, o qual doei a minha alma para que não se transformasse em lágrimas. Eu não havia tido esperança de nada, pelo contrário, sabia que a sua atitude fora suspeita, mas ainda assim, a verdade por trás de tudo me tocou em um lugar muito vulnerável, e doeu mais do que pude imaginar.
― De todo o modo ― continuou ele, levando a mão livre para dentro do bolso ―, agora o mundo inteiro já sabe que você é a minha esposa, e acho bom que não faça nada que venha me expor, como sair por aí com outros homens. Caso isso aconteça, as coisas ficarão bem feias por aqui.
Tive que rir, porque a loucura daquele vampiro realmente não tinha fim.
― Você é louco. ― Coloquei-me de pé e lhe dei o meu melhor olhar desafiador. ― Pois bem, se é assim, o mesmo vale pra você. Não me exponha saindo por aí com outras mulheres. Caso isso aconteça, vou me vingar, e nem tente me ameaçar, porque não tenho medo de você. ― Era pura mentira, mas eu também tinha que me impor de alguma forma.
Anton deu um passo à frente, seu olhar enigmático preso ao meu, a cabeça inclinando para o lado, e a língua roçando a presa.
― É assim que você quer jogar, fada? Tudo ou nada? ― Não recuei ante o seu tom irônico, empinei o nariz e lhe segurei o olhar enervado. Gradualmente, uma de suas sobrancelhas se alçou, e o que parecia ser um meio sorriso curvou o canto de sua boca. Não, aquilo não devia ser um sorriso, ele nunca sorria. ― Advinha só, esse é o meu tipo de jogo preferido.
Sem retirar os olhos de mim, ele abandonou o copo na bancada ao lado, então levou a mão até uma mecha de cabelo caída sobre o meu ombro, e a arrastou para trás num movimento tão suave e tão íntimo que me fez estremecer. Fechei os olhos quando seus lábios se aproximaram do meu ouvido, e ofeguei quando senti sua respiração quente na minha pele, o latejar ardente se espalhando entre nós dois.
― Vou te contar um segredo ― prosseguiu ele em um timbre tão perigoso, que fez arrepios se arrastarem pelo meu corpo. ― A graça da caça está na resistência da preza, e a diversão do domador, é amansar o animal selvagem. ― Anton deu um último suspiro, então se afastou me fitando os olhos, e deixando o rastro de uma vertigem ansiosa por mais daquele cheiro e daquele toque. ― Agora você sabe que quanto mais me provocar, mais tentado vou ficar. Essa é a sua sina, fada, e é o meu teste. Ambos sabemos que se você escolher o caminho errado, e se eu falhar, alguém pode sair destruído dessa história, e esse alguém não sou eu.
Maldito idiota. Eu já estava cansada das suas ameaças, mas sabia reconhecer que ele estava certo, a única que podia sair machucada dali, era eu. Anton era desprovido de qualquer sentimento, por isso não tinha a menor possibilidade de sair minimamente abalado dessa situação.
Sem falar mais nada, ele pegou o copo e caminhou de volta até a porta.
― O único animal selvagem que precisa ser amansado aqui, é você ― murmurei baixinho, e só me lembrei que podia ser ouvida, quando ele parou com a mão na porta.
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