Capítulo 08: Crescer é sempre difícil
Tire fotos em sua mente do seu quarto de infância
Memorize o som de quando seu pai chega em casa
Se lembre dos passos, se lembre das palavras ditas
E todas as músicas preferidas do seu irmão mais novo
Eu acabei de perceber que tudo que tenho um dia não estará mais aqui
Never Grow Up - Taylor Swift
Contar da viagem para meus primos foi ainda mais emocionante do que havia imaginado. Por esse motivo havia adiado — literalmente — até o último dia.
O choro de Danny quando comecei a contar — mesmo que eu tenha sido o mais delicada possível — da minha ausência nos próximos meses me desestabilizou por completo.
Em sua cabecinha, eu o estava o deixando igual ao vovô e a "titia Alexia". Ele não chegou a conhecer nenhum dos dois, mas como jamais deixamos de mencioná-los no nosso dia a dia, Daniel obviamente sabe sobre os dois e o quanto os amávamos. Então, é quase como se também sentisse falta deles.
Já Evangeline reagiu melhor do que eu esperava. Ao invés de demonstrar tristeza, chorar ou até mesmo se refugiar em seu quarto para não precisar encarar por enquanto a situação temporária, — como costuma fazer quando algo a desagrada — ela apenas sorriu e me deu o abraço que, provavelmente, foi o mais apertado que já recebi dela em toda a vida.
Quando nos afastamos, Eva me desejou boa sorte e disse para que eu fosse atrás dos meus sonhos, não desistisse deles mesmo com os obstáculos que eventualmente surgirão no caminho e, principalmente, não se preocupar com ela e a nossa família, porque todos ficarão bem. Não que eu fosse realmente capaz de conseguir não me preocupar, mas concordei para tranquilizá-la.
E, também porque, confesso que me surpreendi um pouco com as suas palavras. Por um minuto, jurei que estava conversando com uma adulta e não com uma garotinha. Ou, sou apenas eu que ainda a enxergo dessa maneira.
A única coisa que deixou o momento mais leve foi a minha mudança de visual. Os dois amaram e Danny fez uma rápida comparação com a Rapunzel do filme Enrolados, afirmando que eu era a sua versão de cabelo curto, só que ainda loiro. Não aguentei e o enchi de beijos, aproveitando que já não chorava mais e que estava contente de novo.
Ah, a facilidade das crianças de esquecer o que as entristece quando aparece uma novidade...
Depois de hoje, não tenho dúvidas de que Eva agora está desejando crescer o mais rápido possível para poder se aventurar pelo mundo, assim como acredita que estou fazendo. Não sei o que ela deseja atualmente para seu futuro, mas irei apoiá-la na sua escolha e independente de qualquer distância entre nós.
Depois que deixei a casa dos meus tios e me despedi de todos eles, fui direto para o condomínio da minha avó. Havia reservado esse dia anterior a viagem para as despedidas, já que partiria logo no começo do próximo dia e não poderia me atrasar, porque precisaria me instalar e conhecer um pouco de Carmel pessoalmente e me habituar ao local. Por isso decidi ir numa sexta-feira. Será bom que os meus primeiros dias lá sejam num final de semana.
Assim que cheguei na minha segunda parada do dia, — seriam três ao todo — estacionei o carro na porta da mansão, cumprimentei Peter, o mordomo, com um abraço, sabendo que também sentiria sua falta e aproveitei o breve até logo para perguntar onde dona Eleonor estava. Ele apontou na direção do corredor que levava aos quartos, indicando que ela estava no seu.
O agradeci e fui direto até lá. Dei duas batidinhas na porta — mesmo que não esteja fechada — e ouvi o seu "entre" como resposta, me dando permissão para entrar.
Abro a porta e vejo minha avó de costas para mim, sentada em sua cama perfeitamente centralizada no cômodo e concentrada em alguma coisa que não consigo ver daqui.
Ela demora para notar minha presença, o que me dá tempo o suficiente para caminhar sorrateiramente até lá e estalar um beijo em sua bochecha de surpresa, o que a faz dar um pulinho no lugar. Mas, ao invés de reclamar por assustá-la com a minha chegada, tudo o que faz é abrir um enorme sorriso para mim.
— Blair! Que bom te ver, querida — estende uma das mãos em minha direção — Ainda bem que veio agora. Estou dando uma olhada nos álbuns de fotos da nossa família e tendo tantas recordações boas. Venha, sente-se aqui comigo.
Sento-me ao seu lado, vendo o que tanto prendeu a sua atenção. Um dos álbuns que está aberto aparenta ser mais antigo, com a capa marrom já desgastada e com alguns arranhões.
A data gravada quase totalmente apagada confirma minhas suspeitas. Década de setenta, o que me rapidamente me lembra que meus avós se casaram nessa época.
Pego uma das fotos retiradas do álbum. Os dois estão um ao lado do outro em frente a uma fonte numa praça e mesmo com a imagem em preto e branco, é visível ver o brilho em seus olhos ao sorrirem para a câmera.
— O vovô era muito bonito. — esboço um sorriso, observando o homem alto, forte por volta dos seus vinte anos na fotografia.
— Ah, e como ele era bonito... e corajoso! Seu avô foi convocado pelo exército dos Estados Unidos e passou alguns servindo o país — lembra-me — Não foi uma época fácil. Nos comunicávamos através de cartas e todos os dias rezava para que voltasse são e salvo para mim.
— E ele voltou, vovó.
Ela remexe em mais fotos, me entregando outra, dessa vez, da sua gravidez. A primeira, suponho.
— Sim, mas as dificuldades não pararam por aí. Demoramos anos até conceber uma criança e quando finalmente conseguimos, a perdemos.
Entreabo os lábios, sem saber ao certo o que dizer.
— Vocês perderam um bebê? — pergunto baixinho.
Seus olhos verdes me encaram, levemente tristes com a lembrança.
— Infelizmente sim, minha querida. Ela chegou a nascer, parecia saudável quando a vimos pela primeira vez. Nunca senti tanto amor por um serzinho tão pequeno até aquele dia, mas, algumas horas depois e se que ninguém esperasse, o médico me informou que a bebê tinha parado de respirar — respira fundo — A dor que senti depois dessa notícia me acompanhou como um fantasma e jamais a esqueci. Como poderia, afinal?
A abraço de lado, apoiando o queixo em seu ombro.
— Eu sinto muito — sussurro — Não sei como é a dor, mas imagino que não tenha sido fácil.
— E não foi. Mas, dois anos depois fomos abençoados com o seu pai — sorri de novo — Ele foi o segundo bebê mais lindo que já vimos. Charles não se aguentava de felicidade. Ethan foi para nós o que atualmente chamam de "bebê arco-íris". Esse o termo correto, não é?
Assinto.
— As pessoas costumavam afirmar que isso era comum de acontecer, mesmo sem causas específicas. E por sermos jovens, diziam que poderíamos ter mais filhos com o tempo. Mas a verdade é que um filho jamais é esquecido. Mesmo que ele nem chegue a nascer, ainda assim existiu por um breve período de tempo. Foi amado da mesma maneira.
— Assim como o August. — lembro do meu irmãozinho.
Vovó aperta minhas mãos ao redor dos seus ombros.
— Sim, exatamente como ele e a Lizzie foram. Esse era o apelido que nós referíamos a ela quando estava na minha barriga. Achamos que Elizabeth era um nome forte e bonito para uma primogênita e não pensamos duas vezes antes de nomeá-la assim.
— Realmente é um belo nome.
Ela murmura em concordância.
— Tentamos ter o terceiro filho, na esperança de uma outra garotinha para fazer companhia aos irmãos. No entanto, não engravidei novamente depois do Nicholas — revela — Provavelmente não era para ser. Pelo menos não comigo e naquele momento.
Franzo as sobrancelhas, sem entender.
— E em qual momento, então? — indago.
Ela vira o rosto para me encarar.
— No momento que descobrimos que sua mãe estava grávida de você, Blair — confessa — Naquele dia, eu tive a plena certeza que você era a garotinha que faltava nessa família.
Sinto meus olhos arderem.
— Mesmo?
— Aham — concorda — Assim como a sua mãe também. Alexia era tão jovem quando a conheci, logo depois engravidou e os pais abriram mão dela sem nem pensar. Ou melhor, genitores. Porque, na minha concepção, pais de verdade não abandonam seus filhos. Principalmente no momento em que eles mais precisam deles.
Pressiono os lábios com força, evitando dizer que foi seu filho mais velho fez exatamente isso comigo. Posso ter continuado morando na mesma casa com ele e usufruindo do seu dinheiro, mas o que eu mais precisava, o que mais necessitava não tive mais desde que recebemos a notícia da morte da minha mãe: o seu apoio, carinho e afeto.
Me afasto delicadamente de Eleonor, levantando-me da cama, mas não sem antes apanhar uma fotografia perdida entre as demais. Uma dos meus pais, muito provavelmente antes da mamãe engravidar, visto o quão jovens eram e que que estavam no campus da universidade em que estudaram.
Já vi fotos como essa antes, mas ainda não tenho nenhuma comigo.
— Posso levar essa aqui? — mostro a imagem a ela — Prometo que tiro uma cópia se quiser e trago para a senhora depois.
Minha avó fecha o álbum que estava aberto e também se levanta, vindo na minha direção.
— Não se preocupe com isso, tenho outras fotos dos seus pais aqui. E, além do mais, acho que é um direito seu tê-la.
— Obrigada — agradeço, guardando-a dentro da bolsa bege que carrego hoje, combinando com o par de botas e o blazer da mesma cor que uso por cima do vestido branco com estampa de margaridas — Queria poder ficar o dia inteiro lhe fazendo companhia, mas preciso ir. Eu ainda tenho uma última despedida para fazer.
E a mais importante de todas também.
— Eu sei, meu amor. Não irei prendê-la aqui com minhas histórias. Vá visitar sua mãe. — sorri com carinho, segurando meu rosto.
Tento esboçar um sorriso também, mas sem muito sucesso.
— Meu pai também está lá, não é? — pergunto, já imaginando a resposta.
Ainda conheço bastante sobre Ethan e sei que ele tem o costume de ir até o cemitério visitar o túmulo do meu avô e da minha mãe quando alguma mudança ou novidade acontece. Seja na nossa família — como o nascimento de Danny
— ou com a empresa.
Nesse caso, a novidade que deve estar contando é sobre a minha partida amanhã. Ele já havia sido informado da data e a Coleman Advocacy também está inteiramente ciente. Adiantei o máximo que pude de tarefas para só voltar a pensar em trabalho na segunda-feira e passar o final de semana livre.
É mais do que merecido, afinal.
— Acredito que sim. Sabemos o motivo de seu ainda visitá-la com tanta frequência.
— Acha que ele irá superar um dia? — questiono, realmente querendo saber a resposta — Não estou falando de esquecer, porque isso é improvável e também não desejo que meu pai se esqueça da minha mãe. Mas... Eu queria que ele pudesse ser feliz de novo, sabe?
Ela balança sutilmente os ombros.
— Espero que seja possível. Ethan merece voltar a viver e não apenas existir como faz até hoje. Porém, isso não será possível enquanto vocês dois não tiverem uma conversa sincera e verdadeira.
Suspiro.
— Vó...
— Eu sei que é difícil, querida. Também detesto ver meu filho afundado em si mesmo dessa forma, cada vez mais distante de nós. Mas tente se despedir dele hoje amigavelmente, está bem? Não discutam em uma véspera de viagem, sabe que não é bom.
É, eu sei. Dona Eleonor sempre nos alertou sobre isso. Ela dizia que nunca sabemos o que pode acontecer durante uma viagem e preferia que evitar que a gente se desentenda.
Pode parecer um mal pressentimento ou pessimismo, mas a escutamos e seguimos seu conselho. Minha avó certamente conhece bem mais da vida do que todos nós aqui e confio nos seus ensinamentos.
— Ok, posso tentar, está bem?
E eu poderia mesmo. Tudo o que queria era poder ter uma conversa normal com o meu pai e não passar os próximos três meses remoendo uma briga nossa.
Vovó sorri e levanta minhas mãos em direção ao seu rosto, beijando-as.
— Essa é a minha garotinha! — exclama, contente — Agora vá, Blair. Diga um "até logo" aos seus pais e dirija direto para casa, está me ouvindo? Precisa dormir bem para passar duas horas dirigindo.
Separo as nossas mãos apenas para fazer um sinal de continência.
— Pode deixar. Mais algum conselho, senhora Coleman? — arqueio a sobrancelha.
Ela balança a cabeça.
— Já falei tudo o que tinha pra dizer. Só aproveite essa oportunidade ao máximo e volte para casa, se ainda assim desejar.
A encaro desacreditar.
— Acha que não irei querer voltar? — rio — Aqui, São Francisco é a minha casa. Onde você, nossa família e minha melhor amiga está. Como eu poderia não querer isso?
Ao invés de receber uma resposta de imediato, somente sou puxada para um abraço apertando.
Me inclino um pouco para envolvê-la nos meus braços e apoio meu rosto em seu pescoço.
— Prefiro deixar que você mesma. responda a essa pergunta em breve — responde, quase enigmática, o que me faz grunhir.
Por que parece que todos acreditam que algo extraordinário irá acontecer em uma cidade pacata cercada por praias como Carmel? Ah, qual é!
Nada demais acontecerá e daqui a três meses exatos estarei de volta e continuarei a ter a mesma vida de antes.
Eles verão isso.
— A propósito, adorei o novo visual. — comenta quando nos separamos.
Faço o movimento para jogar os fios de cabelo para trás dos ombros como costumava fazer quando queria demonstrar convencimento, mas então me lembro que eles agora estão curtos e isso não é mais possível.
Faço uma pequena careta. Acho que já está bom de mudanças pelos próximos tempos.
Atravesso os portões de ferro do cemitério e sigo o caminho que conseguiria percorrer até mesmo de olhos fechados.
Já vim tantas vezes aqui que perdi as contas. Nos primeiros meses, as visitas eram semanais. Um ano depois, se tornaram mensais e atualmente são semestrais. Exceto pelas vezes que imito os passos de Ethan e venho visitá-la para contar-lhe uma novidade da minha vida.
Foi assim após o meu baile de formatura do ensino médio, minha entrada na universidade, o nascimento do meu primo e até mesmo questões envolvendo a minha vida amorosa, agora inexistente.
E, agora é a vez de avisá-la — mesmo que eu saiba perfeitamente que não está ali de verdade e que é somente um símbolo — que não a visitarei nas próximas semanas, mesmo que o maior evento da minha vida aconteça dentro delas.
Caminho sobre o chão de concreto, entre jardins, plantas e flores. Essa é, em dúvidas a parte mais colorida e com uma partezinha de alegria desse lugar. O que não dura muito até que o visitante chegue aonde irá enterrar a pessoa que ama e precisar deixá-la ali para sempre.
Ainda que já tenha passado por essa dolorosa e aterrorizante experiência, meu peito ainda dói quando enfim enxergo as lápides dos dois integrantes da família Coleman.
Meu pai está em pé, de costas e encarando-as fixamente, o que me impede de ver com clareza o que está escrito.
Mas, já as decorei tão as palavras escritas que antes de me aproximar dele já sei o que está escrito. Além do ano de nascimento e falecimento, há mesmas coisas genéricas que costumam gravar em quase todas as lápides de outras pessoas enterradas por aqui.
— Oi. — sussurro, ficando ao lado do meu pai. Ele parece tão perdido olhando para baixo que não havia notado a minha presença até que eu me pronunciei.
Ele vira o rosto de imediato para me olhar, não parecendo surpreso em me ver ali.
No fundo, nós dois já sabíamos que estaríamos aqui hoje, mesmo que não tivéssemos conversado sobre e muito menos combinado nada.
Até porque, creio que seja minimamente incomum ligar para alguém e simplesmente marcar uma ida ao cemitério como se estivesse planejando ir ao shopping.
— Oi, Blair — me cumprimenta, no mesmo tom de voz — Parece que nós dois tivemos a mesma ideia hoje.
— É, acho que sim. — dou de ombros, como se esse fosse um mero detalhe.
Mas não é.
E, a forma como estou apertando as mãos uma na outra nesse exato momento prova esse ponto.
Não deveria estar nervosa e sem saber agir na presença dele. Ele é o meu pai, caramba! Era para termos uma relação normal e saudável ao invés de viver pisando em ovos, como se um de nós fossemos explodir a qualquer momento se tocarmos em um assunto proibido.
Ou melhor, no assunto proibido. Assunto esse que está bem na nossa frente, enterrado a sete palmos da terra e separado fisicamente da gente até o resto das nossas vidas.
Ergo um pouco o rosto para encará-lo de volta. Minhas botas não possuem mais do que três centímetros de altura, o que ainda me deixa bem mais baixa do que Ethan.
Esse breve movimento me faz lembrar de quando eu era criança e precisava levantar bastante a cabeça para observá-lo ou falar alguma coisa. Ele sempre dava risada dos meus pulinhos para alcançar a sua altura — o que acabava em um grande e belo fracasso — e me levantava em seu colo para me poupar das tentativas fracassadas.
Nunca perdia a oportunidade de abraçá-lo apertando pelo pescoço, desejando internamente poder parar o tempo e continuar sendo pequena, porque crescer significaria mudanças. Eu não teria mais o seu colo ou a sua atenção como antes.
E não apenas perdi isso, como também o perdi de alguma maneira junto com a minha mãe.
— Veio conversar com ela também?
— Na verdade, vim mais me despedir. Tenho certeza que, de algum lugar, ela já sabe exatamente o que farei.
E que está muito orgulhosa de quem estou me tornando. Completo em pensamentos.
Meu pai só assente, ainda me observando com seus olhos verdes intensos.
Pode ser impressão ou minha mente tentando me pregar peças, mas ele parece... diferente. Um pouquinho, mas diferente.
Ainda não sei no quê, porém só posso torcer para que seja positivamente.
Permanecemos em silêncio por alguns minutos e aproveito para fechar os olhos, sentindo o vento bater no meu rosto e no meu cabelo, o bagunçando levemente.
O sol do começo do verão aquece minha pele e, involuntariamente esboço um pequeno sorriso, imaginando que minha está ao meu lado e que nós três estamos juntos novamente.
— Já falou com todos? — sua voz me faz voltar a prestar atenção onde estou e abro os olhos rapidamente, vendo-o me analisando com as sobrancelhas arqueadas.
Acabo imitando o gesto.
— Já sim — confirmo, mas ele permanece estranho — O que foi?
Ele estende a mão direita em direção ao meu rosto, o que me faz enrijecer no lugar, pisando mais firme no chão.
Mas, seja lá o que ele fosse fazer, apenas abaixa a mão novamente e faz apenas um gesto, apontando para o meu cabelo.
Ah, o corte novo. Era isso.
Bom, pelo menos reparou que havia algo diferente em mim, não é?
Vou precisar me acostumar com isso.
— Seu cabelo, você cortou. — comenta o óbvio, parecendo quase admirado.
Sorrio, sem graça.
— Senti vontade de mudar um pouco. Você... gostou? — pergunto, voltando a me sentir uma garotinha de sete anos desejando a aprovação do pai em um dos desenhos que fez.
Meus olhos quase saltam das órbitas quando vejo um sorriso, quase imperceptível se formar no canto dos seus lábios. Repito, um sorriso!
Meu pai está sorrindo de novo? E ele está sorrindo para mim?
Só posso estar vendo coisas. Era só o que me faltava mesmo!
— Gostei. Ficou bonito em você. — elogia simplesmente.
De repente, também sinto vontade de sorrir.
Coloco algumas mechas de cabelo atrás da orelha, querendo afastá-lo do meu rosto com o vento incessante ao nosso redor.
— Obrigada. Eu...
O toque de um telefone soa entre nós e automaticamente levo as mãos a minha bolsa, mas não demoro a me lembrar que havia deixado meu celular no silencioso antes de sair de casa.
Ethan leva rapidamente a mão até o bolso do blazer de seu terno preto e retira de lá o seu próprio celular. Claro que seria o dele a tocar. Provavelmente é algo relacionado a empresa.
Quando ele encara a tela do Iphone e revira os olhos, essa certeza se confirma.
— Senhorita Lester, eu não havia dito que precisaria sair e que não queria ser interrompido? — atende a ligação, já voltando ao seu humor habitual.
Bastou só a sua assistente ligar para que ele voltasse a se irritar? Que maravilha!
Poxa, Heather! Será que você não poderia ter demorado só mais um pouquinho para comunicar o que quer que tenha de importante?
— Lembro-me de ter sido bastante claro quando nos falamos há uma hora atrás, mas seja breve. — continua falando com ela.
Não estou ouvindo o outro lado da conversa, mas, se eu conheço bem a minha parceira de trabalho, ela deve estar contendo sua raiva nesse exato momento, assim como seu chefe na minha frente.
Eles se irritam tanto um com o outro, parecendo nutrir o mesmo sentimento de indiferença que nem percebem o quão parecidos são. Dois mandões que gostam de fazer as coisas do próprio jeito e que detestam receber críticas.
Deve ser justamente por esse motivo que não se dão bem. O que não é novidade nenhuma, pelo menos da parte do meu pai, já que ele mal possui um círculo social fora daquele trabalho.
Ethan solta um grunhido irritado e antes de desligar a chamada, diz:
— Já estou a caminho. Segure a reunião para mim e mantenha as coisas em ordem — manda e fica alguns segundos em silêncio até se manifestar de novo — Eu ouvi esse xingamento, Lester!
Prendo um sorriso, imaginando claramente a cena da Heather o mandando ir para o inferno ou para lugares parecidos.
— Precisa ir, né? — pergunto retoricamente.
Meu pai solta um longo suspiro.
— Devo. Um dos nossos sócios está com os ânimos um pouco alterados e não posso deixar a Heather comandar a reunião sozinha por muito tempo. Sei que ela é capaz disso, mas não quero que lide com alguns daqueles idiotas sem mim.
Abro a boca, surpresa com muitas coisas nessa sua fala, mas a principal delas foi:
— Você a chamou pelo primeiro nome? E sem o senhorita? — inquiro, chocada.
Essa é a primeira vez em um ano — ou melhor, em todos esses anos — que vejo-o se referir a um de seus funcionários de forma informal.
Parecendo se dar conta do que fez, sua expressão facial se transforma em uma careta assustada. O que ele logo trata de disfarçar.
— Para você ver, minha filha. Aquela mulher, ou melhor, a senhorita Lester sabe como me tirar do sério. — se corrige, guardando o celular no bolso.
Quase me sinto uma boba por notar a forma como ele se referiu a mim. É tão simples, mas já fazia tanto tempo que nem me lembrava mais a sensação dele me chamar assim sem ter algum colega ou sócio por perto.
É, quando digo que ele se fechou completamente para tudo e todos, não é exagero...
— Acho que já vou indo também. — anuncio. Já fiz o que precisava fazer aqui.
Ele concorda com a cabeça e faz menção de se aproximar um pouco mais de mim e permaneço parada, esperando seu próximo passo.
No entanto, ele desiste como anteriormente fez e dá um passo para trás.
— Faça uma boa viagem. — diz, como forma de despedida.
Murcho um pouco, mas tento não transparecer.
— Farei.
Desviando o olhar, começo a seguir o caminho para fora daquele lugar, acreditando que ele fará o mesmo, mas me surpreendo ao perceber que Ethan permaneceu no mesmo lugar.
Vendo que isso foi o máximo de um até logo para nós, decido continuar andando.
Até que sua voz me para.
— E, Blair?
Viro o pescoço para trás.
— Hum?
— Me ligue ou mande uma mensagem quando chegar em Carmel, ok? — pede.
Vejo que ele genuinamente quer que eu dê notícias e não contenho um pequeno sorriso ao concordar.
— Está bem, pai.
Mais um capítulo postado com sucesso!
"Vejo" vocês novamente no final de semana com a Blair finalmente em Carmel. Preparados?
Se cuidem.
Um beijo e até logo!
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