Capítulo XXI
Estava com muito medo, principalmente por John não estar por perto. Um escravo sem dono não tem valor algum, pode ser chicoteado até a morte apenas por diversão dos brancos e ninguém iria intervir.
— RESPONDE! - engoli seco outra vez já sentindo as lágrimas preencherem meus olhos.
— Ei, ei, ei... O que está havendo aqui? - escutei uma voz conhecida.
— Sou o xerife Snow, estou fazendo um interrogatório para manter a segurança dessas pessoas. E quem é você?
— Sou dono da negra que está sendo interrogada. Pode soltar minha escrava, por favor?
— Por que a deixou sozinha? - o xerife questionou John.
— Foi por poucos instantes, tive que comprar mantimentos!
— E onde estão as correntes dela?
— Ela é uma escrava fiel, nunca foi de fugir, por isso não as utilizo.
— Não sei de onde vocês vieram, mas aqui esses pretos só andam com correntes. - o xerife segurou meu braço, me livrando do toque dos homens, depois me jogou no chão com toda a força possível, me fazendo cair aos pés de John - E dê um jeito de colocar um vestido nessa criola. Nas minhas terras, nem as brancas usam calças.
Ainda caída no chão, senti o gosto horrível da terra em minha boca.
— Levanta! - John ordenou olhando para mim.
Olhei para cima esperando alguma ajuda, mas ela não veio, então me coloquei de pé a sua frente sozinha.
Com pressa e raiva, John agarrou meu braço na intenção de me puxar para uma estrada que dava acesso a um matagal alto.
— O que está fazendo? - perguntei sentindo o medo me invadir outra vez - John?
— Fique quieta!
O que diabos deu nesse homem?
Chegamos ao matagal e pude ver uma espécie de lago bem à nossa frente. Assim que paramos de andar, livrei meu braço de seu toque com a maior pressa possível.
—Ayla... - disse tentando se aproximar.
— Fique longe de mim!
— Você precisa ficar calma. Juro que posso te explicar tudo se me der uma chance!
— Não quero explicações, quero você longe de mim. - dei um passo para trás.
— Ayla, as coisas são diferentes aqui. - se aproximou com as mãos em frente ao corpo - Não posso te tratar da mesma forma que te trato quando estamos no navio, as pessoas não admitem isso. Eu tenho que te tratar como escrava enquanto estivermos em terra, e preciso que entenda meu lado. - encarei seus olhos - Você sabe o quanto tenho repúdio a tudo isso, mas não posso demonstrar enquanto estivermos aqui.
— Por que me trouxe com você se sabia que seria dessa forma? Por que não deixou que ficasse com os outros?
— Seria bem pior se estivesse com eles, eu te garanto. - ele deu um passo em minha direção e me afastei novamente - Por favor, são só dois dias.
Eu não estava nem um pouco inclinada a aceitar aquele pedido, mas que outra opção eu tinha? Sair correndo sozinha em uma cidade desconhecida que mal suporta a existência dos negros?
Não falei nada, só precisei aliviar a tensão do corpo e John entendeu minha resposta.
— Tenho que visitar a fazenda de um conhecido ainda hoje, mas antes preciso que se lave e vista isso. - disse me estendendo o que parecia ser uma peça de roupa - Acabei de comprar, sabia que não iam gostar de te ver usando calças.
Ainda desconfiada, peguei as peças de sua mão e ele se virou de costas logo em seguida, comecei a me despir depois de olhar para os lados verificando se havia alguém por perto.
Andei em passos receosos até o lago e, como a água estava fria, demorei um pouco para ficar totalmente imersa, mas senti um sentimento incrível por poder ficar lá dentro. A água me acalma, me traz paz, mesmo em momentos turbulentos como esse e eu precisei estar dentro de um navio em alto mar para perceber isso.
Depois de me esfregar da forma que as condições me permitiram, saí da água e caminhei rapidamente até o local onde havia deixado as roupas que John comprou, em seguida vesti-as com pressa.
— Já posso me virar? - ele perguntou.
— Sim.
O olhar de John me analisou por inteira, sem deixar nem mesmo um fio de cabelo sem atenção e, incrivelmente, não tive vontade de me afastar como a um mês atrás.
(Essa é só uma imagem ilustrativa para vocês terem uma noção de como é a roupa que o John comprou porque eu não ia conseguir descrever muito bem, mas se quiserem imaginar a personagem desse jeito, fiquem a vontade , só que a Ayla teria o tom da pele e o cabelo um pouco mais escuro que essa moça do desenho).
Depois de coçar a garganta, sua atenção pareceu se voltar para outra coisa.
— Tem mais uma coisa que você precisa usar. - ele mexeu na bolsa e retirou as tão famosas correntes de ferro - É apenas para manter aparências e não causar tumulto, mas juro que as tirarei assim que não for mais necessário.
Você não tem outra opção a não ser aceitar, Ayla.
Assenti com a cabeça e, rapidamente, ele se aproximou para colocar as correntes em meus braços.
Fazia bastante tempo desde a última vez que senti o peso daqueles ferros, meus pulsos e tornozelos estavam desacostumados ao incômodo absurdo que aquelas coisas causavam.
Quando John terminou de trancar o último fecho, minha mente me lembrou que, por mais respeitoso que John e os outros marujos sejam, eu sempre serei uma escrava quando estivermos em terra firme.
— Temos que ir andando. - sugeriu com o tom de voz mais baixo que o normal.
Comecei a dar um passo pequeno após outro, enquanto aquele barulho torturante das correntes ecoava pelos meus ouvidos, me fazendo lembrar de todas as coisas horríveis que já tive de viver nesses últimos anos.
No caminho, John passou em um pequeno rancho para comprar o cavalo de um senhor, só depois disso que fomos em direção a fazenda. Ele permaneceu em cima do cavalo e eu o segui a pé para manter as aparências.
Toda vez que eu olhava para John montado naquele cavalo, eu me lembrava do dia que fui levada para aquela feira de escravos pelo Sr.Matias.
— Acho que já está bom, nos afastamos da cidade. - John disse descendo do cavalo e estendendo uma das mãos - Vem, eu te ajudo a subir. - permaneci estática - Ayla, vem. - ele deu alguns passos em minha direção e eu me afastei - O que foi?
Quanto mais rápido meu coração entender minha posição, mais rápido esse sentimento horrível de decepção vai passar.
— Tudo bem, então nenhum de nós dois usa o cavalo. - deu de ombros e se pôs ao meu lado, mas quando ele começou a caminhar, eu continuei parada - Ayla, vamos. - respirei fundo e engoli seco na esperança de afastar também minhas lágrimas.
John é o capitão, eu sou a escrava. Só isso!
— Volte para o seu cavalo! - me limitei a dizer.
— Do que você tá falando? - franziu o cenho - Não vou montar no cavalo enquanto você estiver andando, só fiz aquilo porque estávamos perto das pessoas.
— Estaremos perto de outras pessoas a poucos metros, senhor. - dei ênfase na última palavra.
— Que papo é esse de "senhor"? Você nunca falou comigo desse jeito.
— As coisas são diferentes agora! - senti as lágrimas travadas na minha garganta.
Ainda me encarando claramente confuso, John respirou fundo e passou a mão pelos cabelos.
— Ayla, sobe no cavalo, estou te pedindo. - ele se aproximou rapidamente e pousou as mãos em minhas bochechas - Demoramos tanto pra chegar até aqui, então não instala esse abismo entre nós de novo, por favor. - sussurrou em tom triste.
Meu corpo queria o dele, queria estar perto dele, mas isso é impossível para nós dois. Tive que usar a maior parte da minha força para conseguir me afastar de seu toque, tanto que consegui sentir um vazio no peito ao tirar suas mãos do meu rosto.
— Vai se atrasar, senhor! - mantive a postura.
— Ayla...
— Não torne isso mais difícil do que já está sendo, por favor. - implorei quase em um sussurro.
Foram poucos minutos em silêncio até que um outro homem passasse a cavalo ao nosso lado.
— Sr. Carter? - John olhou em sua direção - Sou Willian, trabalho para o Sr.Jones, ele pediu para que viesse a seu encontro.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não, senhor. Ele só estranhou seu atraso. - o tal Willian me olhou - Está tudo bem por aqui?
— Sim, só tivemos um contratempo. - John se limitou a dizer, depois se aproximou de mim na intenção de verificar algo em minhas correntes - Se acha que vou desistir de você assim tão rápido, está errada. - sussurrou.
*Relevem os erros, por favor.*
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