Prefácio
"Dezenove anos... Foi o tempo necessário para chegarmos onde chegamos. As influências de Algos sobre nós, no momento, são mais intensas. Ela é selvagem e esse é seu maior encanto. Criatura rubra que vive nos céus das escadarias e no íntimo de nossa alma.
Chegar aqui não foi fácil. Não somos dotados de virtudes invejáveis, mas, para nos conhecer, precisamos voltar dezenove anos.
O tempo em que não conhecíamos o valor da virtude de ter o céu sobre nossa cabeça, mesmo sempre admirados pelo brilho das estrelas.
O tempo em que meu... nosso... corpo prematuro, não suportava suas... nossas... muitas capacidades.
O tempo em que nossa visão de realidade era ingênua e ainda não percebíamos o quanto a vida é desnecessariamente pífia, vulgar...
Nunca imaginaríamos, há dezenove anos, que um lugar surreal seria nosso lar ou que guardaríamos com real amor, não somente o lugar, mas, as pessoas, nossos filhos que vivem sob nossas asas.
Talvez não conhecer Escher, naquele momento, seja o motivo de nossa falta de imaginação; pode ser mero devaneio, mas Escher fez um bom trabalho, talvez inspirado pelos ventos da Boa Morte em sua vida.
Sem devaneios... nós... Não há tanta complexidade em nossa vida.
Uma infância difícil!? Não tanto, dada a velocidade com a qual tudo se resolveu. Comparando-nos às crianças vivas, hoje, em plena década de oitenta, podemos chamar nossa infância de feliz e agradável.
Dizem que as almas carregadas por Macária são privilegiadas. Uma alma apadrinhada, abraçada por Ela, está algumas vezes a frente de somente privilegiada... exprimir quanta sorte temos, quão abençoados, ou sabe-se lá qual adjetivo usar, é impossível.
Uma adolescência difícil!? Nem um pouco. O treinamento pesado foi lapidação. O trabalho com almas, sim, foi difícil. Ainda é!
Contudo, não mudará, almas seguirão em putrefação indeterminadamente. Sempre que duvidei da capacidade humana de piorar, eles superaram minhas expectativas, acredite!
Pouco há em nossa história para ver ou contar, afinal, não houve um momento, antes de nosso real voto de devoção à Ela, em que vivemos.
Iluminado! Diziam, mas essa luz ajudou quando precisamos?
Sábio! Pasmavam, mas quanto buscaram entendimento para se aprimorar em tal sabedoria, como fétidos vivos que eram?
A mãe divina diz: "Não precisa amar a vida para cuidar dela.", essa fala ecoa em nosso íntimo diariamente, contendo anseios genocidas, removendo loucura de nossos olhos e preenchendo-os com melancolia.
Somos um cão que as donas seguram com força, impedindo de atacar todos que se aproximam... tsc... sempre fomos... sempre seremos!
Temos quem proteger e atacaremos ao mínimo sinal de ameaça. Por nossas mães: a divina, primeiro; e a que, por bem-querer, assumiu responsabilidade por nós quando críamos não precisar... ou querer.
Houve um ponto da vida onde nos sentimos odiados, indesejados, expurgados. Os impactos dessa fase dolorosa ainda ressoam em nosso ser, é inevitável — parte de nós. Gostar de sofrer é uma inefável característica nossa, foi assim com o mestre de nosso mestre, com nosso mestre, é assim conosco e, com certeza, o será com nosso sucessor.
Compreender a dor como ferramenta do crescimento e da evolução é apenas o Princípio do Sofrimento. Amar a dor como se ama uma esposa é parte de carregar a essência da doce Algos em nosso íntimo.
Como não amar?
Aquela que entrega expurgo, prazer e evolução ao mundo.
Somos... filho. Devotos e leais às mães. Apaixonados por Algos.
Conhecer nossa vida não será suficiente para entender o complexo de verdades compondo nossa alma. Há muita filosofia em nossas veias, surrealismo em nossos sentimentos, melancolia e lascívia nas palavras.
Nenhum fato de nossa vida é verdade; nenhum de nossos insanos anseios é mera fantasia... não há barreira separando real e irreal.
A esfera das possibilidades é o céu que envolve nossa casa; sonho e realidade são o chão onde caminhamos, são os degraus que flutuam lá fora, segurados pela força de nossa divina mãe: Macária.
Uma superstição diz haver um degrau para cada alma existente. Pelo que vimos, diríamos haver um ponto de verdade nisso. Quem sabe um dia, tomados por Loucura, consigamos contar um a um... De todas as citações, essa é nossa favorita, pelo simples fato de nos despertar uma curiosidade digna dos breves tempos de menino.
Em Burma, se pregava tolerância e humildade em todo lugar, se respeitavam as antigas lições com afinco e, se preciso, com força. Toda criança de Algos lida com um infortúnio religioso e isso despertou sede pelo sangue theravada em nós. O tempo nos ensinou a odiá-los mais, contudo, nossas donas mantêm as rédias bem curtas.
Não pense mal, as rédias são necessárias.
Nossa mãe carnal nos diz que a qualquer momento podemos partir, mas jamais iríamos. Nossa mãe divina diz que não devemos nos sentir presos, mas sabemos que somos mais eficientes — e um filho melhor — enquanto presos, mesmo que os grilhões partam de nosso imaginário.
Não há nada que você pense que não possa se materializar!
Renascer como uma criança do Estige, meio morta, expandiu nossa percepção do todo. A palidez, substituindo a pele queimada pelo sol de Burma, deu ao corpo capacidade para suportar o peso da pouca vida restante; deu aos olhos, capacidade para ver além da vida e, por trás das cortinas, julgadas belas pelos humanos, há um cenário terrível.
Cenário destruído por guerra, fome, ambição e corrupção. Enquanto os olhos vivos não veem, isso se alastra como uma praga, mas, ao fim da devastação, a desolação não escapará dos olhos vivos.
Ajoelharão com as mãos na cabeça e indagarão: "O que fiz?";
Chorarão e afirmarão: "Não há motivos para isto me acontecer.";
Alguns, mais insanos, sorrirão: "Finalmente, o fim chegou!";
Os mais lúcidos seguirão, tentando cumprir seu papel de "bons samaritanos", tentando dar salvação aos muitos que negam buscá-la.
Os corruptos devorarão lúcidos, chorões e arrogantes... Os insanos comporão a sobremesa e, depois, se consumirão reciprocamente.
Um canibal ciclo de gula. Intrigante. Literal ou não, fica a cargo de quem ler. A literalidade é como a esfera da possibilidade, vive entre as linhas que separam as frases, alternando-se na realidade das letras.
Quando os vivos conseguirem observar a desolação, felizmente, não será tarde. Será o momento de sangrarmos para evitarmos que ela nos engula... evitar que retornemos para o interior de Caos.
Sangraremos todos e, infelizmente, incluo minha mãe divina.
Felizmente, ainda não ocorreu, talvez vivamos para saber o que sucederá. O curto tempo de vida pode impossibilitar — lastimável!
Pela fatia de culpa que os vivos carregam, por causarem lágrimas e dor às nossas mães, queremos observar o momento que sangrarão... vê-los gritando, sofrendo em coro, a mera menção nos arrepia.
Lascívias à parte, a história de quem fomos antes de ser quem somos é pouca, talvez muita... a Loucura tomou o senso de tempo...
Os devaneios cantados pela sinfonia de nossa alma tocam poucos, mas, com fé, ressoarão e os transmitirão um pouco da insana sabedoria.
À Macária, nosso melhor, hoje e sempre!
Que a Boa Morte esteja lá, em seu último suspiro.
Algos, Sigmund."
***
Esta é uma obra de ficção que usará alguns fatos históricos.
***
Por toda ignorância, intolerância, corrupção e ódio...
Toda sabedoria, compreensão, amor e perseverança...
Em nome de todas as mães e pais amorosos e responsáveis
E em nome de todas as mães e pais que não merecem viver.
Pelas crianças mortas, maltratadas e abusadas diariamente,
Por todas as mães e pais assassinados pelos próprios filhos...
Por todo estranho irmão que se julga divino
O suficiente
Para tirar a vida de outro...
Em nomes das avós e avôs que penaram na escravidão da vida...
Por todos os brancos, negros, amarelos
Que se digladiam como animais,
Crendo em algo como superioridade racial...
Por todo o ódio que vem suprimindo a vida e o amor...
Por todo amor que padece numa tentativa
Desesperada
De tocar o coração de, ao menos, um...
Por tudo que há de mais terrível,
Por tudo que há de mais belo.
Por tudo que há de mais santo,
Por tudo que há de mais obsceno e blasfemo.
Pela natureza que sangra e chora, abandonada, deixada de lado.
Isto é Algos.
Inspirado nas mais belas visões que tive da humanidade
E nas mais terríveis cenas que vi, vivi e sonhei.
***
Algos é parte de um grande enorme.
Por me encorajar e crer em mim, deixo os agradecimentos:
Ao meu esposo e melhor amigo, Carlos F. Nogueira;
Ao meu amigo e irmão, Denis Moura S.;
Aos meus leitores assíduos, irmãos de África: o poeta Jokano Albano e o escritor Nelito Miguel.
Sem vocês, Algos nunca teria existido e não pulsaria vivo no seio da Literatura... Sem vocês, o sonho de escrever jamais seria cogitável.
Aos leitores, leiam com sabedoria e discrição.
Sejam felizes; cuidem de si e do outro!
Nunca deixem que a corrupção da vida,
Intervenha na sua capacidade de fazer o bem.
Sempre optem por somar na vida do outro,
Jamais se esqueçam que ninguém tem o poder
De lhes dizer quem devem ser.
Nunca se permita.
Sempre seja!
Viva!
Ame!
Att. Raquel Souza.
***
Bom, voltemos dezesseis anos na história de Sigmund...
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