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— Como ele está? — Chase arguiu, pondo o morin khuur ao lado.
— O artifício começa a falhar. Os mecanismos dependem da renovação do autor, sem isto, começam a afetá-lo — disse Althea, preocupada. — Se demorarmos é impossível mensurar os danos.
— O pai deve estar mal! — compadeceu-se. — Sou necessário.
— Só volte para casa. Trabalhar com o pequeno será complexo. Dado o surto recente não é sábio estar aqui. Quer ajudar?
— Do que precisa? — perguntou, levantando-se prontamente.
— Eles ainda não tiveram uma refeição, pode nutri-los, por favor. Estou cansada e não posso me desgastar tão cedo.
— Sim, senhora — assentiu Chase, nutrindo-os com sua energia. — Este herdeiro terá tanta dificuldade quanto o pai?
— Não sei. É um bom rapaz, bem machucado. A emancipação da vida foi violenta, matou a mãe e monges. Falou de uma moça que lhe foi boa, eu acho. Seria bom a acharmos, ajudará. Se Aldous permitir.
— Não acredito que ele se importará. Vem se empenhando para conseguir entregar um aprendiz melhor que ele, ou, como ele diz, menos problemático. Deve demorar para permitir o contato, dado o tempo mínimo de sobrevivência para ser julgado um bom aprendiz.
— Samina, do Nepal, levou informações e deve me retornar notícias sobre Aakash. Aguardarei para comunicá-los. — Ela sorriu.
— Sempre à frente — brincou Chase —, posso lhe servir vinho?
— Somente se servir para nós dois.
Chase assentiu e os serviu. O vinho em sua taça estava menos revolto, o que aliviou Althea. Terminando, ao observar melhora em Aldous, ela removeu o efeito de sono.
— Comerei algo, aceita? — ofereceu, olhando para Chase.
— Se quiser, posso servi-la uma refeição. — Levantou-se Chase.
— Ai, criança! — reclamou, sentando-o. — Quer ou não?
— Obrigado, senhora. Acompanharei, apesar de pouca fome, compreendo a necessidade — aceitou, acanhado.
Althea o beijou na cabeça e saiu. Para aguardar, Chase foi ao altar pedir pelo bem-estar de seu mestre e de Sigmund.
***
Althea foi à Arri, num quarto do corredor médico. Gwendalyn e Eneas estavam sentados, conversando, enquanto Arri dormia.
— Meus filhos — cumprimentou —, como ele está?
Ela aproximou-se e o acariciou no rosto.
— Estável. Tratei os resquícios da Loucura e Eneas do corpo — reportou Gwendalyn. — Infelizmente, não conseguimos impedi-lo.
— Arri é jovem e amável, não se culpem — confortou Althea.
— Foram poucos danos, mãe — reportou Eneas, um grego, adulto, bem forte. — Agora, cuidaremos dos danos psicológicos.
— Obrigada, meus filhos! — cumprimentou Althea. — Estarei no quarto. Não se preocupem se eu não for à refeição noturna.
— Se precisar de algo, conte conosco — cumprimentou Eneas.
Após os cumprimentos, Althea foi à cozinha pegar uma refeição para si, Aldous e Chase, cuidando para ser algo leve; avisou que estaria no quarto e tranquilizou os "Como estão?" e "Está tudo bem?".
Serviu a refeição no grande salão, três taças de vinho, e foi ao quarto. Chase ainda estava no altar e Aldous já estava despertando.
Althea sorriu como uma adolescente apaixonada, observando-o.
Sentou ao seu lado e deitou a mão sobre seu peito. Verificou o avanço da Loucura nos primeiros instantes de consciência e felizmente, não se multiplicava, o que era um bom sinal!
Aldous pegou sua mão e a beijou, sorrindo.
— Já galanteador, Aldous? — Ela riu, acariciando-o.
— Sempre! — sorriu. — Dormi muito?
— O suficiente.
— Epifron está aqui? — perguntou, olhando na direção.
— Sim, não é uma alucinação. Banhe-se! Servi nossa refeição — disse, beijando-o na testa. — Como se sente?
— São, desperto e frágil — riu, se referindo ao vítreo artifício.
— Não fiz melhor para obrigá-lo a ter pressa. Terminando de lidar com o herdeiro, você sairá e só o levará ao voltar!
Aldous sentou, olhou para Chase com um sorriso triste e arfou.
— Adoro quando é autoritária! — exclamou, indo para o banho.
Althea o separou um quíton, deixou no banheiro e voltou ao grande salão, fechou a porta e sentou. Logo, os rapazes chegaram.
— Ao fim da refeição, partirei, meu pai — disse Chase, melhor.
— Trabalharei, sairei e, apenas ao retornar, tenho permissão de ir acompanhado do monge para casa — repetiu Aldous, rindo.
— Colocarei Pseudos para trabalhar no quarto dos aprendizes, já que não temos nenhum há um tempo. Que bom que bactérias e fungos são uma forma de vida desse plano! — Chase gargalhou.
— Sem dúvida! Como ele está?
— Péssimo. Deixei Profasis cuidando dele para vir. Infelizmente, ficar só não é possível — disse Chase, descontente, sentando. — Pior que matar um irmão é privá-lo em casa. Complicado!
— Melhoraremos! — afirmou Aldous.
Os três tiveram sua refeição em silêncio. Chase tomou sua taça, levantou e os cumprimentou formalmente:
— Meu pai! Minha mãe! Tenho um irmão para cuidar — sorriu. — Comunicarei a saída e garantirei a ordem durante sua ausência.
Aldous assentiu e Chase partiu.
— Estamos prontos? — perguntou Althea, olhando para Aldous.
— Sim, senhora — assentiu.
Ao fim de seu asseio, ambos voltaram ao quarto. Althea foi a Sigmund e o beijou na testa, centralizou o menino na cama e pôs sua mão sobre seu plexo solar para verificar sua saúde.
— Agora, os mecanismos não conseguem se reestruturar — reportou. — Numa análise recente, entendi ser preciso o autor intervir para manutenir. Concluí ser realizado diariamente, por contatos superficiais ou algum artifício em locais comuns.
Aldous sentou do outro lado da cama, observando-o.
— A falha na reestruturação lesa o elo individualidade–personalidade, impactando na interação do primeiro com a realidade.
— Se não pode controlá-lo, mate-o? — Ele arguiu, descrente.
— Aparentemente, sim.
— Pode criar uma para ele? — pediu, apontando para seu rosto.
— Julguei ser necessário... o quão frágil? — perguntou, pondo ambas as mãos do menino no peito, fazendo-o parecer um defunto.
— Pode ser frágil... não devemos despertar a personalidade...
— Minha mãe — suspirou, beijando a testa do menino.
A lágrima derramada por Althea espalhou pela face de Sigmund, formando uma máscara que ela tomou e pôs sobre as mãos cruzadas.
— Já lidará com a personalidade?
— Infelizmente, ele é o primeiro.
Althea assentiu. Concentrada, removeu um pequeno fio do menino e o ligou a máscara, dando um brilho púrpuro ao artifício.
"Criança, estou entrando", avisou Aldous no íntimo de Sigmund.
***
Sigmund observou o corpo do monge começar a desaparecer. O desespero o tomou. Quando o monge sumiu, ele ouviu Aldous.
— Onde ele está!? — arguiu, tentando conter sua ira.
— Com Althea. — A voz de Aldous estava muito distante.
— Impossível! — esbravejou. — Ele é meu! Onde ele está? — O acesso de raiva foi substituído por lágrimas. — Eu o destruí?
— Acalme-se. Sei que ele lhe pertence, mas precisamos guardá-lo para trabalhar sem causar danos severos. Por isso, não pode vê-lo. É momentâneo. — O mestre explicou, calmo. — Preciso que suporte. Sentirá dor, muita dor! Removerei metade de sua vida no processo.
— Ele ficará bem? — Trêmulo, o menino apenas se deitou.
— Ambos ficarão bem. Não serei desonesto, tentarei explicar tudo que farei, mesmo quando você parecer pouco inteligente.
— Obrigado! — tranquilizou-se o menino, suspirando.
***
Terminando de falar com Sigmund, Aldous olhou para Althea.
— Já o avisei, começamos!? — sugeriu, suspirando.
Althea pôs a mão sobre a máscara, fechou os olhos e recitou:
— Eis que atravessei o Lete e parte de meu ser me foi tomada, deixando-me dores, pesares e temores... Cheguei ao Estige e tive minhas forças renovadas, pois do outro lado, à beira de tamanha expressão de desolação, estava o doce sorriso da Boa Morte, minha mãe Macária.
Expandindo sua gélida energia, cobrindo-os e espalhando o doce perfume da boa morte. Mais concentrada, voltou a recitar:
— Prostrei-me... Não reouve minha vida, mas encontrei na morte, paz... Não reouve minhas memórias, mas encontrei na morte, recomeço... Não reouve Gaia, mas encontrei no Submundo, minha casa.
***
Concentrado, Aldous observou as mandalas com cuidado.
— Com o mecanismo danificado, vejo a extensa cicatriz causada por isso. Ao tentar se reconstruir, fere mais! A longo prazo, isso afetará sua conexão com a realidade, lhe tornando um perigo para tudo ou um inútil em estado vegetativo. — Aldous narrou ao menino.
— Desconheço o número exato. Contei vinte, mas sei serem mais. Enquanto imergindo, continuam surgindo! — disse Sigmund, tentando colaborar com o trabalho de Aldous.
Aplicando mais energia, Aldous foi mais atento para contá-las.
— Dezenove compõe a prisão. Treze parecem ajudar o monte e controlá-lo; mais treze limitam o acesso à sua sinfonia, o que incluiu limitar seu entendimento; em adição, mais outros seis limitam o monge. Desfarei os rasos. Sim, doerá. Desacordará, mas Althea o guiará aos braços de nossa mãe divina.
— Morrerei? — perguntou Sigmund, preocupado.
— Depende. Se for forte e quiser viver, morrerá um pouco — riu.
Aldous começou a trabalhar, como um jardineiro removendo daninhas de uma árvore saudável. Infelizmente, com algumas enraizadas no tronco, machucados foram inevitáveis. Mesmo todo seu cuidado, não impediu feridas, mas eram tratáveis.
***
Derramando lágrimas que espalharam pelo salão, intensificando o brilho das inscrições das paredes, Althea começou a recitar:
— Ó! Alma que queima no Estige da vida, ofereço-lhe meus braços para lhe abraçar, ofereço-lhe meu ombro para poder chorar, ofereço-lhe minha casa para repousar e minha família para que conosco, a eternidade possa compartilhar. Sou Macária, regente das boas mortes.
O cheiro do perfume intensificou em todo o ambiente.
— A vida é, de longe, a maior e mais difícil canção, uma canção que não permite segunda oportunidade, mas permite expiação. Desafinar uma vez não o impede de tocá-la com perfeição. Acredito em ti, minha criança, então toque-a com toda a intensidade de teu coração.
Falando mais pausadamente, como se cantarolasse, ela findou:
— Eis que deves escolher, atravessa o rio e junta-te a mim, se desejas viver; ou com permissão de Tânatos, meu amado e Hades, meu pai, lhe dou o eterno descanso nos Elísios, caso queiras morrer.
***
Sigmund suspirou, preparando-se para a dor dita por Aldous. Enquanto concentrado, sentiu a energia de Aldous passear. Visualmente, parecia uma névoa branca tocando as cicatrizes. A sensação do passear da névoa era bem gélida.
O menino precisou combater sua autopreservação.
A dor chegou intensamente quando as primeiras mandalas se desmancharam. A remoção dos resquícios doía como ter arames farpados sendo removidos de seu interior.
Sigmund segurou-se na plataforma, gritando. Foi um surto instantâneo. Seus olhos foram imediatamente tomados pelo rubro e suas pupilas dilataram. A amálgama de sentimentos e sensações, bombardeando-o tão intimamente, o desacordou.
***
Desfazer as primeiras mandalas foi fácil, mas remover seus resquícios se provou mais complexo. Os gritos do íntimo do menino ecoaram no quarto. Aldous arfou, tocado pela Loucura sorriu.
— Concentre-se, Aldous — pediu Althea, fitando seus olhos — É sábio quebrarmos meu artifício? Posso fazê-lo.
— Necessário — respondeu, buscando o comedimento —, mas não use a flauta, posso cometer erros estando letárgico.
— Não preciso para lhe desconcertar. Quando se ama é um dom.
A vítrea máscara partiu-se em duas lágrimas, vendo o sorriso da mulher, e se desfizeram ao deixar o corpo de Aldous. Seus olhos enegreceram e ele sorriu, suspirou, olhando para Sigmund.
— Apoie-se, não o deixarei cair — disse ela, estendendo-o a mão.
— Não posso tocar — disse com o olhar triste.
Ela olhou Sigmund, não deixando tristeza tomar sua face e orou:
— Não há, neste mundo, impureza que resista a este rio tocar. Não há, neste mundo, potência que, contra tua vontade, tua canção possa silenciar. Por uma vez mais, meu filho, recebo-o em meus braços. Alma perdida, sem propósito, que cruza o rio, receba emancipação. Em troca da pouca chama da tua vida, dou-lhe minha benção!
Althea aplicou mais energia, acariciando o rosto do menino. Tomou o fio de sua vida, suavemente, com a ponta dos dedos.
Aldous voltou a trabalhar com Althea servindo como bálsamo para a Loucura, colaborando com sua concentração.
Combater sua natureza era, de longe, o mais difícil e o mínimo deslize custaria a vida do menino.
***
Trêmulo, Sigmund acordou caído em meio a absoluta escuridão. A dor no corpo era intensa, incapaz de pôr-se de pé, ele arrastou-se, ignorando a direção dada a escuridão, almejando qualquer lugar.
— Não reouve minha vida, mas encontrei na morte, paz. — Ouviu a distante voz de Althea em coro com duas vozes femininas familiares.
— Althea... — falou baixo, cansado.
— Não reouve minhas memórias, mas encontrei na morte, recomeço. Não reouve Gaia, mas encontrei no Submundo, minha casa.
A escuridão foi substituída por um vasto deserto de areia fina, cor de chumbo, dando um aspecto mortificado ao lugar desolado. Algumas tímidas estrelas tinham o brilho ofuscado pelo rubro céu.
"Onde ele está?", ele se perguntou, preocupado com o monge.
— Ó! Alma que queima no Estige da vida...
A voz de Althea distanciou e somente as outras permaneceram, recitando os versos como um canto gregoriano.
Sigmund tentou se recuperar, mas entendendo que a dor não cessaria, seguiu arrastando-se. Após um pouco, tateou algo na areia.
Esforçou-se e ajoelhou para tirar a areia de cima do obstáculo, que se revelou o monge. Desacordado, ele tinha muitos cortes.
O alívio junto a dor o levou às lágrimas.
— Precisa acordar, não consigo levá-lo — chamou, sacudindo-o.
A personalidade permaneceu imóvel, incapaz de ouvi-lo e sem sinais de consciência, como um fantoche inanimado.
— Precisamos ir, seu monge inútil! — repetiu algumas vezes.
Após muito insistir, frustrado e irado, Sigmund socou a areia.
— Por que está fazendo isso comigo? — gritou, esvaziando os pulmões. — Monge... preciso que acorde... não consigo viver — implorou, ofegante, com soluços entravando sua voz.
O som de do mar se fez ouvir. Olhando na direção, uma grande onda se aproximada. Silêncio o tomou e ele o coração desacelerar.
— Pode vir... — Sussurros partindo da torrencial o chamaram.
— Não vou a lugar algum sem ele — vociferou.
— Se ficar, morrerá!
— Se for, minha parte viva morre. Não tenho como justificá-la a perda do monge, após ela fazer tanto por mim... por nós!
— Se ficar, só lhe restará sofrimento.
— O que me restará indo!?
— Há uma bela vida para se viver longe daqui. Uma vida mais próspera, de liberdade, podemos reaver tudo o que perdemos e mais.
— Luxúria e seus derivados não me agradam. Descobri um novo prazer e me basta! Se sofrimento é o que me resta aqui... é muito mais do que receberei indo. Acostumei-me e aprendi a gostar.
— Sei como foi ser tocado pelo sacerdote... Posso dar mais...
— Sei ter mais, não sou estúpido. Sou Sigmund, destruía a falsa visão do Eu, a dúvida e meu apego a dogmas... os grilhões da luxúria e ódio são diminutos, quase imperceptíveis, já atingi o não-retorno e voltei... porque sou Sigmund! — disse com uma tênue luz avermelhada cobrindo o corpo.
— Os grilhões da luxúria e ódio são maiores que pensa, criança...
— Porque quero! Bodhi é irreversível. Eu o combaterei sempre, para ninguém repetir os feitos de Ketu... para não ser instrumento de castração! Enquanto houver imortalidade em minha alma, o farei.
Sigmund suspirou, resistindo a dor lancinante que tensionava seu corpo. Determinado, pegou o monge, abraçando-o com a cabeça na direção contrária da água.
A grande onda continuou a crescer conforme se aproximava.
"Se morrermos, lembrarei que o amei, meu eu", sorriu, expandindo e condensando sua energia, criando uma muralha ao seu redor.
A onda quebrou, estridentemente, em meio ao silêncio. Sigmund tensionou o corpo para diminuir a possibilidade de soltá-lo.
A água espessa de cor escura chocou-se contra a muralha.
Bastou o contato da água com sua sinfonia para os resquícios das mandalas dissiparem num instante, causando-o dor a níveis inenarráveis; arrancando de seu íntimo tudo que não lhe pertencia.
A muralha desfez, dada sua incapacitação, o imergindo no espesso líquido e arrastando-os por uma longa distância.
Sigmund manteve-se agarrado ao monge — felizmente, a tensão da dor propiciava —, manteve os olhos fechados enquanto a sensação de afogar-se junto a muitas presenças o acometeu.
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