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Reabrindo a ferida

Elizabeth disfarçou a tontura que sentira para não assustar Darcy. O calor do dia, a pressão do espartilho, a gravidez e sobretudo a insinuação que seu esposo acabara de fazer sobre um enfrentamento com Wickham a abalaram. Tentou persuadi-lo à mudar de ideia:

— Will, não vês que o que dizes não tem o menor cabimento? — dizia enquanto sentava sobre o leito, buscando reencontrar o equilíbrio — Passou um longo período desde que Georgiana e Wickham flertaram, e já não há porquê remexer o passado. Na carta que tu próprio escreveste, deixaste bem claro que se este incidente viesse à público, poderia macular a imagem de tua irmã. Apesar de infundados, surgiriam comentários de que ela havia sido deflorada, quiçá que estava grávida!Conheces bem a malícia das criaturas infames.

— Ainda assim, não sei se agi corretamente na época. Talvez devesse tê-lo desmascarado de uma vez. Veja só: ainda hoje este absurdo envolvimento permeia nossas vidas. — falava Fitzwilliam, mais para si mesmo do que para a esposa. — Esta história voltou, como um fantasma que ressurge das trevas para nos assombrar. Sr. Phillips ouviu tudo. E se ele disser algo comprometedor? A honra dos Darcy será manchada agora da mesma maneira que poderia ter sido tempos atrás.

— Acredito que o Sr. Phillips nada dirá a esse respeito. É um funcionário antigo e confiável, não há porquê temer quanto a isso. Peço-lhe apenas que não haja sem pensar, nem tampouco sem me consultar. Eu, Georgiana e nosso filho precisamos de ti aqui, e não revivendo um passado que não convém a nenhum de nós. — pediu Lizzy, levantando-se e tocando as mãos dele.

Darcy abraçou-a com ternura. Ele sabia que necessitava reavaliar a questão até chegar à uma conclusão definitiva.

                                                                                                ***
Elizabeth dormira tranquilamente a tarde inteira. Fitzwilliam velava seu sono, enquanto tentava retomar o controle emocional.

Nunca ele poderia supor que Georgiana havia cogitado fugir de Pemberley e partir para longe de si. A carta evidenciava que ela desistira da tentativa a tempo, mas saber que sua irmã pensou em ir embora com um aproveitador magoara-o profundamente.

Acariciava o rosto adormecido de Lizzy, quando duas leves batidas na porta interromperam seu gesto e seus pensamentos. Decidiu atender ao chamado, para que o som seco da madeira não interrompesse os sonhos de sua amada.

Abriu a porta, deparando-se com o semblante levemente e enrugado da Sra. Reynolds:

— Sr. Darcy, o jantar está pronto. O Sr. quer que sirva-o agora? — indagou a governanta, submissa.

— O jantar?! — Fitzwilliam surpreendeu-se, consultando o relógio de bolso. — Sequer dei-me conta que havia transcorrido todo este tempo.

— Veja: a penumbra já invade o ambiente, Sr. — constatou a governanta, referindo-se às sombras que já tomavam forma no dormitório.

— Sim, tens razão — olhando em sua volta — Distraí-me, apenas... Quanto à sua pergunta: sim, sirva-nos, por favor.

— Com licença, Sr. - disse a serviçal, saindo da presença do patrão.

Darcy fechou a porta e voltou para perto da esposa. Seria com pesar que acordaria Elizabeth, mas era necessário. Ela e o bebê que ela gerava precisavam alimentar-se bem.

                                                                                              ***
Fitzwilliam e Lizzy cruzaram com Georgiana no corredor. Elizabeth, percebendo a tensão, comentou:

— O aroma está tentador, não acham? — referindo-se ao cheiro da refeição.

— É verdade, Lizzy — respondendo a cunhada observando a reação do irmão, que para sua decepção, desviou o olhar.

— Então não percamos mais tempo. Melhor descermos antes que o jantar esfrie. — argumentou, num tom de voz frio.

As cunhadas trocaram um olhar de frustração. Ambas esperavam que Darcy tornasse a ser carinhoso com a irmã, mas a mágoa pela antiga/nova revelação era evidente.

Os três desceram as escadas sem tecer mais comentário algum.

                                                                                              ***
Nem mesmo o calor dos apetitosos alimentos fora capaz de derreter a frieza de Fitzwilliam. Lizzy e Georgiana trocavam uma observação ou outra, enquanto ele mantinha-se trancado à sete chaves.

Em determinado momento, Elizabeth cansou-se de fingir que não incomodava-se com a indiferença do marido, e decidiu encarar a situação de frente:

— Darcy, se não queres participar da conversa, não o faças. Entretanto, não há necessidade de portar-se deste modo tão distante. Ninguém aqui o ofendeu de modo algum, então não vejo necessidade para tal comportamento de tua parte. — recriminando a birra do marido.

— Como o Sr. desta propriedade, eu me comporto do modo que melhor me convém. Não faço a menor questão de ser agradável, se é o que desejas. — retrucou ele, sem fazer o mínimo esforço para agradar.

Elizabeth preparava-se para dar uma nova bronca, quando Georgiana decidiu que era chegada a hora de revelar sua atual intenção:

— Percebo que, mesmo de modo não intencional, atrapalho o relacionamento dos dois. Assim sendo, proponho passar uma temporada longe de Pemberley, até decidirem se irão querer-me aqui novamente. Ou nunca mais. — sentindo um aperto no peito de antemão.

Darcy e Lizzy fitaram-se, posteriormente transferindo o olhar para Georgiana. Não esperavam ouvir uma proposta como aquela.

                                                                                              ***
— Como podes cogitar algo assim, Georgiana? Tu também és dona de Pemberley. Não permitiremos tamanha insanidade, não é mesmo, Will? — buscando o apoio do esposo, que para sua surpresa, não veio. Lizzy insistiu, incrédula — Não é mesmo, Darcy? — subindo o tom, irritada diante da indiferença dele.

— Estou convicto de que a nossa tia Catherine a receberá com imensurável satisfação. — levando o talher à boca, forçando indiferença.

Elizabeth, jogando o guardanapo que repousava em seu colo sobre a mesa, rebateu:

— Sua irmã quer passar um tempo longe de casa e tu respondes com essa naturalidade?! — rebateu, indignada.

— Que queres tu de mim? Ao menos dessa vez ela pretende partir sozinha, o que por si só já denota alguma evolução. — cruelmente reabrindo a ferida.

Georgiana não aguentou a pressão e correu, aos prantos. Lizzy encarou-o como se não o reconhecesse. Em seguida, partiu atrás da jovem, deixando o marido sozinho, agora acompanhado apenas pelo seu tardio arrependimento.

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