O reencontro
Charles providenciou o retorno de Darcy, assim que Elizabeth avisou à Jane que Georgiana voltara e já encontrava-se à par das novidades. A casa de campo que eles haviam alugado por um breve período — focando nos negócios e na temporada de caça — fora desocupada, enfim.
Bingley decidira — com o consentimento de Lizzy e Georgiana — que antes de Fitzwilliam Darcy voltar à Pemberley, ele e o amigo passariam algumas horas em sua casa. A ideia de Charles era ter uma noção mais clara do estado de saúde do amigo.
A primeira conversa dos dois depois da queda de cavalo que Darcy sofrera ocorreu no escritório da propriedade de Bingley.
— Darcy, gostaria de saber se tu te recordas sobre algo ou alguém da tua vida.
— A única pessoa de quem tenho lembranças é de minha irmã, Georgiana. Ela ainda tem oito anos?
Bingley lamentou profundamente o nível de esquecimento do amigo. Era óbvio que ele não recordava-se nem um pouco da esposa, considerando que sua mente havia parado quando Georgiana ainda era uma criança! Sentia muito pelo casal, que ele sabia ser tão feliz e apaixonado quanto eram ele e Jane.
O próprio Bingley certamente não estava incluso nas memórias do amigo. Ambos ainda não se conheciam quando Darcy era apenas um rapaz de dezoito anos. Depois de analisar a situação, retornou à conversa:
— Não, meu amigo, ela já completou dezessete primaveras, poucos meses atrás...Você é um homem casado. Lembraste disso? -, perguntou, com pouca esperança de uma resposta positiva, mas queria tentar.
— Deus, como posso ter tido tanta coisa apagada de minha mente?! Georgiana, em todo esse tempo, por certo mudou em demasia — levantou-se da poltrona e caminhou pelo escritório com seu característico andar de felino, avaliando as questões - E quanto à esposa, à qual linhagem pertence?Possui algum título de nobreza? — acrescentou, acreditando que sua mulher descendia de alguma família aristocrática, equivalente à dele.
Bingley não sabia o que responder. Conjecturava até que ponto seria melhor revelar ao amigo que ele não casara com uma moça bem relacionada, mas sim de berço humilde. Chegou à conclusão de que o melhor seria contar-lhe uma parte da verdade, e ao mesmo tempo desviar o foco da questão econômica e social.
— A Sra. Darcy, Elizabeth, é irmã de Jane, que por sua vez é a Sra. Bingley.
— Elizabeth... — pronunciou o nome da esposa com ar de quem fala algo pela primeira vez — É um belo nome... — constatou — Então somos concunhados, tu e eu? Decerto vem daí nossa amizade.
— Não, Darcy — explicou Bingley, pacientemente — Já éramos amigos antes de conhecermos nossas respectivas esposas.
Daí por diante, explicou a Darcy sobre o início da amizade, além de como e onde conheceram as irmãs — enquanto solteiras — Bennet. Darcy ouvia a tudo atentamente, como se escutasse a história de uma pessoa desconhecida, embora aqueles fossem fragmentos de sua própria vida.
Passaram um tempo conversando. Bingley esclarecia alguns detalhes que Darcy não recordava sobre si mesmo. O Sr. de Pemberley não lembrava-se de Bingley, mas já nutria grande consideração por ele. Tratava-se um homem solícito, que parecia querer ajudá-lo sinceramente.
À certa altura, duas batidas na porta interromperam o diálogo. Bingley autorizou a entrada.O mordomo anunciou:
— A Sra. Darcy e a Srta. Georgiana Darcy chegaram neste instante, senhores.
Charles Bingley agradeceu o serviçal, que retirou-se após uma breve mesura.
Jane havia providenciado que um dos criados da casa avisassem Lizzy e Georgiana sobre a presença de Darcy, e como estas moravam nas proximidades, não tardaram à chegar.
— Bem, eis o momento de reveres Georgiana e conheceres tua esposa, não achas? — questionou Bingley, por um lado animado, e por outro apreensivo.
— Certamente. — afirmou Darcy, cujos sentimentos não eram muito diferentes dos do amigo.
***
Os dois saíram do escritório rumo à sala de estar. Lá estavam Georgiana, Elizabeth e Jane. Observando-as, seria difícil adivinhar qual das três estava mais nervosa. O coração apaixonado de Lizzy quase saltara pela boca. Tanto tempo sem vê-lo, e agora que estava tão perto fisicamente, havia uma barreira invisível — o fato de não passar de uma estranha para o seu próprio marido —, que a impedia de dar vazão aos seus sentimentos.
Darcy lembrava-se de Georgiana ainda menina, mas observando os traços delicados de seu rosto jovial, reconheceu-a de imediato:
— Georgiana, venha aqui. — sorriu e deu um passo em direção à irmã, que correu até seus braços.
Jane e Elizabeth entreolharam-se. "Será que ele havia recuperado a memória?", era o que pensavam. Lançaram este olhar para Bingley, que nada disse, embora seu semblante deixasse transparecer a apreensão.
— Tu recordas de mim, meu irmão?! — Georgiana mais afirmou do que perguntou, extasiada.
— Sim, mas até quando tu tinhas apenas oito anos... — Olhou-a mais atentamente agora, emocionado — Te tornastes uma bela moça...
Georgiana perdeu um pouco da alegria. Estava triste pelo irmão e por Lizzy. Esta, por sua vez, sentiram a breve esperança que lhe surgira se dissipar como a neblina que por vezes envolvia as terras de Pemberley.
Darcy fitou com mais atenção as jovens senhoras que estavam à sua frente. Uma era loira, a outra morena. Uma era linda, a outra nem tanto. O olhar de uma era inseguro, tímido até. O da outra era mais vivaz e direto.
Supôs que a loira fosse a sua esposa, porque conhecendo bem a si mesmo como imaginava conhecer, daria preferência à mais bela e reservada. Felizmente, não externou seus pensamentos. Foi a vez de Bingley intervir.
— Darcy, esta é minha esposa, Jane Bingley. — tomando a bela loira pela mão.
Darcy surpreendeu-se. Embora experimentasse uma sensação que era em parte decepção, em parte surpresa; tentou não evidenciar tais sentimentos. Conseguiu ocultar o que sentira para todos, exceto para Elizabeth. Perspicaz como sempre fora e conhecendo-o bem, não se deixaria enganar facilmente.
A Sra. Darcy fora a única que percebera o desapontamento de Fitzwilliam, e quase lera seus pensamentos enquanto ele comparava-a à Jane. Compreendia que — devido à falta de memória —, estava mais uma vez diante do homem que havia declarado, na ocasião em que se conheceram, que ela era apenas "tolerável" e que Bingley havia dançado com "a única moça bonita do baile", referindo-se à sua irmã; não daquele que a "amava e admirava ardentemente", e com quem casara convicta e feliz.
Entretanto, Lizzy sabia que em algum lugar obscuro daquela mente e daquele coração esses dois homens tão distintos eram apenas um, o mesmo que a fitava agora com expressão questionadora.
Ela estava consciente de que seu futuro não seria nada fácil, mas lutaria pelo tempo que fosse necessário para reconquistar o amor de seu esposo, ou não chamava-se Elizabeth Darcy.
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