Enfim, sós
Bingley, percebendo a hesitação do amigo, decidiu intervir:
— Penso que o Sr. e a Sra. Darcy terão muito o que conversar, não é mesmo? Caso queiram, o escritório está disponível para ambos.
Darcy olhou para Bingley, um pouco confuso. Não sabia se estava pronto para falar a sós com aquela estranha, que para piorar ainda mais a situação, não era de fato uma estranha e sim sua esposa!
Lizzy tomou à frente, decidindo pelos dois:
— Nós agradecemos, Sr. Bingley. E se não for mesmo nenhum incômodo, aceito a sua sugestão.
Bingley, Jane e Georgiana não esperavam outra atitude de Elizabeth. Todos estavam intimamente satisfeitos por perceberem que ela não havia se deixado abater pelo inconveniente momento que Darcy enfrentava. Agora, mais do que em qualquer outro período que viveram juntos, ele necessitaria de uma esposa que fosse capaz de tomar as rédeas da situação.
Darcy, alheio ao que poderia estar passando pela mente dos demais, sentia-se surpreso e irritado: aquela mulher ousara decidir algo em seu nome! Ela ainda não sabia que o papel da esposa era apenas acatar as decisões do marido? Não queria que o considerassem uma marionete nas mãos dela. Começava a considerá-la estranha em todos os sentidos da palavra...
Porém, Darcy consentiu com a decisão de Elizabeth para não parecer indelicado com Bingley, que além de ser o anfitrião, era alguém por quem ele já sentia crescente afeição, embora ainda não tivesse quaisquer lembranças referentes a essa longa amizade.
Enquanto os Darcy seguiam rumo ao escritório, o casal Bingley e a Srta. Georgiana conversaram sobre diversos temas, na tentativa de esperar o retorno do casal Darcy num ambiente mais leve.
***
O mordomo que fora encarregado de encaminhar os Darcy a um ambiente mais reservado, fechara a porta do escritório atrás de si, possibilitando que o casal ficasse na companhia apenas um do outro.
Darcy esperou que Elizabeth se acomodasse para sentar-se em seguida. Escolheram as poltronas principais, que ficavam à frente da escrivaninha onde Bingley resolvia seus assuntos financeiros.
— Enfim, sós... — Elizabeth disse, assim que se acomodaram. — Fora o que ela havia dito na noite de núpcias e repetira agora.
Tais recordações fizeram-na afoguear-se, mas conseguiu conter-se. Ainda não era o melhor momento para entregar-se à paixão. Além do mais, percebera o rosto dele avermelhar-se pelo pudor, fazendo-a pensar ainda mais naquilo que não deveria neste momento, já que era justamente naquele tom de pele que ele ficava quando faziam amor.
— Pode revelar-me quais são as tuas dúvidas sobre nós dois, e eu tentarei saná-las do modo mais eficiente possível.
Darcy de fato percebera uma certa malícia no tom da voz de Lizzy, na primeira frase que ela havia pronunciado. Ficara um pouco mais envergonhado depois disso. Eles com certeza eram íntimos, muito íntimos. Eram marido e mulher, afinal de contas.
Sentia-se estranho ao constatar que eles haviam vivido vários momentos juntos, e ainda assim ela não passava de uma desconhecida para ele. Pressentia que lidar com tudo aquilo seria mais complicado do que imaginara até então. Pelo menos ela parecia ter se dado conta de seu constrangimento, pois desviou o assunto e mostrou-se pronta à esclarecer suas dúvidas. Ele aproveitou a oportunidade.
— Em primeiro lugar, pretendo revelar-lhe a minha atual condição. Não recordo-me de nada que esteja relacionado à sua pessoa. Caso o Sr. Bingley não tivesse me adiantado algo e esta aliança não estivesse aqui como prova — evidenciando a jóia dourada no dedo anelar da mão esquerda —, eu nunca saberia que sou um homem casado.
Elizabeth sabia de antemão de tudo isso, mas ouvir tais palavras saindo dos lábios do homem que amava a feriram profundamente. Todavia, respondeu da maneira mais serena possível, até porque estava ciente de que ele também era vítima das circunstâncias.
— Sei disso. Bingley esclareceu-me sobre tudo o que lhe ocorreu. Se lhe dissesse que não me importo com sua ausência de sentimentos para comigo, estaria mentindo, e mentir nunca foi uma característica minha. Meu amor é seu — fez questão de dizer isto olhando no fundo dos olhos dele —, e saber que, ainda que por um período, não serei correspondida à altura, me angustia.
Darcy analisava atentamente aquela mulher. Eram de suma importância aquelas primeiras impressões. Pôde constatar até ali que ela parecia muito franca e direta. Olhava-o nos olhos — que eram muito belos, por sinal —, e isto lhe conferia maior credibilidade. E apesar da situação desfavorável, demonstrava uma confiança extrema na força de seu amor, pois não cogitara a hipótese dele não voltar a correspondê-la em seus sentimentos. Temia decepcioná-la em suas expectativas...
— Veja bem. Eu sei muito pouco sobre nós. Não recordo-me de sua família, de suas relações sociais. Ainda não consegui perceber o que me levou à torná-la minha esposa. Esclareça-me, por favor.
Elizabeth, sincera como sempre, revelou-lhe sobre seus humildes parentescos. Percebeu a tensão no semblante do marido à medida que lhe contava sobre os seus. Sabia que para ele não seria fácil aceitar sua ascendência novamente.
— Como podes perceber, nossa união não foi baseada em interesses sociais e econômicos, e sim no amor. Nos amamos e casamos unicamente por causa disto. Sei que neste momento te parecerá estranho. Tu não te recordas o quanto relutastes em me pedir a mão, mas eu sim.
Darcy encontrava-se dando voltas pelo escritório, na tentativa inútil de compreender a si mesmo e colocar as ideias no lugar.
Elizabeth sentia-se impotente. Haviam sido raras as situações que a fizeram calar. Aquela era uma delas. Na ausência das próprias palavras, tentou descobrir o que passava-se na mente dele.
— Não me dirás nada? Já te esclareci os fatos, acho que mereço ao menos uma resposta.
Darcy, que estava de costas para Elizabeth, encostado à lareira, voltou-se subitamente para ela. Estava novamente ruborizado, mas Lizzy compreendia que agora tratava-se não de timidez, e sim de fúria. Não sabia se ele estava furioso com ela ou consigo mesmo. Ela apostava que sua ira era direcionada a ambos, o que se confirmou quando ele finalmente falou.
— Como pude cometer tamanha loucura?! — Iniciou o desabafo — Ou tu estás zombando de mim, ou eu sou o homem mais insensato da face da Terra!
— Prossiga. — Elizabeth disse, sucinta. Sabia que o quanto antes ele colocasse as mágoas para fora, melhor seria para os dois.
Ele exasperou-se ainda mais com a aparente tranquilidade dela. Ela não se dava conta do absurdo da situação?! Seria mais claro, então.
— O que me fez tomar por esposa uma mulher sem classe, sem berço e que não tem nada de excepcional? Acabo de saber que expus o nome da minha respeitável família, os Darcy, ao escárnio da sociedade, e sem ter como voltar atrás! — aproximando-se mais de Lizzy, com desdém — Nem mesmo sua beleza é algo deslumbrante. Nesse quesito posso compreender muito mais a escolha de Bingley do que a minha... A desonrei em algum momento de fraqueza? Tu engravidaste e eu fui forçado a reparar o erro? — Ele, tentando encontrar alguma lógica num casamento que agora lhe parecia absurdo, não dava-se conta dos absurdos que acabara de dizer.
Neste ponto Lizzy interrompeu-o. Havia um limite para tudo, e mesmo que Darcy não estivesse plenamente consciente de suas ações, não permitiria que ele a humilhasse de tal maneira. Tornou a falar.
— Meça suas palavras, Sr. Darcy! — após as bodas, ela só o chamava pelo sobrenome em momentos de raiva, o que era raro — Podes não recordar que me amas porque não estás em sã consciência, mas quando te deres conta do que me dizes, lamentarás profundamente. Acho mais prudente para ti e para mim cessarmos esta discussão por aqui. Se tu fores adiante nestes insultos, terás mais do que te envergonhares do que já tens, e quanto a mim será ainda mais difícil perdoar-te. Aliás, já nem sei se conseguirei... — Confessou, sentida. — Por mais que conheça a tua atual situação, não irei permitir que me magoes. E por mais que te ame, sempre amarei mais a mim mesma.
— E pensas que poderás decidir tudo sempre? Já não basta teres aceitado conversar aqui sem sequer me consultar, quando o certa seria deixa-me dar a última palavra; ainda quer determinar quando essa discussão cessará? Eu posso querer prosseguir, não achas? -—acrescentou, encarando-a.
— Se te satisfaz conversar com as paredes, faça bom proveito. Não permanecerei aqui ouvindo os teus infundados insultos. — disse Elizabeth, encarando-o de volta. Depois, retirou-se e fechou a porta, sem olhar para trás.
Se o tivesse feito, teria visto um Darcy enfurecido, à socar a escrivaninha.
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