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"Sempre que um, dentre eles, nos amar será o amor d'Ela pulsando em nossos irmãos!", ressoou o voto de Algos, na alma de Sigmund.
Sigmund acordou dentro de si, olhou ao redor e uma púrpura lua habitava o céu, banhando o cenário, outrora dominado pelas mandalas e seus ferimentos. O monge estava deitado ao seu lado.
— Monge? — chamou, desatando o nó de seu cabelo.
— Hm... Morremos? — O monge suspirou, sonolento.
— Que fixação com a morte, nossa! Como se sente?
— Sonolento, estranho — respondeu, olhando ao redor, com a visão embaçada —, estamos de volta em casa?
— Sim, as mandalas se foram... e temos uma lua. — Apontou.
— Uau! Isto é normal?
— Sim, é onde vive Algos. — Ele sorriu, saudoso. — Deixe-me ver o que o aflige... — Sentou, esparramando os cabelos no chão.
— É como seus olhos — riu, letárgico. — Por que tanto cabelo?
— Por que nenhum? — Sigmund riu, começando a verificá-lo.
***
Aldous concentrou-se em Sigmund, observando com atenção o momento em que ambas as consciências recobravam-se. Althea recostou-se com a flauta em seu colo.
— Sua recuperação demorará... aproveite e descanse! — sugeriu Aldous, observando os primeiros traços de cansaço na face de Althea.
— Tomarei um banho e uma taça de vinho, será o suficiente para renovar as forças! — disse, transparecendo tranquilidade.
— Sem galanteios, Aldous! — riu, guardando o que pensara.
Althea banhou-se e voltou ao quarto para tomar seu vinho.
Aldous a aguardou terminar para observar Sigmund novamente.
— Despertaram — avisou. — Podemos trabalhar?
— Sim. — Ela aplicou sua energia levemente. — Querida mãe — orou, retornando a máscara à forma de lágrima e dissipando-a.
***
Ao longe, o som de vidro quebrando ecoou.
— Passou!? — estranhou o monge, sentindo a súbita melhora.
— O que passou, monge? — perguntou preocupado, procurando o problema com mais afinco, sem sucesso.
— O sono. O que houve? Algo quebrou, ouviu também?
— Claro que ouvi, monge! Não sou surdo, lembra!?
— E não sou um monge, lembra!? — retrucou, corajoso.
— Crianças... podemos parar de brigar? — A voz de Aldous soou.
— Não estamos brigando! — respondeu Sigmund.
— Ele começou! — respondeu o monge, em coro.
— Ah, crianças! — O mestre arfou. — Começaremos com o monge, incitarei sua sinfonia a desacordá-lo e o acordarei, entendeu?
— É perigoso? — indagou, observando a preocupação do monge.
— O perigo já passou. Agora, ajustaremos para a existência de ambos não ser uma mazela, mas uma ferramenta — explicou Aldous.
Eles assentiram e Aldous voltou, usando energia para transmitir a Sigmund instruções ininteligíveis para desacordar o monge. Ele as seguiu com cuidado, obtendo êxito ao fim.
***
O corpo do menino arfou com o desacordar da personalidade. Althea cessou sua oração, concentrando-se para despertar Sigmund.
Ele acordou calmamente. Aldous o observou atentamente.
— Sente algo? Dor? Algum incômodo? Fome?
— Quê!? — indagou o menino, confuso pelo despertar, mexendo os dedos das mãos e dos pés que estavam levemente dormentes.
— Aguarde, Aldous — pediu Althea, ajudando Sigmund a sentar.
— Meu corpo está levemente dormente. — Sigmund suspirou. — Os olhos estão pesados, talvez pelo tempo desacordado, não sei...
— Sente fome? — perguntou Althea.
— Não... nem sede, obrigado!
O menino olhou Althea e sua palidez, traços de idade, foram substituídos por muito vigor. Era belíssima!
— Você parece diferente... é bonito! — Acariciou seu rosto.
— Não estou diferente, seus olhos estão! — riu. — Agradeço!
— Sem galanteios, criança! — Aldous riu, tirando risadas de Althea e deixando Sigmund confuso.
— Trarei a refeição. — Althea beijou sua testa. — Já volto!
Sigmund observou enquanto ela saía, mas a extrema jovialidade de Aldous tomou sua atenção, deixando-o perplexo. Ele o observou, certificando-se que não estava vendo coisas.
— Se não fosse sua energia, seria impossível identificá-lo! — pasmou. — Posso me banhar? — pediu, ajeitando-se na cama.
— Pode. Precisa de ajuda? — Aldous satisfez-se com a calma.
— Não, obrigado!
Sigmund foi ao banho, Aldous o proveu calças para trocar-se.
— Como isto funcionará? — perguntou Sigmund, vestindo-se.
— Depende do que isto significa?
— Este tal artifício que vocês têm o hábito de usar, como será?
— Instruí para adormecer o monge e instruirei para moldá-lo e adequá-lo. Doravante, alocarei no lugar certo ou ideal — sorriu.
Sigmund silenciou, enquanto lavava e secava a roupa.
— Onde seria ideal? — arguiu ao terminar e voltar ao quarto.
— Já sabe nossa condição na sétima escadaria. Garantiremos que sua voz na cabeça não o afete tão intensamente, para isso é ideal estar no canto mais profundo da alma, acessando toda a vela.
— O lugar que Sankhara Sigmund ocupa agora?
— Sankhara... hindu... — refletiu, tentando lembrar. — Certo!
— Conversamos algumas vezes. Foi produtivo, aprendi bastante.
— Serão muitas informações, logo não poderá interagir conosco por algum tempo... use esse tempo para absorver tudo com calma.
— A experiência será fascinante! — sorriu de canto da boca.
— Na reforma da personalidade, preciso de ajuda. Ele precisa ter vontades, memórias, opiniões e verdades... o quanto intervirá?
— Pouco. — Sigmund pôs a roupa na cama e sentou. — Quero que minhas memórias fiquem comigo, não vou compartilhá-las, senão ele também pode quebrar! Quero que o acesso a Bodhi limite-se a mim, até ele ter maturidade para lidar. De resto, está tudo bem!
— As memórias falsas devem terminar de sumir quando ele despertar, é possível afixá-las sem dificuldade.
— Não! Deixe o grande borrão branco... não o quero lembrando das coisas segundo vivi, mas ele não deve esquecer que algo falta e a culpa é de alguém! Isto o estimulará a abandonar estas falsas ideias ascéticas. Odeio cortar o cabelo, mas não o impedirei.
— Ser um meio morto é diferente. Sempre vivemos o ápice das sensações e sentimentos! Logo, a estratégia funcionará — riu.
Althea voltou com uma cuia de sopa numa bandeja, ela deixou a bandeja sobre a mesa de cabeceira e serviu Sigmund, perguntando-o:
— Como estamos? Desculpem a demora.
— Sabemos o que queremos e não queremos — disse Aldous.
— Obrigado pela refeição!
Althea dispôs com um sorriso, serviu vinho aos três e sentou próxima a Aldous, que a abraçou, acariciando seus cabelos.
— Após comer, como será? — indagou Sigmund, observando-os.
— Aguardaremos e trabalharemos. Após lidar com o artifício, o desacordaremos para terminar de ajustá-lo e devolvê-lo a forma que jamais deveria ter perdido — explicou Aldous, tomando seu vinho.
— Essa tal Loucura e eu... eu... melhorarei?
— Não e sim! — Aldous riu. — Ela ainda afetará, continuará difícil manter-se são. O condicionamento do monge o impedirá de agir, o que é um trunfo! Mesmo o monge tomado, será mais fácil de conter, controlar... Temos uma medida de catástrofes naturais, onde o monge está para uma leve brisa e tu, para furacões.
— Compreendo o conceito de furacão, mas nunca vi. Mesmo as tempestades em Aakash eram controladas pelos iantras e mandalas.
— Assim deveriam lidar com a manutenção dos mecanismos — sugeriu Althea. — Fascinante! Registrarei e convocarei irmãos para extraírem informações de Aakash. Isto auxiliará casos vindouros.
Os sabores da refeição estavam fortes e balanceados, agradando o paladar de Sigmund. Terminando, ele juntou-se para beber vinho.
O silêncio pairou, mas Sigmund o quebrou, perguntando:
— Os sabores estão fortes... é normal?
— Sim, os sentidos mudam. Adequamos todo consumível a nós. Lá fora, é caótico, podendo o consumo ser muito desagradável. Quando puder sair, não consuma nada — aconselhou Althea.
— Isso deve justificar a saciedade, mesmo comendo pouco.
— O apetite diminuirá, o sono será mais curto. A percepção aguçará, principalmente para o que há, além do caminho dos mortos — disse Althea. — Infelizmente, os surtos podem aumentar num primeiro momento, principalmente entre os vivos, afinal, a sangrenta cena lá fora pode se apresentar desavidamente e abalá-lo.
— Fortes sentimentos e sensações abrem os olhos. Sou muito intenso, talvez o monge possa se conter... não sei... talvez não.
— Proveremos o suporte necessário. Com a saída de Aldous, me manterei atenta a ti, como já o fazia. — Althea lhe sorriu.
— Vocês sempre falam de escadarias. Quantas são, sete ou mais? O sete refere-se a quantidade de séries de escada!?
— São catorze guardiões vivendo num lugar ligado aos degraus. Chamamos escadarias, meramente por simplicidade.
— Apesar da sacrossantidade, escadarias são um grande divisor. Socialmente, pode entendê-las como vilas — explicou Aldous.
— Compreendo... e cada uma lida com almas que se desprendem de forma específica, como no seu caso, com os suicidas passivos?
— A primeira é nossa tribuna; a segunda guia de volta os perdidos por coma ou acidentes na meditação; a décima quarta é lar da Grande Sacerdotisa dos Mortos — explicou Althea.
— A terceira guia os mortos por baixa pressão ou congelamento; a quarta, os mortos pelo sono; a quinta, os levados pela velhice ou doenças causadas pela idade. — Aldous seguiu. — A sexta leva os guerreiros determinados, caídos em combate.
— Seu vizinho, oitavo, conduz sacrificados, seja autossacrifício ou não; a nona lida com vítimas de acidentes; a décima, com vítimas de doenças incuráveis, que partem em paz; a décima primeira, os levados pela fome ou desidratação — disse Althea.
— A décima segunda guia almas destinadas à morte precoce por maldição ou vontade divina; a última, décima terceira, conduz os puros, finados precoces, como crianças abortadas — concluiu Aldous.
— Nossa, é bastante informação! — exclamou Sigmund.
— O tempo ajudará a memorizar! — Aldous sorriu.
— Como diferem uma alma suicida para um soldado em combate? — questionou, confuso. — Soa suicídio igualmente.
— Concordamos! — Aldous gargalhou. — Cabe aos sacerdotes terem sabedoria para guiá-las adequadamente. Isto se dá através de alguns processos, que pormenorizaremos em casa.
— Então, acontece de dois irem buscar uma mesma alma?
— Muito. As escadarias e as mortes vibram numa frequência específica. Uma força atrativa aproxima a G10 dos fios similares. Isso ressoa pela escadaria nos permitindo sentir a alma — disse Aldous.
— Isto não dificulta!? Deve ser difícil, a todo momento almas se despem da vida! — disse, imaginando o quão barulhento seria.
— Parece complexo, mas é um processo intuitivo. Nossa morte pode lidar com o excesso de informações... Na ordem: eu, meu general e tenentes-generais sempre sentimos e distribuímos à horda.
Sigmund terminou o vinho.
— Podemos começar? Creio que já podem trabalhar, não!?
— Haverá menos dor, logo, trabalho pouco? — consultou Althea.
— Sim, será nossa contenção — concordou Aldous, sentando à cama. — Imagino que, como iluminado, compreenda, até mais que eu, o tamanho do poder que detém sobre sua existência na totalidade?
— O Princípio da Impermanência entende que tudo pode mudar dada a mutabilidade das linhas que tecem real e irreal — afirmou.
— Nossa, Buda! É tanta luz que estou cego! — ironizou, rindo.
— Buda, tsc — resmungou, sentindo o sangue ferver de raiva.
Sigmund suspirou para se comedir. Aldous o aguardou estar profundamente concentrado para transmiti-lo o conhecimento.
— Agora execute. Só observarei para garantir que não erre!
— Claro, não é difícil — assentiu o menino, refletindo. — Crio um mecanismo para o monge estar emerso...
— Sim, a forma de máscara é para seu romper ser visível aos outros. Contudo, forma e lugar no corpo podem mudar ao bel-prazer.
— A forma é ilusão — disse, ainda concentrado.
Concentrado, sua energia revolta expandiu-se e acumulou-se na palma de sua mão, costurando uma máscara levemente púrpura.
— Preciso pô-la?
— Logo, sempre que rompê-la, precisará de um cuidado ao refazer. Estando são, ajudarei, senão fará só. Este artifício exige constante refinamento, logo sempre que o fizer, tenha isto em mente.
— Claro! Posso beber vinho? — pediu Sigmund para Althea. — Gosto da mudança no meu paladar que o tornou saboroso! — sorriu.
— À vontade. Sabe-se lá quando beberá de novo! — disse Aldous.
Sigmund agradeceu, bebeu quieto, pensando no futuro, em como seria o monge, o treino, a convivência com outros... Ao terminar, deitou na cama, segurando a máscara.
— Descanse — disse Aldous.
— Não ponho isto agora?
— Levarei seu corpo a fazê-lo! Enquanto estiver desperto não deve vesti-la. Como tentar conter o mar... é impossível, sempre vazará e causará avarias ao que for usado para tal façanha.
— Então, o estado de jhana ajudará?
— Jhana... hm... meditação profunda!? Sim, ajudará...
— Eu o faço!
Sigmund fitou o teto, respirando devagar e fundo. Com calma, fechou os olhos, aprofundando-se, a cada inspirar.
Aldous silenciou para ajudar. Ao observar o fio da vida do menino sinalizar a frequência correta, usou sua sinfonia levemente para estimular o corpo de Sigmund a obedecê-lo, como um ventríloquo, induzindo-o a vestir o artifício.
A energia revolta cessou, contida, e o braço do menino deitou.
— Impressionante! Se sobreviver, adoraria vê-lo envergar Algos. Intriga-me imaginar quem ele se tornará! — disse Aldous, olhando-o.
— Verá nos braços da mãe. — Ela lhe sorriu. — Ordenamos?
Aldous assentiu e Althea aproximou-se e iniciou sua oração:
— Que o perfume da boa morte, traga-lhe paz. Que suas lágrimas, tragam ordem ao lhe tocar. — Ela pousou a mão no peito do menino. — Permita-me, minha mãe, ver esta alma que sofre e trazê-la cura.
A energia de Sigmund expandiu-se sobre ele, projetando uma partitura, que lentamente girava, dançando no ar. Aldous observou cada mínimo fragmento minuciosamente:
— Fascinante... Quantas vidas! — riu.
Envolvendo as mãos com sua sinfonia, como se vestisse luvas, Aldous pegou sua lira, fechando os olhos. Aplicando energia, tocou uma canção melancólica, carregada de tragicidade e pesar.
A canção reverberou sobre a partitura, embaralhando-a, agitada, mas a ordenou, tornando-a, ao fim, uma nova partitura, excetuando alguns detalhes, que se mantiveram intactos.
Ele voltou a observá-la enquanto, gradualmente, dissipava.
— Então, éramos assim? — questionou Althea, retoricamente. — Definitivamente, uma bela canção! — sorriu.
— Descansarei e partirei!
— Estaremos aguardando. — Sorriu, beijando-o na testa.
— Tão perto... tão longe... — Sentou ao chão, recostado a cama.
Althea deitou ao lado de Sigmund e, da cama, acariciou os curtos cabelos de Aldous, levando-o ao sono rapidamente. Dada a preocupação com Aldous, Arri e Sigmund, o sono não foi um bom amigo e fugiu, a impedindo de fechar os olhos por toda a noite.
O primeiro a despertar foi Sigmund.
Os olhos castanhos claros evidenciaram o êxito.
Althea acariciou seu rosto.
— Bom dia, pequeno Sigmund! — sorriu. — Como se sente?
— Estou bem. Creio que dormi muito, meus olhos doem.
Sigmund sentou na cama, esticando-se.
— Ficou desacordado algum tempo, logo o incômodo passará. Sente dores no corpo? Alguma confusão?
— Sim, parece que perdi algo — respondeu, confuso.
— Perdeu algo? O quê?
— Algo dentro de mim...
Sigmund parou para pensar e deparou-se com o branco que preenchia sua mente, tentou ver além, em vão, afinal nada havia.
— Aguardarei Aldous despertar e ajudarei, tudo bem?
— E-eles... tiraram... era mentira... — disse, franzindo o cenho, derramando algumas lágrimas, com o olhar perdido. — Não vivi... Althea... nada! Os sorrisos da Ranna... os meus...
Althea o abraçou em silêncio, deixando-o chorar.
O menino abrigou-se em seus braços, trêmulo.
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