Discutindo a relação
Horas depois do caprichado café da manhã, a Sra. Reynolds enviou um dos criados para que este avisasse aos patrões que o almoço estava pronto. Como Elizabeth encontrava-se mais sonolenta ultimamente por causa da gravidez, e Georgiana praticamente não pregara os olhos à noite, tamanha a sua preocupação com a cunhada e o irmão; Darcy foi o primeiro a deixar os seus aposentos.
Enquanto descia as escadas, ele percebeu vozes advindas da sala de estar. Dirigiu-se para esta área da mansão, surpreendendo-se ao perceber que John estava ali. O rapaz desculpou-se assim que viu a chegada do patrão. Justificou sua presença alegando que viera só para avisar que o cavalo que fugira na noite passada havia sido recuperado ainda dentro dos limites de Pemberley, e apesar de assustado e cansado, encontrava-se em bom estado. Fitzwilliam ficou satisfeito com a boa notícia, e prosseguiu até a espaçosa sala de jantar.
Sentou-se à cabeceira da mesa, que já fora de seu falecido pai, e após ser servido pela criada, almoçava tranquilamente, até que Elizabeth veio fazer-lhe companhia.
Ele não atinava qual era a razão disto, mas cada vez sentia-se mais constrangido na presença dela quando julgava que — através do costume do convívio — o efeito esperado era que ocorresse justamente o inverso. O que deixava-o realmente intrigado era o fato de que até já gostava de tê-la por perto. Em resumo, prazer e constrangimento misturavam-se quando estava na presença dela. Não compreendia como nem porquê dois sentimentos tão contraditórios coexistiam dentro dele, e apenas no que se referia à Elizabeth Darcy.
Como não seria capaz de responder a si mesmo naquele momento e sua esposa aproximava-se, ele optou por concentrar-se na tarefa de puxar a pesada cadeira de madeira para que ela sentasse ao seu lado.
Almoçaram por alguns minutos num silêncio que só era interrompido pelo som dos talheres, até que Darcy resolveu quebrá-lo:
— Estás refeita? Digo, conseguiste descansar e compensar a noite mal dormida? — ele indagou, verdadeiramente interessado no bem estar dela.
— Descansei sim, obrigada. Mas a noite não foi tão mal dormida assim, pelo menos não para mim. Na verdade, eu sentia-me bem satisfeita, até que tu me acordastes do meu belo sonho... — Lizzy dissera isto enquanto levava um copo d'água à boca, olhando-o sugestivamente, sob os seus curvados e longos cílios escuros.
Darcy quase engasgara. Sabia que ela referia-se ao tal sonho erótico que tivera consigo na noite anterior. Corou intensamente, e pediu num sussurro:
— Por obséquio, Elizabeth, não comente tais fatos à mesa. Encontramo-nos num ambiente aberto da casa, onde várias pessoas podem ouvir nossa conversa, e não num espaço reservado. Além disso, não vejo motivos para continuarmos tratando sobre tal assunto. Aquilo foi um delírio passageiro de sua parte. Deverias, inclusive, envergonhaste-te disto. Uma mulher respeitável não comenta sobre certas questões com ninguém.
Para surpresa de Darcy, Lizzy jogou o guardanapo sobre a mesa. Ela também estava corada — não de vergonha como ele —, mas sim de cólera. Encarando-o, respondeu:
— "Delírio passageiro", é assim que tu defines meu sonho de amor?! Além de perderes a memória naquele maldito incidente, ainda perdestes também a sensibilidade? Percebo, porém, que em compensação adquiristes uma boa dose de hipocrisia. Pois saiba que não me envergonho de nada do que senti e nem do que continuo sentindo. Desejo-te e não há mal algum nisto, nem de indecente ou sujo. Só tenho por ti sentimentos naturais e puros, e se tu não és mais capaz de apreciá-los como em tempos passados, só tenho à lamentar por ti, unicamente. Quanto a mim, cabe apenas contententar-me com a lembrança da época em que admirava meu marido e ele regozijava-se deste sentimento, ao invés de recriminar-me, como se eu fosse uma árvore que devesse ser podada apenas por ousar ser frondosa, quando é de se esperar, afinal de contas. — explodiu, não mais suportando a postura impessoal do marido.
Darcy estava boquiaberto. Não recordava-se de ter — alguma vez na vida — recebido tamanho sermão. Seus pais e sua tia, Catherine, jamais chegaram a tanto. A audácia de Elizabeth irritava-o, porém, o que ele poderia dizer naquele instante? Os argumentos dela pareceram-lhe plausíveis, e ele emudecera. Não poderia argumentar contra alguém que conhecia uma fase de sua vida bem mais à fundo do que ele próprio.
Encontravam-se nesta altura dos fatos quando Georgiana apareceu para almoçar. Seu irmão puxou-lhe a cadeira, assim como fizera com a esposa. A bela jovem sentou-se graciosamente. Apenas neste momento percebeu que havia uma tensão pairando entre aqueles que a acompanhariam durante aquela refeição. Questionou, direcionando o olhar de um para o outro:
— Houve algum problema na minha ausência?
O casal entreolhou-se de relance. Enquanto Darcy pensava em alguma justificativa para oferecer à irmã, Elizabeth apenas respondeu:
— Está tudo bem, minha querida. Quando chegaste, eu apenas esclarecia ao meu esposo sobre qual é o meu ponto de vista em alguns aspectos da vida conjugal. Foi uma conversa, inclusive, muito proveitosa. Pelo menos é isso o que eu espero — Lizzy esclareceu, fitando Fitzwilliam com um brilho desafiador nos olhos.
— Sim, Georgiana — Darcy disse, desviando o seu olhar de Lizzy para a irmã —, era exatamente este o tema que tratávamos até então. Como vês, não é um assunto dos mais apropriados para uma donzela participar. — ele encerrou a questão.
- Oh, sim! Perdoem-me se os interrompo. Cheguei em momento impróprio. — desculpou-se a moça, constrangida por imaginar que fora a sua chegada o motivo do clima pesado de instantes atrás.
— Não há porquê desculpar-se — Darcy e Elizabeth responderam, em uníssono. Entreolharam-se, surpresos.
Georgiana, inocente, exclamou:
— Vejo que estão voltando a ser afinados como antes! — demonstrando genuína alegria.
Aquilo foi demais para o humor de Elizabeth, que já não estava dos melhores.
— Perdoem-me, mas perdi a fome. Com licença. — retirando-se em seguida.
Depois que a Sra. distanciou-se, Georgiana comentou:
— Disse algo que não deveria? — questionou, confusa.
— Não, minha querida. Podes almoçar em paz. — tocando carinhosamente a mão da garota.
Ela o obedeceu, como era de costume. Darcy, entretanto, mal tocou na comida a partir desse momento.
Alguns minutos depois, ambos finalizaram a refeição. Georgiana foi para a sala de música, exercitar-se um pouco; e Darcy foi à imensa biblioteca de Pemberley. Lá teria privacidade para colocar ordem em seus pensamentos.
***
Fitzwilliam, agora sentado, rodeado por centenas de livros, dava-se conta que sua esposa não era como a maioria das mulheres da sociedade às quais havia se habituado, que eram fúteis e apenas serviam como um adorno. Ela pensava por si mesma, criara seus próprios conceitos.
Elizabeth era inteligente, sagaz e fugia do padrão alienado que ele rejeitava com veemência.
"Será este o motivo que levou-me à apaixonar-me por ela?", refletia.
Levantou-se e caminhou até a janela. Deparou-se com a dona de seus recentes pensamentos caminhando pelo pátio e distraiu-se, analisando-a.
Sem fazer ideia de que era observada pelo dono do seu coração, Lizzy simplesmente caminhava, absorvida por seus próprios pensamentos.
Darcy percebia que ela era graciosa sem ser afetada. Seus movimentos eram naturais, e as ondulações de seu corpo transmitiam sensualidade sem que ela demonstrasse o mínimo de esforço para atingir tal resultado. Todo esse conjunto de observações o levou a uma constatação:
"Elizabeth é, sem sombra de dúvidas, uma mulher encantadora."
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro