Capítulo XXXX
Abri os olhos e senti uma dor de cabeça muito forte acompanhada de uma fraqueza no corpo. Eu estava com um pouco de falta de ar, por isso tentei me virar, mas senti pequenas mãozinhas seguraram meu braço.
— Ei, você não pode virar. - reconheci a voz infantil - A senhora disse que você precisa ficar deitado!
Virei a cabeça com calma e tive que apertar os olhos para conseguir identificar a pessoa sentada ao meu lado.
— Eva? É você?
— Sim. - sorriu.
— Você tá... - analisei seu cabelo e sua roupa - Diferente.
— Minha tia que me deu. Gostou? - perguntou animada olhando para seu vestido colorido.
— Você tá linda, princesa! - tentei sorrir - Sua tia te deu? - assentiu em resposta - Onde a gente tá?
— Em Ekom. - franzi o cenho - A Ayla te trouxe para cá dizendo que poderiam cuidar do seu machucado, então viemos.
— Cadê a Ayla?
— Ela foi conversar com um moço alto.
MoçO?
— Faz muito tempo?
— Mais ou menos.
— E você ficou sozinha aqui?
— Não. - se apressou em dizer - A Nala cuidou de mim enquanto vim ver você.
— Quem é Nala?
— Emi ni. - uma voz diferente disse ao fundo e pude perceber uma moça grávida se aproximando.
Olhei para a menina ao meu lado rapidamente e ela parecia à vontade com a presença da moça, o que me deixou levemente menos desconfiado.
— Não quero parecer rude, mas quem é você? - perguntei - E por que tava cuidando da Eva?
— Orukọ mi ni Nala. - franzi o cenho.
— Desculpe, o que? - interrompi e foi a vez dela de fazer cara de dúvida - Eu não entendi o que você disse.
— Ela também não te entendeu, John. - Eva explicou.
— Ninguém aqui sabe falar inglês?
— Só a Ayla. - deu de ombros.
—E cadê a Ayla, cace...
Uma tosse forte que parecia ter intensidade suficiente para estourar meus pulmões interrompeu minha fala de repente e, quando um líquido estranho invadiu minha boca, a moça veio até mim com pressa para levantar minha cabeça.
— O nilo lati mu. - disse com uma vasilha nas mãos - Eyi le ṣe iranlọwọ.
Fiquei desconfiado sobre o que tinha naquela vasilha, mas a tosse fazia meu peito ficar dolorido, sem contar minha barriga que também começou a doer. Não relutei e nem perguntei, apenas bebi o conteúdo do pote.
Além de ser horrível, o gosto era diferente de tudo que já provei, me senti aliviado por fazer a tosse diminuir aos poucos.
— Que droga essa mulher me deu?
— Deve ser algum chá. - Eva disse ao colocar um amontoado de panos embaixo da minha cabeça - Vi a senhora pegar algumas folhas e colocar na água que estava dentro desse pote, depois ela disse alguma coisa pra Nala e saiu.
— Nala, no caso, é...? - a garota apontou para a moça ao meu lado e me lembrei vagamente de algumas palavras que aprendi nas aulas com a Ayla - E dupe (obrigado)!
A moça não disse nada, apenas sorriu e abaixou a cabeça levemente em uma forma silenciosa de aceitar meus agradecimentos.
— Eva, preciso sair daqui.
— Mas, você não pode levantar. - falou rapidamente - Ainda está fraco, pode acabar piorando.
— Estou com falta de ar e aqui dentro é muito abafado. - expliquei já tentando me levantar - Também acho que vou vomitar, quer que eu faça isso aqui no chão?
Na verdade eu não estava com vontade de vomitar, só queria achar a Ayla mesmo.
— Não. - disse se colocando ao meu lado - Vamos!
Quando tentei me levantar, a tal Nala veio até mim com os braços estendidos nitidamente incomodada com a situação.
— Maṣe, maṣe, maṣe, maṣe.
Pela forma que ela pronunciou as palavras sacudindo os dedos em um sinal negativo, interpretei que aquilo significava "não". Não sabia como explicar aquilo em iorubá, então apenas me inclinei fazendo um gesto que demonstra nitidamente que eu iria vomitar logo.
Quando me sentei na maca, a moça apenas sacudiu a cabeça antes de se colocar ao meu lado e oferecer o ombro para me escorar.
Tive um pouco de dificuldade para me colocar de pé, mas depois que consegui, caminhei com ela ao meu lado. Dei pequenos passos cuidadosos por causa da dor na barriga, pela moça ser bem menor que eu e por estar em um estágio tão avançado da grávidez.
Se eu cair em cima dela, ainda corro o risco de machucar o bebê.
O sol do lado de fora não estava muito forte, demonstrando que não ia demorar para escurecer, mesmo assim tive que apertar os olhos para conseguir enfrentar a claridade repentina.
Quando olhei em volta percebi muitas pessoas, mesmo um pouco distantes, me encarando descaradamente. Os cochichos indiscretos vieram logo em seguida, me fazendo ficar desconfortável.
Assim que pensei em voltar para a tenda, tive o privilégio de ver a Ayla se aproximando. Ela estava incrivelmente linda com aquele vestido longo azul e detalhes laranja, juntamente com o cabelo enfeitado pelas detalhadas tranças no topo, o único problema foi o tal "moço alto" ao seu lado.
O homem também era negro, mas em um tom levemente mais escura que o de Ayla. Ele realmente era muito alto comparado com a altura dela, arrisco dizer que poderia ser até alguns poucos centímetros mais alto que eu, além de visivelmente muito musculoso e bonito.
Me sinto horrível por admitir, mas o filho da mãe era muito bonito e gostava de expor isso.
De tudo isso, o que mais me incomodou foi a forma que ela estava sorrindo à vontade ao seu lado enquanto ele a encarava de forma intensa.
Eu reconheço aquele olhar a quilômetros de distância porque, desde a primeira vez, eu encarei a Ayla daquela forma.
— Oba àti ayaba wa! - uma mulher disse olhando para os dois.
No mesmo instante que as palavras foram entoadas, exceto eu, a moça que estava me ajudando e Eva, todos em volta se curvaram em frente aos dois. Em um pequeno instante de distração, Ayla me enxergou de longe e já pude notar seu sorriso se formar.
Sem rodeios, ela saiu de onde estava e veio correndo em minha direção. Seu corpo se chocou com o meu quase me fazendo cair com o impacto, mas me esforcei para segurar nós dois.
— Você... - disse se afastando rapidamente para me analisar e percebi seus olhos cheios mesmo o sorriso estando estampado em seus lábios - Você tá vivo?
— Pelo jeito, sim. - ela me abraçou de novo - Ayla, eu amo sentir você tão próxima a mim, mas você pode me apertar um pouquinho menos? - perguntei - Eu ainda não tô 100%. - ela se afastou.
— Me desculpa, é que eu tô tão feliz por ouvir sua voz de novo. - disse ainda sorrindo ao enxugar uma lágrima - Achei que você fosse morrer.
— Tá tudo bem. - acariciei seu rosto e ela fechou os olhos com o toque - Eu tô aqui agora.
Ela sorriu e me abraçou de novo, dessa vez de forma mais cuidadosa. Respirei fundo por senti-la em meus braços, mas perdi o foco quando percebi o homem que a acompanhava me encarar com uma feição nada boa.
— Aliás, o que tá fazendo aqui fora? - ela perguntou recuperando minha atenção - Você devia estar deitado. - falou em tom de impaciência - Eva!
— Não briga com ela, a culpa foi minha. - expliquei quando a menina segurou minha mão - Eu inventei uma dor de estômago para vir te procurar.
— Por que estava me procurando?
—A última coisa que me lembro é de te ver lutando contra um espanhol. Precisava ter a certeza que você havia ganhado! - ela sorriu de leve.
— Eu ganhei, navegante. - seu olhar foi até a moça ao meu lado - Maṣe yọ ara rẹ lẹnu, mo toju oun.
Assim que terminou de falar, Ayla assumiu o lugar de apoio que a moça estava ocupando.
— Vamos, você tem que descansar.
— O que disse pra ela?
— "Não se preocupe, eu cuido dele agora."
— Acho que vou gostar de ter você cuidando de mim. - ela sorriu quando começamos a caminhar de volta para a tenda.
—Não se empolga, John. Você está ferido! - sorri também.
Apenas eu, Ayla e Eva voltamos para a tenda da senhora que descobri ser a curandeira da tribo. Voltei a sentar na maca muito mais aliviado por saber que a minha dama estava bem.
— Você ficou incrível nessa roupa! - falei suspirando.
— Obrigada. - sorriu - Era da minha mãe.
Eu queria muito dar continuidade naquele assunto, mas tinha um detalhe mínimo naquela situação que ainda estava me incomodando.
— Me lembro que, nas nossas aulas, você me ensinou que os súditos de Ekom sempre recebem seu rei e sua rainha com "Oba" e "Ayaba wa". - expressei calmamente e percebi sua feição mudar - Tem alguma coisa que você queira me contar, Ayla?
*Relevem os erros, por favor.*
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