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Aldous banhou-se e foi ao altar.

Haviam poucas almas para lidar nas próximas horas, mas era possível sentir, como as nuvens de uma intensa tempestade, um grande número de mortes acumulando-se ao horizonte.

Ajudou a horda com o trabalho, orou e rumou à cozinha. Quando ouviu os sussurros de Algos, ao passar pelo quarto do aprendiz, sorriu, mas decidiu não interromper.

Na cozinha, haviam rápidas refeições à mesa e as meninas conversavam muito. Cessaram a conversa ao vê-lo e prostraram-se.

— Algos! — cumprimentaram. — Como não pudemos nos reunir para a refeição, tem algo pronto para ti. — Latisha sorriu. — Qual a causa do sorriso em sua face?

— Algos... — O sorriso no rosto de Aldous alargou. — Podem me servir vinho, por favor? — pediu, sentando. — Epifron! — invocou.

— Pai! — cumprimentou ao chegar, abraçado ao morin khuur.

— Não estamos bem!? — perguntou Aldous, analisando-o.

— Melhorarei... é apenas uma leve agitação na identidade, ainda inofensivo — reportou. — Em que posso ajudar?

— Não sabemos quando Moros chegará, observei que lidamos com quase tudo, mas há trabalho chegando. Verificarei ao voltar. Prepare-se. Acumula-se... e isto só acontece em grandes eventos...

— Sim, senhor! Comunicarei a todos... Já comeu?

— Beberei vinho, talvez devolva o apetite que Anaideia tirou!

As meninas serviram Aldous e Chase com vinho.

— O herdeiro vai surtar!? — perguntou Chase.

— Esperamos que não. É cedo passar por isto, mas ele não para! Oremos para Algos o acalmar... Ela tem poder de persuasão! — riu.

— São tantos complexos para lidar. Gostaria de saber como foi o julgamento. — Chase sentou ao chão, apoiando a cabeça em Aldous.

— Tem certeza que quer saber!? — indagou, acariciando seus loiros fios. — Se for muito ruim, conseguirá lidar?

— Uma de minhas habilidades é conseguir lidar — riu. — Perder outro herdeiro ouriçará os degraus. Anaideia será beneficiada... a hipótese me deixa estressado... e me faz falar igual Profasis, tsc...

— Ao menos, não seremos os assassinos! — riu. — Entendo a dificuldade, mas, para estar em família, ele precisa entender o que é família. Há pouco que podemos fazer; rezemos para este pouco ser suficiente para sobreviver a torrencial insana que se abate sobre ele.

— E se necessário, mato ele! — disse Laura, sentando na bancada. — Assim não carregam os complexos da morte de mais um herdeiro sozinhos — sugeriu, dando de ombros.

— Nunca concordarei — disse Aldous, em negativa. — Eu lido.

— Acato, mas discordo! — retrucou. — Eu já não gosto dele...

— Justamente! Se conseguisse lidar com seu ciúme, não negaria, mas não o faz, logo, proibida! — O mestre riu da face enciumada.

— Sei a resposta, mas posso acalmá-lo — sugeriu Latisha.

— Não! — disseram os três em uníssono, olhando-a.

Ela abaixou a cabeça, chateada, serviu uma salada de frutas para si. Aldous terminou o vinho, mal tocou na refeição e saiu com Chase.

***

Sigmund deitou ao chão, de frente ao altar. Abraçado ao saung, reflexivo, dedilhou as cordas sem um padrão, aguardando a quietude do quarto acalmar a agitação que sofria.

Quando se acalmou, se banhou e foi ao armário, sorriu ao ver um saung lá dentro, mas, para se distrair, olhou os livros na estante.

Haviam registros históricos em cadernos, a história da música de diversos povos, estudos científicos, ensaios filosóficos e uma seção das divisões do armário eram dedicadas às escrituras do plano vivo.

"Histórias de Cronópios e de Famas".

Foi o título que o despertou interesse. Ele o paginou, indo à área de treinamento, e sentou para lê-lo. O surrealismo o fascinava e, não fosse ele, Sigmund não devoraria o livro em meras duas horas.

Ao fim, devolveu o livro. Observou os títulos e encontrou um "guia" para entender como confeccionar e afinar o saung, além de toda a história por trás do nascimento do instrumento.

Distraiu-se, folheando-o, mas destacou o livro, pondo-o sobre a cômoda e deixou o quarto, rumo ao salão principal.

***

O trabalho estava encerrado, Aldous e Chase sentaram à beira dos degraus, em silêncio, até começarem a duetar uma lenta canção.

O tom baixo da canção só permitiu a Sigmund ouvi-la ao chegar.

— Herdeiro! Está vivo! — Aldous gargalhou.

Mestre! Epifron! — cumprimentou. — Estava lendo, foi fascinante, apesar dos elementos que não conheço, pude identificar seus papéis! — riu. — Aprendi um pouco do saung, foi produtivo.

— Como foi a conversa!? — Aldous o convidou a sentar.

Razoável... pude pensar, me acalmar... decidi ouvi-la! Ainda me sinto insano, nada diferente! — riu. — Tudo ficará bem.

— Lembre-se que foi ele... não o é agora, apesar de sempre sê-lo.

Tento afixar isso na mente... mas, odeio- — Com um suspiro, ele se interrompeu. — Ele odiava Anaideia! Não entendo e não vou pressionar. Presumo que mexerá muito comigo, logo, não acumularei Loucura. Confiarei na sabedoria de Algos... viva em meu íntimo.

— Leve isto para a vida! — Aldous sorriu. — Quando não sobrar confiança, confie em Macária e em Algos. Elas jamais falham!

Sigmund sentou ao lado do mestre, observando os degraus, rapidamente perdeu-se nos pensamentos, ouvindo a lenta melodia.

Não tardou para o timble — instrumento canário, similar a uma guitarra — de Ario tocar no íntimo de Aldous, anunciando-o.

Himeros! — invocou Aldous.

— Meu pai... como posso ajudar? — sorriu, beijando sua cabeça.

— Pode servir vinho? Moros chegará — pediu, acariciando-a.

Ela assentiu e correu à cozinha, ansiosa para ver o visitante.

Detentora da capacidade insana de neutralizar indivíduos com prazer, não é perigoso ela servir a comida!? — indagou Sigmund.

— Há uma lógica! — Aldous riu. — Crianças de Himeros têm fome de prazer. Regulamos sua atividade sexual e, como paliativo, a permitimos cozinhar e se alimentar do prazer da saciedade.

— Quase uma dieta — afirmou Chase.

Ela sofre de algo, como uma adicção?

— Infelizmente, sim! — O mestre suspirou, pesaroso.

Chegando na entrada do salão, Aldous os cumprimentou.

— Moros! — Aldous sorriu forçadamente. — Entre, temos vinho!

— Má hora? — questionou, observando o pesar.

— Um lapso... passou.

Na mesa, o vinho já estava servido. Apenas a cabecinha de Latisha olhando pela porta do corredor podia ser vista.

— Aonde vamos? Quanto tempo ficaremos? Quais as diretrizes?

— Apenas Megalopsiquia ficará com a herdeira. Toda a horda virá, sei que pode guardar um grande perímetro e lidar com muitos em simultâneo. — Ario sentou e pegou a taça. — Vamos ao território uzbeque, mais precisamente capital; não sei quanto tempo ficaremos.

— Compreendo... muito intenso!? — questionou Aldous.

— Bastante... o escarlate cobriu uma área habitada por cerca de um milhão e meio de humanos... não contabilizamos outros neste censo, mas a contagem cresce mais meio milhão facilmente.

— Epifron, Pseudos, Calis, o buda corrompido e eu iremos... já que o buda não pode ficar só e, se eu ficar louco, ele nunca... jamais... poderá estar aqui! — exclamou. — Devo me ater a algo?

— Prepare-se para sismos, devido ao passado e a criança caótica eslava. Os níveis de radônio podem ser um problema para o herdeiro. Ainda é jovem, não sei se sua morte pode lidar com a contaminação...

— Ficaremos atentos a isto — afirmou Chase.

— Preciso que resista muito, criança. — Aldous olhou Sigmund.

Resistirei, mestre! Se não conseguir, sei como voltar para casa... mas, estou confiante, as memórias vêm me ensinando muito.

— Temos tempo. Sairemos às três grega... para chegarmos às cinco uzbeque. Com fé, identificarei o que ocorre! — bem-disse.

— Ainda nada!? Intervenção do rapaz mal!? — Chase arguiu.

— Não sei o que influencia mais. O fluxo intenso nubla a visão; Czernobog, responsável por tantos infortúnios nas vidas de muitos; a chegada da herdeira... diria um acúmulo! — Ario riu, em negativa.

— Entendo o dilema! — Aldous gargalhou. — Basta tocar que chegaremos, enviarei Himeros e Hibris à sua escadaria!?

— Por favor... Não é bom que ela esteja fora da escadaria ainda.

— Problemática? — sugeriu Aldous, acompanhando-o a entrada.

— Não tanto, tem dificuldades com a casualidade. Até conseguir lidar, não pode sair. — Ario o cumprimentou, formal. — Obrigado pela ajuda, Algos. Perdoe-me fazê-lo ir a um lugar ruim, mas preciso.

À Macária, meu melhor... hoje e sempre! — afirmou em tom de oração, observando Ario partir.

— Pedirei para Irvin observar a atividade sísmica e tentar nos precisar a taxa de radão local, pai. — Chase o cumprimentou e saiu.

Aldous suspirou e riu, olhando para Sigmund.

— Pronto para isto?

Tenho que estar, mestre.

— As construções de adobe em Uzbeque são lindas... entristece-me pensar em tamanha beleza destruída... o sublime caos!

Constroem como as mastabas!?

Mastabas... as pirâmides incompletas!? — perguntou Aldous, retoricamente. — Sim, a forma de levantar as construções é parecida.

Fascinante. Adoraria ver como a construção civil evoluiu em alguns lugares que não pude revisitar — sorriu, curioso.

— Uma luva!? — Aldous riu com o canto da boca.

Sigmund sorriu, Aldous sinalizou, ali mesmo, para iniciar.

As irmãs na cozinha assustaram-se e correram, mas se tranquilizaram ao atestar ser mero lazer. Aldous manteve o menino ocupado na luva durante todo o dia, apenas para afastá-lo do ócio.

Ambos encerraram para a refeição noturna.

— Melhor, criança!? — questionou, seguindo para a cozinha.

Estou bem, mestre. O monge não está dormindo demais!?

— Não. Você deve ficar bem, o tempo que ele dorme não difere, principalmente agora que o relógio do corpo corre diferentemente.

Estou bem mesmo! Não bem como gostaria, mas bem.

— Nunca será como gostaríamos! — riu, entrando na cozinha.

— Meu pai! — cumprimentaram as meninas.

— Olá, crianças! Devem vir conosco a nona escadaria. Megalopsiquia estará só com a menina. Tomem cuidado! A herdeira tem dificuldades com o murmurar de Moros em sua existência.

— Seremos cuidadosas, meu pai — disseram.

Todos se reuniram e a refeição transcorreu tranquilamente.

— Vou ao altar pelo tempo que resta. Cuidem-se!

A horda o cumprimentou e voltou ao trabalho.

Aldous foi ao seu quarto, banhou-se e foi ao altar.

Sigmund também se banhou, mas voltou para sentar à beira do salão e observar os degraus. Recostado com as pernas dependuradas, ele dedilhou as cordas do saung aleatoriamente, até o sono levá-lo.

***

— Desejo que nunca mais pise aqui! — Sigmund ouviu uma voz feminina, carregada de ira. — Por matar tantos ao seu bel-prazer, tirando seu direito ao bom descanso, eu espero que pague muito caro!

Em meio a escuridão, incapaz de abrir os olhos, falar ou sequer sentir cheiros, restou a Sigmund só sentir a raiva ferver dentro de si.

— Não está em meu poder condená-lo tão severamente, mas o quero longe das escadarias por gerações! — A mulher amaldiçoou.

— Isso é severo, irmã. Algumas crianças partiram, eu sei... mas não deixe o pensamento nublar! — disse outra mulher, doce. — Falou com nossa irmã? Se deseja algo tão extremo, ela precisa participar.

— Acordamos seu não-envolvimento... ela não virá!

— Acordaram? Perdeu o juízo? — indagou a mulher. — Não se acorda algo tão sério! Deixou-se levar... estou decepcionada. Em nome de minha autoridade, como Guardiã das Sacras Leis, o condenarei, sim! Contudo, a condenarei também. Até uma nova líder vir... eu, Nous, guardarei a décima quarta escadaria e assumirei a liderança!

***

Sigmund despertou, assoberbado. Olhou ao redor e viu Chase, Fitz e Byron, sentados à passagem para o corredor, conversando. Delano e Aldric, trabalhando, interagiam com eles.

Olhando para os degraus, observou a barreira translúcida que o apoiava, protegendo-o de cair na fenda que os separava do salão.

A resposta de seu corpo estava lenta, como quem acaba de voltar de uma projeção. Ele mexeu os dedos, braços, pernas, num breve exercício e, após recuperar-se, apenas desejava um banho gelado.

— Estamos bem!? — indagou Chase, quando ele se aproximou.

Sim. Descuido... perdão e obrigado por impedir a queda.

Eles apenas riram, assentindo, e Sigmund foi ao banho.

Obedecendo sua vontade, a água da piscina gelou e ele ficou submerso por alguns instantes, concentrando-se para manter a mente afastada de pensamentos desnecessários.

Observando os castiçais, percebeu a proximidade da hora de sair, então não se demorou, voltou ao salão principal, onde, devagar, Laura e Latisha serviam algumas frutas sobre a mesa.

Sigmund abraçou o saung com ternura e voltou a sentar.

Aldous chegou, cumprimentando todos, parecia feliz — como era habitual, quando tinha muito tempo no altar. Todos retribuíram em uníssono e pegaram, ao menos, uma das frutas para comer.

— Vamos!? — questionou Aldous, olhando para todos.

— Cuidaremos de tudo por aqui. — Delano disse, sorrindo. — Bom trabalho, mon père, mes frères!

Ao fim, saíram mestre e aprendiz seguidos das moças e rapazes, formando um inconsciente cordão de proteção ao redor de ambas.

Na frente da nona escadaria, Aldous os cumprimentou e seus filhos o fizeram em uníssono após ele. Ario terminava de coordenar os seus, devidamente trajados e protegidos com seus relicários.

— Preciso como uma flecha — elogiou Ario. — Chamaria logo.

— Gosto de pontualidade. — Aldous sorriu. — Himeros. Hibris.

Ario as levou e voltou ao salão para terminar de preparar os seus. Com o violino nos braços, de olhos fechados, Ianos chegou próximo a Aldous, cumprimentando-o.

— Olá, chantagista! — Aldous riu.

— Meu irmão! Crianças! — Ianos saudou com meia flexão.

— As taxas de radão são altas, associamos aos últimos sismos, mestre Algos — reportou Chase. — Apesar da velocidade pequena, a taxa parece crescer. Presumimos indicar futuros sismos... não sei...

— Exótico! Radão e atividades sísmicas... — refletiu Aldous. — Infelizmente, essa não é minha melhor área — riu.

— A natureza... talvez esteja os agitando a ponto de aumentar a taxa sobre o solo... mero palpite, afinal, não é a minha área também.

— Alguns irmãos estudam fenômenos naturais. Depois digo se compõe um mecanismo ou se um gera outro por consequência.

Ario aproximou-se após enviar a horda, cumprimentando todos, em silêncio, e apontou para seguirem. Aldous pegou Sigmund e, em dois passos nos degraus, chegaram a Tasquente, sobre uma das muitas mesquitas, embelezando a paisagem.

Um homem, coberto em negros tecidos, cumprimentou:

Salaam Aleikum!

Eles retribuíram em silêncio e Ario se aproximou do diplomata.

Sigmund olhou ao redor, com uma sensação de familiaridade, como se já tivesse estado debaixo daquele belíssimo céu.

Chach!? — indagou, franzindo a testa e tirando o nome mais familiar de sua empoeirada memória.

— Não é Chach há algumas gerações! — Aldous riu, surpreso.

Não!? É o mais próximo que achei... Chach era grandiosa... — Ele sorriu, pensando na rica vida que já tivera em tempos passados.

— Ainda é... chama-se Tasquente.

— Você, tipo, lembra ainda do Ahura? — indagou Chase, rindo.

Claro, a fé de Chach, do Império. Consequentemente, minha!

— Bom, as crianças de Ahura não predominam aqui. Uzbeque tem crianças de Alá e está sob suas ordens. — Aldous explicou.

O deus de Muhammad... Jamon tinha parentesco... creio não ter demorado para sua ascensão, após isto. Organizarei as memórias e ajudo. Com o elemento Jamon, as coisas ficaram bagunçadas.

Ario aproximou-se, após a partida do diplomata.

— Segundo nosso amigo, tudo está tranquilo. — Ario disse, olhando ao redor, incomodado. — Algumas das mesquitas estão restritas aos nativos, então mostrarei quais, antes de andarem por aí.

Todos assentiram e Ario, agitado, foi à beira da mesquita para seguir observando, tentando identificar o problema.

Olhando para baixo, o fundo abismo gelou sua espinha.

Oh! Madre — lamentou. — Sismo!

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