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Apesar da voz mais grossa, Sigmund virou e identificou Vanhi pelos olhos, cor de mel, agora, mais claros. Crescido, Vanhi sorriu, deixando os caninos levemente saltados a mostra, característica que ele nunca notou dado o fato de Vanhi estar sempre sério e nervoso.
— Vanhi?
— Como está, criança? — Aproximou-se, observando-o. — Parece muito bem. Que os Nats sigam abençoando-o!
— Estou bem. Obrigado.
— Cuide-se! Posso falar em nome de todos ao dizer que aquele momento se foi e não há nada pelo que deva se culpar; então, se culpa passar em sua mente, em algum momento, ignore... é mentira!
— Como conclui que não tenho culpa? Ainda matei porque quis.
— Por que concluiríamos que uma explosão é a grande vilã e ignoraríamos aquele que acendeu a bomba?
— Posso ter matado um dos seus e nem me lembro...
— Não é possível remover a culpa da bomba; mas ela só fez o que foi criada para fazer... Aquele que a confeccionou e comburiu deve carregar todo o pesado fardo das mortes causadas por ela, só.
— E quanto a bomba precisa pagar para expiar?
— Ela pagou ao explodir — falou com pesar. — Cuide-se. Quando tiver bombas em mãos, lembre que foi uma. Pode ajudar nas decisões!
Sigmund pegou a mão de Chase e ambos retornaram ao salão.
— Não sabia que você tinha irmãos — disse Chase ao chegarem.
— Não tenho ou tenho e não conheço... nunca fez falta, eu acho!
— Claro. — Chase riu. — O bom dos nossos problemas é que, às vezes, somos nosso irmão. Só é ruim quando somos sanguinolentos...
— Nossa, Epifron... de onde tira essas piadas?
— Originais de minha insana mente! — gargalhou. — Precisa se banhar, se trocar e descanse. Falarei com o mestre, estabilize-se!
— Obrigado. Realmente preciso... apesar de não sentir culpa, a fala de Vanhi me traz um alívio que não esperava sentir.
— Quando se sente uma fera, é bom lembrar ser apenas vivo, inteligente, como qualquer outro... nem mais, nem menos...
— No fim, tudo que difere, só quer ser normal!
— Quando admitem nossa normalidade, dá uma sensação boa.
— Sem dúvida! — riu. — Mesmo que mentira. É bom!
— Pode ficar com o emblema, logo será seu...
— Ainda não ganhei o desafio.
— Entretanto, ganhará. Senão matamos você de novo!
Ambos riram.
Sigmund demorou no banho, imerso na água por algum tempo. A flauta de Althea tocou em seu íntimo, uma doce canção que o levou inevitáveis lágrimas. Quando terminou de se vestir, a canção cessou.
"Obrigado!", respondeu com uma nota no saung.
Sigmund guardou o emblema junto às cordas do saung e foi ao altar. Por duas longas horas, o perfume da Boa Morte tomou o quarto, envolvendo-o com a paz dos justos.
Ao fim, sentou na cama, criou a máscara, deitou e vestiu-se.
"Epidotes cuidará de Ketu pessoalmente. Ele não representa ameaça", transmitiu ao monge com às palavras de Vanhi enquanto imergia, sem perturbar seu descanso, permitindo-o dormir pelo dia.
Ao acordar, Sigmund banhou-se e foi à cozinha. As gêmeas ajudaram com uma refeição diferente de maçã e água. Terminando, ele foi à área de treinamento onde Aldous e Fitz conversavam.
— Mestre. Profasis! — cumprimentou ao chegar.
— Olá, criança. Bom dia! Apesar de ser tarde. — Aldous riu, olhando para os castiçais. — Imaginei que demoraria mais.
— Perdão, mestre. Não era meu objetivo dormir tanto.
— Retomemos o treinamento. Allegro! — Aldous sorriu.
— Sim, senhor, meu pai — assentiu Fitz
Eles engajaram num combate mais agitado, assim como Amos fizera antes da prévia interrupção. Algum tempo de treinamento passou-se e o cansaço arrebatador tomou sua consciência por horas.
Dor sucedeu a lira que despertou Sigmund.
— Bom dia! Vá ao quarto. Não treinaremos no dia da festividade.
— É o dia da festividade!? — surpreendeu-se.
— Amanhã é o dia da festividade. Hoje é só dia de trabalho!
— Isso foi muito rápido!
— Sei disso. O tempo passa mais rápido quando nos divertimos.
Sigmund riu da piada de péssimo gosto, mas seguiu ao quarto; banhou-se e foi ao templo da sétima escadaria. Se era véspera de fim de ano, isso significava que, em dois meses, o desafio chegaria!
Ele abraçou o saung e prostrou-se à estátua. Refletiu sobre o necessário para chegar ao desafio sem medo, dúvida ou "mas". Mesmo todo o dia da festividade transcorreu com ele em silêncio.
— É o primeiro dia do ano! — Latisha o despertou da meditação.
Em silêncio, ele tomou um dos incensos e acendeu no altar.
— Que acima de meus anseios, estejam teus passos — orou.
— Desculpe interromper o bom momento, mas ainda há um tempo de treinamento, antes do desafio. Felizmente breve.
— Obrigado. Contava que me chamassem! — sorriu.
— Resoluto?
— Mais do que nunca!
— Significa que terei um Allatu logo... será minha primeira vez!
— Que coincidência! — ironizou, rindo.
Ambos deixaram o cômodo, rindo.
— Lembra das relações que teve? — Latisha indagou, curiosa.
— Se fala das sexuais, não muito. Quanto às ajudas, lembramos de algumas vezes com Himeros como Algos... mas, ainda não tenho essas memórias, talvez ele esteja me guardando da lascívia.
— Que malvado! — brincou. — Bom treino; Como só parará na semana do desafio, prepararei ótimas refeições para dar sorte.
— Apreciaremos. — riu, encontrando Aldous e Fitz, já prontos.
— É um bom dia — disse Aldous, atipicamente calmo.
— A passividade da festividade o afeta!? — O menino arguiu.
— Afeta a todos. Vivace! — O mestre sorriu, levemente letárgico.
— Sim, senhor, meu pai. — Fitz seguiu ao centro.
O embate com maior velocidade teve início. Sigmund notou que a mesma dor imposta a si pela canção atingia Fitz, dado o fato de, pela primeira vez, seu semblante calmo sofrer mudanças.
Presumindo que o limiar de sua tolerância a dor começava a ser ultrapassado, pouco disposto a arriscar, Sigmund mudou a tática de responder automaticamente, afinal o padrão seria quebrado logo.
Um dia e uma semana antes do desafio, Aldous cessou o combate e deixou o menino desacordado na área de treinamento.
— Herdeiro! — Latisha foi quem o despertou.
— Estou bem. — Acordou assustado, sentando rapidamente.
— Herdeiro, acordar assim pode te matar, sabia!? — repreendeu.
— Desculpa. — Sigmund suspirou e voltou a deitar.
— Não é por não poder levantar rápido que deve deitar de novo!
— Himeros, você precisa se decidir.
Latisha riu da malcriada resposta.
— Trouxe uma boa refeição. Tem o seu chá e, como Amos disse, Meeshay, posso estar falando errado, mas a culpa é dele!
Sigmund sentiu o cheiro do macarrão de arroz e da carne de porco, suficientes para abrir seu apetite.
— Se consegue lidar com fome e sono, por que não tem feito?
— Consigo, porém não consigo. Muitas vezes é um estímulo inconsciente, ao menos, comigo; ou é ajuda dele, o que dá no mesmo!
— Entendo... apesar de vazar para ti, agora, você não é.
— Quase, não sei explicar como dividimos. Agora, eu pergunto?
— Depende... será algo que eu gosto!?
— Provavelmente não.
— Bom, é justo que pergunte, não!? — Deu de ombros.
— O que está havendo para tantas visitas suas?
— Gosto da proximidade e o pai deixou, logo aproveito bastante.
— Entendo... gosta de cuidar dos outros?
— Sim, o mundo seria belo se cuidar do outro fosse prioridade. Há um fenômeno social que faz as pessoas congelarem frente a cenas grotescas... diz-se que ocorre pela certeza que alguém fará algo.
— Nossa! Nunca ouvi falar de algo assim...
— Sei que estão doentes pelo silencioso nascimento disso. Ninguém percebeu. Quanto mais pessoas, mais chances de ficarem imóveis mediante a algo bárbaro, como estupro ou morte violenta.
— Uma comunidade sã reagiria sempre, eu acho.
— Seria bom um fenômeno inverso onde não seriam necessários gritos... ou clamores... alguém saberia da necessidade e ajudaria.
— Claro. Bastava ter seu talento para maternidade! — elogiou.
— Obrigada, compenso que não terei filhos nesta vida, cuidando de outros assim... funciona bastante.
— Por que não terá filhos? Não pretende!?
— Não posso. Junto a muito de mim, me tiraram a fertilidade.
— Não é possível curar!?
— A infertilidade tem cura, mas eu não. Por que tratar e me permitir dar vida para fazê-la sofrer? Essa vida terá sequelas pelo contato... pior, se machucará ao lidar com meus surtos desavisados.
Sua tristeza foi contagiante, dando um amargo sabor à refeição.
Silenciado, o menino seguiu a refeição. Não tinha palavras...
— Não precisa ficar triste... o amor que daria a um filho, dou aos meus irmãos de horda, dou à vida e, acima de tudo, à minha mãe.
— Perdão... já disse que você é muito forte?
— Já. Obrigada por me lembrar disso. — Ela riu. — O mestre está no salão principal, caso queira ter com ele, antes do asseio.
— É bom. Assim saberei se há ou não treinamento.
No corredor dividiram-se, Sigmund ao salão e Latisha à cozinha. Aldous estava absorto em anotações em meio a livros e cadernos.
— Criança! Bom dia, como se sente?
— Um pouco cansado, porém satisfeito. Temos treinamento?
— Não. Teu treinamento seguirá com o santo. Após o segundo Presto. — Aldous sorriu. — Isto significa, após reestabelecer sua sanidade pós-desafio. Até lá, use o tempo como quiser!
— Segundo Presto?
— Sim. Passeamos por alguns dos andamentos no exercício. Presto é um combate real que ocorre na esfera do possível; Prestissimo, um combate que ocorre também na esfera do impossível!
— Entendo... Até logo, mestre. Bom trabalho!
Sigmund asseou-se, durante o banho decidiu dividir os dias: os primeiros na biblioteca e os últimos no altar. Fora uma semana silenciosa na sétima escadaria, onde o ar solene tomou todos.
Havia muita expectativa e todo o dispêndio de tempo e energia de todos seria posto à prova. Para manter a tensão afastada, todos se pouparam o máximo possível, até mesmo das palavras.
No último dia, Serena chegou na sétima escadaria e, com permissão de Aldous, guiada por Chase, foi ao altar. Ela se juntou à Sigmund até seu perfume o despertar do momento meditativo.
— Está bem? — perguntou, sem olhá-lo.
— Sim e você, como está?
— Ansiosa, apreensiva, preocupada, ansiosa. Já disse ansiosa!?
Ambos riram.
— Sim, você já disse ansiosa... Se contei as refeições precisamente, falta um dia e algumas horas para o desafio...
— Sei disso. Por isso vim. Quero que fique bem.
— Ficaremos bem. Não morreremos.
— Antes de pedir para falar com o que lembra de mim, quero dizê-lo que confio em ti, ambos, e não duvido que voltarão vitoriosos.
— Obrigado.
— Espero ter conseguido não atribulá-lo com lembranças...
— Epifron causou mais confusão que você! — riu.
— Ela sempre foi mais caótica. Gosto da ordem, da paz... Apesar de ter me tornado general de guerra em algum momento.
— Imagino ser nossa culpa... não sei se devo me desculpar.
— Não deve se desculpar de forma alguma. De minhas escolhas, eu sou dona. — Ela o abraçou. — Salaam Aleikum, meu irmão.
O som da porcelana quebrando ecoou naquele pequeno espaço.
Ele retribuiu o abraço, bem forte.
— Aleikum Essalam! Sei que não veio somente para isso... mas podemos conversar... posso servir vinho! — Ele a beijou na testa e a deixou só por alguns instantes para servi-los vinho.
— Como foram os últimos dias? Muito treinamento?
— Razoável. O monge teve trabalho; foi bem-sucedido no desafio... Caiu... mas felizmente, reergueu-se!
— Percebi as cicatrizes no olhar. Permitirá que outras ocorram?
— Não posso privá-lo disso... Não posso eu cair! Ele pode.
— Creio que não deveriam... mas pode me ignorar! — riu.
— Encontrei o homem que me calou nessa vida — disse, cabisbaixo. — Foi exótico; uma amálgama de Loucura, medo, tristeza, ódio... intenso! Estou perplexo por conseguir ir e voltar sem explodir.
— Realmente notável... não conseguiu naquela época. Foi só?
— Não, Epifron acompanhou. Tê-lo ao meu lado ajudou... muito!
— Imagino... posso dizer que estamos evoluindo?
— Sim. Sou melhor hoje e seguirei melhorando. Almejando sempre me tornar o melhor de mim... sempre!
— Vim colaborar. — Serena disse, deitando à frente do altar e olhando para o teto. — Tenho algo comigo e só você pode tirar.
Sigmund franziu o cenho, observando-a.
— Algo?
— Sim. Você disse que ficaria fora... que eu não poderia protegê-lo nesse tempo. Prometeu que voltaria. Pediu para, até lá, eu guardar algo. Falou do japamala que entregou aos sétimos e me entregou um pequeno com nove contas junto a nove selos de papel.
Sigmund aproximou-se e pousou a mão no peito de Serena para, devagar e prudentemente, averiguá-la.
— Como não era possível guardar em nenhum lugar, pedi para guardar dentro de mim. Infelizmente, não sei como remover — riu. — Não se preocupe, sei que doerá; não se preocupe.
Demorou para ele encontrar, perdido entre as pautas de sua existência, coberto por selos de papel, o japamala com contas negras. Presumir a dor de tal artifício no decorrer dos anos foi impossível!
— Provavelmente doerá remover... Perdão! — engoliu seco.
— Disse para não se preocupar.
— Louca. Não deveria concordar com essas coisas!
— Nem você! — gargalhou. — Ajudo e você remove. Tome cuidado com os selos, você deixou claro que eram muito importantes!
Sigmund, preocupado, deixou a supressão para conseguir não falhar. Afinal, o mínimo erro custaria a coesão de sua existência.
Serena respirou fundo, concentrando-se, e fechou os olhos.
A sinfonia de sua existência, de forma frágil, suave, manifestou-se acima dela. Ela atingiu um impressionante estado semiconsciente.
Sigmund a observou por uns instantes, usou de estímulos energéticos para induzi-la a um profundo estado de inconsciência e, com isto, conseguiu observar a partitura com mais precisão.
Ele respirou fundo, engolindo seco, quando atingiu nitidez suficiente para conseguir ver o pequeno embrulho de selos.
— Não quebra... — pediu em voz alta, acariciando-a no rosto.
Após um longo suspiro para tomar coragem, ele o removeu.
A partitura agitou-se e ele aguardou a agitação passar para averiguar se algum dano, mesmo mínimo, ocorrera.
O relaxamento ao atestar a saúde de Serena fora orgástico.
Sigmund deixou o pequeno embrulho ao seu lado e a retornou ao estado semiconsciente bem devagar. Daquele ponto, similar ao ponto inicial, ela não precisou de ajuda para despertar.
Apreensivo, o púrpuro olhar a fitava.
— Está bem?
Serena vocalizou algo ininteligível. Preocupação transbordou de Sigmund e ele a averiguou novamente, pensando: "Não é possível que eu tenha errado com algo!", odiando-se pela mera ideia.
— Calma, irmão! — Serena caiu na gargalhada. — É brincadeira!
— Brincadeira, Serena? Isso é- — Irado, o menino suspirou.
Ainda às gargalhadas, Serena se sentou.
— Isso não é engraçado! O que tem na cabeça?
— Desculpa, maninho... não resisti. — Ela tentou se recompôr. — Zari estaria morrendo de rir agora.
— Argh! Que susto!
— Voltando ao trabalho... — Devagar, ela retomou a seriedade. — Pelo que me foi instruído, o japamala ajudará após o contato com Allatu. Só deve se familiarizar com ambos após o desafio.
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