Epílogo I
Saudações,Futuro Eu!
Saudações, futura encarnação minha!
É com pesar e gozo que escrevo. Queria estar lhe escrevendo para dar boas-novas, mas sinto dizer que esse não é o cunho da conversa.
Numa breve estrofe, posso resumir minha situação como caótica e levemente deplorável. Estou momentaneamente satisfeito com os poucos esforços que realizei em nome da sobrevivência... até tu.
É amargo lidar com a derrota e, caro eu, deixando meu ego de lado pela primeira vez, confesso que perdi as guerras: interna e externa.
O conflito interno vem se estendendo por tempo demais e só percebi estar perdendo recentemente. Infelizmente, muito tarde para isso!
Antes de ser totalmente envolvido pela insana sinfonia caótica, há pontos que precisam de esclarecimento, ou, talvez, apenas necessitem ser levantados para tentar dar-lhe mínima paz, amenizar sua confusão.
Se encontrou Roxx, a moça dos olhos como os teus, e ainda não teve contato com os sétimos, quero pedir-lhe calma. É cedo e os eventos começarão a se suceder numa velocidade difícil de acompanhar.
Encontrá-la entre os vivos indica que um grande e agressivo evento ocorreu onde vivia, possivelmente ceifou muitos dos seus amados, desencadeando um surto precoce, talvez o mais intenso de tua vida!
Primeiramente, ofereço minhas condolências.
O luto é complexo e lidamos muito mal, afinal o que amamos deveria, como nós, ser imortal, contudo o destino segue ceifando-os...
Talvez esteja pensando algo similar. Respire. Bem fundo...
Pode lembrar de todos, mas nem sempre lembrarão de nós; afinal, lembramos por uma divina condição que custou e custa cotidianamente.
Quando a consciência não lembra, não significa a perda da memória. Almas, ao se despir da vida, lembram de tudo lentamente e as boas lições aprendidas através do amor são eternalizadas.
A morte não é o fim de nada, querido eu... com o tempo aprenderá que o fim é condicional e se dá apenas àquilo que se permite. Mesmo na natureza, não há. O fim é ilusório, mentiroso e sua mera menção é melancólica e dolorosa... jogue teu conceito de fim no esquecimento.
O momento para receber afago ao seu coração chegará.
Peço-lhe para confiar em Roxx, ela é uma alma doce, leal a nós e jurou nos proteger aqui, sabe-se lá quanto tempo antes de teu presente. Confie! Apesar de estúpido, sou tudo que tens, além de Roxx e Macária.
Tua vida mudará de hoje em diante; presumo que o contato com a Loucura foi intenso, diga a Algos que as incidências diminuirão a longo prazo, mas a intensidade permanecerá. Não melhorará, não mudará, há muito em nós que nunca mudou porque opção. Respire fundo, caro eu...
Logo aprenderá que muito podemos realizar por deter poder... Espero que as próximas páginas mostrem que nem tudo devemos fazer. Então, abandone as não sandices que o luto impregnou em tua mente.
Ao terminar de ler, devolva o japamala à Roxx, ela lhe entregará após um evento que ocorrerá em alguns anos. Até lá, peço-lhe paciência e calma, discipline-se, torne-se dono de si mesmo. Sei que consegue!
O luto apenas passará quando aceitar e abraçar a compreensão.
***
Se está lendo isto antes do desafio de Allatu, temos problemas.
Possivelmente, são muitos surtos. Os sacerdotes creem ser uma anomalia na Loucura, causada por Bodhi, e os sétimos não têm descanso há algum tempo. É um cenário pior do que onde estou.
Afirmo-lhe: é impossível louca sabedoria intervir tão mal em nossa estabilidade; do contrário, os surtos são abrandados por Bodhi.
Também lhe afirmo: está vivendo uma queda pior que apenas a queda no abismo da Loucura de Algos. Mesmo para Bodhi há corrupção e se recuperar disso é delicado... com poucas chances de sucesso.
A dor seguiu se acumulando e mesmo meus esforços para diminuir não frutificaram tão positivamente a ponto de permiti-lo estabilidade.
É crucial que, agora, meu caro eu, pense em tudo o que se sucedeu em tua vida; destaque aqueles que lhe fizeram sorrir, mesmo uma única vez; concentre-se somente nos momentos em que sorriu.
Eles podem ter partido, mas nunca, jamais, se sinta abandonado por algo como a mortalidade acometer os teus; é parte de tudo que vive.
É possível lidar com o luto, lembrando-se que milhares de vivos, mortos, meio vivos, existem e podem compôr o secto dos que cremos amar; lembre-se que os nossos sempre desejam que amemos novamente.
Para lidar com toda a dor que o fez explodir e estar em queda, ofereço duas escolhas: seja honesto consigo e comigo, seja honesto com os teus e decida-se baseando-se numa breve autoanálise.
Cair significa a morte dos teus; mesmo os que partiram, chorarão lágrimas de sangue ao sentir um amado destruindo as flores que achavam belas, manchando o céu que os banhou.
Se sente indiferença, busque Epidotes, ele findará teu sofrimento, dando descanso para tua cansada e castigada alma; peça ajuda para falar com Algos, Epidotes saberá como explicar que você não pode viver.
Use o resto de tristeza como combustível para fazer o necessário!
Se teus olhos ainda vertem melancólicas lágrimas mediante a afirmativa que elaborei, é possível salvá-lo, caro eu; mas custará.
O japamala que Roxx entregou carrega toda a minha dor.
Há duas encarnações, nos afastamos das virtudes e rumamos a outra direção, pois, virtudes já não nos vestem bem. Infelizmente, a transição está sendo caótica, regada a insanidade... crueldade... frieza... às vezes, apatia... e sangue. Com os pecados que cometi, tudo piorou!
Criei esse artifício para evitar que minha dor tocasse outras encarnações. Infelizmente, por seu caso, julgo que não foi o suficiente.
A fortuna foi negativa e o acúmulo foi provavelmente excessivo.
Neste caso, precisa destruir o japamala. Precisará de Epidotes e da Grande Sacerdotisa Viva, mostre o japamala e eles saberão o que fazer.
Prepare-se. Seja forte!
É um pedaço de nossa alma e doerá muito, talvez desencadeará seu surto mais intenso — talvez, nosso surto! A reabilitação será lenta e precisará de paciência consigo, como nunca!
Em meio a reabilitação, esforce-se para apreciar tudo que há de belo na vida e na morte. Esforce-se para aprender algo que gosta, uma música, uma receita culinária, um livro... gradualmente, aprenda a gostar de traços de personalidade alheios, de cheiros e sons... Ajudará!
Não se torne isso... Friso que não caí, logo não lhe dou direito de fazê-lo. Há muito a preservar, a crer, muito a ser... Creia!
***
Se está lendo isso após o desafio de Allatu, o cenário positivo que tanto almejo estrutura-se em teu futuro. Que Macária seja louvada!
O momento de desculpar-me, caro eu, chegará.
Congratulo pela vitória; espero que tenha feito teu oponente gritar, ou que, ao menos, tenha ficado satisfeito com a sinfonia que tocaste.
Presumo que o momento de regozijo findou há pouco e decidiu lidar com essa pendência antes de seguir tua vida como Allatu. Sábio!
Gozar da vitória dá forças para novas conquistas, mas cuidado. Allatu acabou de unir-se a ti, não preciso dizer que o excesso do gozo pode levá-lo a cometer desnecessárias transgressões.
As influências de Allatu alimentam a sensação de superioridade da qual fujo. Sensação bombeada para nós, a mando da insana sabedoria.
Mesmo deixando as virtudes, o egocentrismo não partirá. Talvez o descanso tenha apaziguado a arrogância e prepotência, o que seria bom.
Precisará ater-se e estudar-se com cautela doravante.
A Loucura de Allatu é silenciosa, traiçoeira; comunica-se com o sadismo em nossas veias, travestido de luxúria. Isto é perigoso e pode levá-lo a ferir os teus. Novamente, tome muito cuidado!
Peço para individualidade se ater a quaisquer instabilidades, nosso autoconhecimento nos guia a crer que tudo está sob controle sempre...
Com a Loucura de Allatu cobrindo os veios da Loucura de Algos, o controle escapa e prepotência propicia descontrole, surtos, quedas.
Escrevo, querido eu, especialmente para ti. Estou enlaçado numa guerra que visa, primeiro, o bem-estar do povo, que, hoje, chamo de meu.
Inicialmente, era egoísmo, falso heroísmo. Agora, precisamos não ser heróis e salvar o povo do mal, mas ajudar nosso povo a se ajudar.
Para ti, querido Allatu, há dor nas contas que está olhando agora.
Precisa beber dessa dor, tomá-las seguidamente. Dê uma breve pausa entre uma e outra, mas, antes de fazê-lo, precisa terminar de ler.
Além da proteção à alma de Roxx, escrevi confissões, pecados, tristezas, decepções, tudo que me dá raiva... o motivo do meu pranto!
Talvez seja mais fácil lidar estando ciente do conteúdo das contas, talvez o sabor seja mais agradável, ou mais tragável, não posso afirmar como receberá essa parte de ti. Novamente, sei que consegue!
***
Algos Jamon, o Ponto de Ruptura
A primeira conta, caro eu, carrega o nome Jamon, o ponto de ruptura. Não porque sou o princípio, mas sou a encarnação seguinte a que estivemos mais próximos de uma queda. Deixe-me introduzi-lo.
Deve lembrar de algumas encarnações em território aquemênida.
Era comum. Sempre nos acolheram; logo, a junção do conforto com a sensação de sempre devê-los algo nos levou a retornar muitas vezes.
A última visita foi complexa; não conseguiu abdicar da arrogância cuspida em nossa face pelas virtudes. Tínhamos dificuldades, afinal era uma natureza instável e dominadora enfrentando guerras territoriais.
Os primeiros anos de vida foram conturbados. Ali, já estávamos fadados ao erro! Foi uma peça muito bem pregada pelo destino. Tornamo-nos soldados do Império e o exímio desempenho rendeu louros.
Éramos divinizados, como habitual, mas gostamos de forma muito particular. Num resumo: tudo que domina aprecia a submissão.
Vivemos conjuntos de dias. Regados a glória, ego e luxúria!
Justamente por isso, ocorreu o primeiro contato com uma criança do Estige e conhecemos Macária. Epidotes era bela, iluminada como nós.
Apesar de grilhões a prenderem a uma divina, ela foi digna de respeito no primeiro contato. Aproximou-se para nos alertar da queda.
Sabíamos o que era, mas era incabível, em nossa mente, algo como perder o controle! Apenas porque éramos fortes — prepotência. Ela não insistiu, afastou-se deixando-nos avisados que nos encontraríamos.
Ascendemos no Império e a queda iniciou com cinismo, travestido de altruísmo: "O povo precisa... Se sou eterno, eles serão... Tudo conquistaremos!" e se tornou: "Sendo Imperador, eternizo o Império!"
Lembra-te de Epidotes? Encontramo-nos de novo ao morrer.
Fomos sacrificados pelo Imperador em nome do crescimento do Império. Obviamente, algo muito insatisfatório que nos preencheu com um ódio que nem consigo sentir hoje. Mergulhamos na sede de vingança e as ambições rapidamente auxiliaram a aumentar a impetuosidade.
Epidotes foi quem nos buscou. Ela nos prendeu e trabalhou para nos devolver razão o suficiente, nos possibilitando conversar. Visitou-nos periodicamente, tentando nos reabilitar com toda calma e paciência.
Demorou, mas ganhamos meia liberdade; podendo transitar em alguns degraus, longe dos degraus de acesso dos sacerdotes para não contaminá-los com o sangue que tomou todo o corpo.
Nos passeios, conhecemos a jovem criança que Macária vestia.
Pudemos conversar muito e suas palavras sempre reiteravam as palavras de Epidotes. Ao fim da vida de Epidotes, voltamos ao ciclo. Receando o contato com os vivos, pedimos asilo e Macária nos deu.
Logo, Algos Jamon.
A encarnação que sucedeu essa insana vida. Esta conta tem Jamon cravejado porque sou mero subproduto daquele homem repugnante.
Criar o japamala foi minha saída para cumprir os desígnios de Macária, que logo esclarecerei, mas também para nos salvar de mim.
Se nada elaborarmos, é perigoso. Guerras são mais fáceis quando não são internas, o maior inimigo somos nós e, infelizmente, eu perdi.
Nesta conta, devolvo-lhe as memórias dessa encarnação.
Tudo. Bom ou ruim. Virtude ou transgressão.
Recomendo agarrar-se ao que já construiu de si para não se perder.
Se tivesse que atribuir um pecado a essa conta, o chamaria pecado da divina corrupção. É o que nos guiou a perverter, demonizar a louca sabedoria e aplicá-la por mero egoísmo e sede de poder.
O que colaborou com todos os pecados ao nos manter cegos, confortáveis à cegueira, apáticos aos erros, indiferentes aos outros.
Seja prudente e nunca se torne esse homem. Isto nos corroerá por muito tempo. Eu, que carrego memórias, sinto asco desse homem.
Nunca se permita!
***
Roxxanne, a Salvação no Deserto
A segunda conta, carrega o nome Roxxanne. A mulher que me carregou no deserto por muitos dias, poupando-me de ferir os olhos com a luz, poupando-me de ferir os pés com a areia quente.
Irmã, mãe, amiga... Roxx é, de longe, a mais nobre alma que já conhecemos, até então! Ela sempre confiou em nós... mesmo ao mentir ou omitir. Nunca duvidou de nossas palavras... com ou sem vilania.
Quando a mãe morreu, Roxx prometeu cuidar de nós e nos amar sempre. Honestamente, ela foi além, mas fomos ingratos, somos. Suas manifestações de amor foram interpretadas como serventia a um divino!
A arrogância... o egocentrismo; nos guiaram a diminuir sua doçura a algo tão frívolo como temor. Nunca foi o poder que detínhamos... ou sabedoria... ou divinização. Sempre foi amor e correspondi torpemente.
Não repararei, pois, ela carregará algo por gerações e doerá muito, mas deixo a lição: há leis regendo agápe, pragma, storge, philia, eros...
Leis que não pode quebrar ou desrespeitar. Obedecê-las não é apenas manifestação de empatia, mas também preservar quem ama.
Estive com Tânatos e Macária. Usufruindo do incomum encontro, lhes pedi algo e, em troca da lealdade incondicional a Macária, temos a chance de dar um descanso para Roxx nos Elísios.
Em nome do zelo, pelas leis do Amor, por eles, quero pedir-lhe para permiti-la descanso. Ela é formidável; sei da vontade inabalável, força imensurável, mas Roxx não é guerreira e meu erro foi forçá-la a ser.
Após tanto ansiar nos encontrar, carregando parte de nossa dor, ela merece. Se decidir ouvir-me, procure a Grande Sacerdotisa Viva, ela é quem se encarregará disso.
Esta conta tem Roxxanne cravejado, pois, carrega toda a dor e amargor do arrependimento que sinto por ser tão negligente com aquela que abdicou de si por mim. Espero que não nuble tua visão, querido eu...
Não permita acontecer!
Devolvo as manifestações de amor pervertidas por nosso olhar... as mentiras, omissões e manipulações, que levaram à sua alma lágrimas, apesar do sorriso no rosto. A tristeza por guiá-la a abandonar o seu divino para seguir Macária somente para concretizar meus anseios.
Se tiver uma Roxx em sua vida, querido eu... Jamais cometa o erro de duvidar de seu amor, jamais a observe como inferior. Pessoas assim são mais fortes do que jamais seremos, pois, independem do poder!
Se tivesse que atribuir um pecado a esta conta, o chamaria: cegueira consentida, parelhamento assentido, é como o pecado de Narciso, com doses cavalares de toxicidade àqueles que me rodeavam.
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