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— É como terapia — disse Aldous, tomando o vinho. — Quando lidou com o primeiro murmúrio de Algos nesta vida?
— Cedo... — Sigmund respondeu, reflexivo.
— Se quiser descansar a taça, faça. Não queremos estresse.
Sigmund aceitou a sugestão e o fez. Lembrou-se de caminhar num deserto de areia avermelhada, junto a pessoas de pele amarelo-acastanhada, castigada pelo sol e pela rubra areia.
Agitou a cabeça. Era seu quinto ano de vida e o palpitar chegou, a intensa sensação ansiosa, anúncio do despertar de Algos.
— Agora, é Sigmund... se não erro, está lembrando outra coisa. Perguntarei e me responda rápido. Seu nome?
— Ja- Sigmund! — suspirou, em negativa. — A primeira vez que me tocou. Sigmund. Ranna morrendo. Impulso de autopreservação mal interpretado. O elo piorava. Seu desprender... senti...
— Poderia ter optado por fugir mais cedo, por que não o fez?
— Porque não sei desistir, talvez sadismo. Custa cortar o elo emocional. Isto me causa mazelas grandes. Não diferiu com Ranna. Não tinha só ela! Nos primeiros toques de Algos, tinha o povo, Ava...
O silêncio pairou por alguns instantes.
— O primeiro surto de Sigmund... — Aldous quebrou o silêncio.
O menino parou para pensar, confuso com as diversas memórias que as palavras "primeiro surto" invocavam.
— Não precisa ter pressa...
Sigmund arfou, tentando organizar a cabeça. Lembrou de surtos em território persa... norte-americano... hindu... eslavo... babilônio...
Eles acumularam até o ar o faltar, tirando sua concentração.
— Respira fundo... não é longe... é agora! Hoje.
"Hoje!", repetiu em pensamento, lembrando-se de Aakash.
— Estávamos treinando, tudo ficou estranho, não sabia o que ocorria, mas me combati para treinar. Ranna distanciou-se e caí.
— O que o motivou a resistir e ficar de pé?
— Estava decepcionado, triste. O dia anterior fora ruim e só queria que acabasse. Eu a amava, não queria vê-la chorar! Então, se houve um motivo, foi ela, seu sorriso. — Sigmund engoliu seco.
— Segundo surto que Sigmund viveu... alguns instantes depois...
— Ataquei Jagravh. Repreensão impactante. Medo transbordou! Não fazia nada. Era minha mãe e queria vê-la viver. Ninguém sussurrou, mas o corpo clamou, gritou, que ele precisava morrer!
— Beba o vinho — sugeriu, vendo o traído semblante do menino.
Sigmund tomou da taça. Com cautela, e a devolveu ao chão. Aldous manuteniu o silêncio por algum tempo, porém o quebrou:
— Jamon não viveu um aprisionamento como Sigmund... até onde sei! Lembra-se de ambos?
Sigmund refletiu. Aflito pela dolorosa lembrança com Ketu. Pegou-se lembrando de uma guerra no deserto rubro. O povo digladiava-se num conflito que ele não entendia dada a pouca idade.
— Nos- sua prisão quase ocorreu. Física. Muitos conflitos! Tive problemas na capital... os olhos. Alguns divinizaram, outros queriam o fim da linhagem... Vivíamos cativos da necessidade de fugir.
— E com Sigmund?
— A prisão foi severa! — Franziu o cenho. — Ketu... sankhara guardava o conhecimento, aguardando o amadurecimento... me avisou... sabia que eu não ouviria... apenas uno posso lidar com a Loucura, ele não conseguiria, afinal era um isto, não um alguém.
— O nascimento do monge...
— Após a prisão... O monge emergiu e não pude impedir o que cria ser um parasita de fincar suas raízes. Combati, mas foi ineficaz, presumo que a proteção do templo foi a chave para o fracasso.
— Preso... sem contato. Antes de emergir pela primeira vez.
— Um tempo passou... conversei com sankhara, aprendi o que cri ser muito, mas ele era limitado. Meditei muito. Quase ensandeci e as sessões de Ranna me deixavam irascível! — Trincou os dentes.
— Beba o vinho — sugeriu Aldous, novamente, o observando.
Sigmund tomou a taça, lidando com o flutuante estresse.
Felizmente, o silêncio lhe foi amigo.
— O terceiro surto de Sigmund...
— Quando o atingi? — questionou-se. — Não... talvez o incidente com Tarusa. Parecia Loucura. Vazou para o monge e lutei para me defender! Defendê-la... apesar de tudo, queria... Maldita compreensão que dá admiração pela vida e atenua laços desnecessariamente. Argh!
Aldous riu.
— O quarto surto de Sigmund... foco! Poucos instantes depois...
— Floresta, eu acho. Não foi um qualquer... foi retratação e, querendo vingança, sou louco, a independer de surtos! — Um tênue brilho rubro tomou seu olhar. — Quando o surto acompanha essa loucura é prazeroso — sorriu, regozijando dos gritos de Tarusa.
— Podemos afirmar que a promessa de insanidade é recorrente?
— Talvez. Não sei se Jamon iniciou. As memórias chegarão...
— Claro...
— Diria que entre segundo e terceiro, ouve o princípio de um surto, estava consciente, mas o segundo veio em ondas! — riu.
— Quando a voz silenciou?
— Sim, quando falar doeu porque me calaram. Após o segundo piorou, caiu, e piorou e caiu... até eu estar envolto em minhas trevas, regozijando da dor... Vi sangue e por mais irascível que ficasse vendo aquilo nascer, mais gostava de tê-lo, de alimentá-lo...
— Sei disso! Senti... me recolhi por algum tempo. Quase matei um dos meninos de Anaideia. Foi terrível!
— Ela sempre fazia aquilo. Não tenho noção de tempo, isso ajuda na confusão... os momentos conscientes parecem ter ocorrido num único dia... mesmo com as memórias do monge, ordenar demorará.
— A morte dela... acúmulo de surtos... — suspirou Aldous, rindo.
— Resumimos a um longo surto!? — gargalhou o menino.
— Resumimos em ondas... a primeira.
— O frio... me tornei agente ativo... o sangue acendeu, diria! O monge ficou estressado; sentiu a morte... vi... e pouco me importava com o que ocorreria, o limiar da insanidade... quando morri!
— Segunda...
— Quando o frio tocou o monge superficialmente... o momento que ele beirou a morte — narrou, observando a memória passando-se vividamente. — Essa não é difícil de lembrar.
— Beba o vinho... — Aldous riu. — Também nos lembramos perfeitamente... creio que isto não muda com nenhum de nós.
Sigmund riu, tomando do vinho.
— O nível do mar insano não abaixou, só subiu, subiu, sem parar! Até ela morrer e atingirmos o ápice. Sem intervenção, mesmo que movido pela raiva, o monge teria morrido como eu.
— Sem dúvida! Sussurrei para Jagravh ir vê-lo, senão o perderia.
— Sábio! — riu. — Após os olhos de Ava, é confuso. Matei... não sei quem... no pagode. Matei Tarusa... eu sei! Depois, só tentei matar mais... quem ou o quê, não sei! É difícil ser preciso... prazeroso, intenso! Talvez em momentos mais insanos, a lembrança seja clara.
— Possível... ele diz se lembrar desses momentos, mas sei ser uma compreensão que demorou anos para chegar... somos devagar!
— Está machucado. Por isso, é difícil! Entendo o que o impede de curar-se, por isto não oferecerei... mas quando quiser o farei, mestre!
— Quem sabe no dia que me matar? — sugeriu, rindo.
— Prometo matá-lo. Não levará essa dor consigo! Se eu aprender como encurtar o caminho, o senhor não voltará... nem a mãe.
Aldous sorriu.
— Fazer por ela está de bom tamanho... não preciso...
— Tarde demais! — riu.
— Depois do incidente Ranna, chegou ao Grande Cemitério... sei dos surtos, mas nada grave, até a dificuldade com Althea.
— Sim, longe de Aakash, sankhara cedeu mais. Estava vendado e não notei. Memórias fortes me tiraram a razão. Ele não lidava e isso era ruim. Era seguro ficar, produtivo lidar com sankhara. Decidi ficar, ajudei o monge sempre que senti a Loucura, mas não a entendia.
— O pequeno embate com Althea...
— Jamais venceria! — riu. — Estava com medo, machucado, frustrado. Sankhara me preparou, conversamos e ele ensinou o suficiente. Até o sangue... só avançar. Sou satisfeito! Esse evento reafirma confiança, mas, se eu ouvisse sankhara, não ocorreria.
— Fiquei revoltado! — Aldous riu. — Sua Loucura... a minha... meu pavor de perder Althea... ver-me atacando-a, foi terrível!
— Perdão, mestre.
— Passou — gargalhou. — Felizmente, estava próximo a ela e somos apaziguados por sua presença naturalmente... basta ela respirar para nos acalmar... como abaixar as orelhas, submeter-se.
— Gosto! — O menino sorriu. — Faz-me bem.
— Algo lhe confundirá... a memória da chegada na escadaria.
Sigmund suspirou. A memória de chegar com a pequena Zarina nos braços marejou seus olhos. Ele os fechou, mas, sentindo-se aprofundar na memória, reabriu.
— Sigmund... chegando... — disse Aldous, pausadamente.
O menino ficou quieto.
A saudosa e feliz memória de tê-la salvo era intensa. Voltava a acometê-lo sempre que tentava lembrar-se da chegada.
— Sigmund... — repetiu, fazendo-o olhá-lo. — Sigmund...
— O monge. Epifron Zar- — Interrompeu-se. — Epifron Chase. Reportou. O mestre explica como caminhar, alerta. Mostra como andar, não. — Sigmund trincou os dentes. — Mostra como andar, chegamos! Epifron... Chase... recebe... reporta... o mestre explica... quarto. O senhor busca, começamos a treinar. Preciso!?
— Saber da precisão por minha boca é frívolo... Assegure-se da sucessão que se lembra. Se não tiver seguro, repense até ficar. Contudo, pararemos aqui. Afinal há um incidente que provavelmente o trará lembranças de Algos Jamon, que não deve ter agora.
— O incidente com Himeros Latisha... concordo! — riu.
— Que bom que sabe! — Aldous gargalhou.
— Felizmente, o corpo não responde aos estímulos físicos tão precocemente... senão, teríamos problemas em demasia...
— Como pode afirmá-lo com tanta certeza!?
— Após o último degrau, não queria perder Arahant para a confusão dos prazeres. Como a vida sexual precoce era comum, impus um limitador e sou impotente até o amadurecimento. O prazer atinge psicologicamente, pouco se manifesta no corpo, como as influências de Algos... ainda causa adicção, mas um risco menor.
— Fascinante... isto é astuto! — exclamou Aldous.
— Foi problemático! Um humano que não tem uma ereção até a adolescência, a independer do estímulo, foi um tabu. Morri algumas vezes! — riu. — Os olhos já eram motivo de divinação ou caçada. A impotência foi arriscada, mas me poupou de problemas mais severos.
Ambos riram.
— É agora que me visto? — arguiu Sigmund ao fim do vinho.
— Agora pode.
Sigmund começou a construir a máscara, devagar.
— Reflita para não se perder... Não confunda o passado Jamon com o atual Sigmund. Lembrará daquele momento, mas... o monge terá apenas as memórias da personalidade... isto é, se quiser. Você sempre será impactado. Não se esqueça que você é o que crê ser... então, o foco deve ser jamais esquecer do que crê!
— Serei cauteloso. Entendo o poder que tenho sobre nós. Apesar de não ser mutável para sofrer com as mudanças impostas pela vida, ele é mais sensível às minhas percepções... enfim, me esforçarei!
— Seja prudente. O monge errará com o pouco toque do passado. Sei ser terrível admitir, mas precisa permiti-lo errar. Lembre-se que permitir não significa gozar de seu sofrimento. Contrabalanceie para não piorar a situação da pobre personalidade!
Sigmund assentiu, terminando de construir o artifício que assumiu a forma de uma máscara de porcelana.
— Bons sonhos, criança... boas reflexões!
— Não quero que o monge lembre dos últimos eventos, devo?
— Sinta-se à vontade para escolher... não intervirei!
O menino abraçou seu saung. Após deitar-se, respirou fundo algumas vezes e dedilhou o saung aleatoriamente buscando a calma.
Quando finalmente a euforia de ir descansar cessou, ele concentrou-se, deixando definida a ação REM do corpo.
Aldous lhe observou atingir o extremo relaxamento enquanto saboreava seu vinho e observava o calmo emergir do monge.
***
Foi um emergir longo. Os primeiros sinais de consciência se manifestaram com um abraço no saung.
Aldous serviu-se com vinho para aguardá-lo. Sigmund abriu os olhos, incomodado com a pouca luz dos castiçais.
— Olá, monge! — Aldous sorriu.
— Oi, mestre! Treinamento? — questionou, olhando ao redor.
— Não, como se sente?
— Como se meus olhos estivessem fechados por muito tempo... mas bem... Logo, a visão normaliza...
— Pedi ao estressado e lhe peço. É um momento delicado e, se não se cuidar, pode se perder. O corpo e a mente mudarão. — Aldous empurrou a taça para ele. — Não sei o quanto mudará, nem o quão difícil será, então seja prudente e paciente, principalmente consigo!
— Estou doente!? — Ele observou o próprio corpo.
— Sim e não, há um pouco de vida em você, dizem ser saudável, mas não creio — brincou, rindo. — É tarde e preciso averiguar algo. Fique à vontade, Himeros deve estar no quarto, mas não se descuide!
Ao fim do vinho, deixaram o local. Aldous foi ao seu quarto e o menino foi à cozinha, limpou tudo e foi ao salão principal, sem sono.
Fitz estava sentado, só, à beira do salão, tocando seu contrabaixo e namorando o céu com semblante saudoso.
— Olá, herdeiro. Não dormirá? — indagou, sem olhá-lo.
— Não sinto sono... parece que dormi muito!
— Dormiu, como diz Pseudos, um pouco bastante — riu. — Como se sente? Dores, mau humor, confusão? — indagou, gentil.
— Estou bem, obrigado. Salão vazio... estranho. Cadê todos?
Sigmund sentou, distante de Fitz, cruzando as pernas.
— Descansando... ou estudando... não há trabalho o suficiente para exigi-los, logo, eu posso lidar só.
— É estranho não estar com Pseudos... ele está bem?
Fitz suspirou, tendo o olhar inundado por preocupação.
— Macária é boa e o deu sabedoria para entender a necessidade do sono! Faz tempo que não dorme bem, finalmente! — disse, grato. — Por que tão longe? Medo de me contagiar com a Loucura?
— O mestre disse ser um momento delicado... como não sei bem, creio ser melhor ser precavido e manter distância, quando possível.
— Não seja assim — pediu. — Todos vivemos esse dilema. Você é uma criança, que não pôde viver "normalmente", eu sei, mas ainda é criança! É um ótimo momento para entender-se e aceitar-se como indivíduo saudável que é! — aconselhou, cessando as notas.
— Assim você me confunde, sou louco ou não!?
Fitz riu, virando-se para o menino.
— Sim, é louco! Aqui, na sétima escadaria, é um dos doze loucos. Sabendo que Loucura é nosso normal, é tão normal quanto nós, não!?
— Assim você relativiza a Loucura... isto é certo?
— Em nome da boa filautia, tudo é válido.
— Filautia!? — indagou, confuso com o termo.
— Uma face do amor: o amor-próprio, tem a face boa e a ruim. Manutenir a boa filautia é saudável, a independer dos meios usados.
— Nossa, vocês têm nomes para o amor!?
— Sim, o pai deve ter falado dos crimes passionais, não!?
Sigmund interrompeu Fitz, levantando rapidamente e indo à cozinha buscar vinho para ambos, ansioso que uma história viria. Fitz riu, surpreso com a súbita reação do menino.
— Não deveria deixar alguém falando só, pelo vinho eu perdoo.
— Desculpa... fiquei... — O menino acanhou-se. — Pode seguir!
— Mediante as diferentes manifestações do amor, temos diferentes configurações de crimes movidos por ele.
— Nossa! Quantas?
— O quê?
— Manifestações do amor...
— Dez.
— Dez!? Isto é muito... amor não é só amor!?
— Sim, mas manifesta-se diferentemente... condicionalmente ou dispensando condições. — Fitz tomou do vinho. — Meu amor por ti, agora, é philos, baseado em reciprocidade; oposto de echthros, hostilidade; separado de xénos, desconhecido.
O menino o olhou com muita curiosidade; reflexivo.
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