Capítulo 3
- O quê!? Já vou avisando que sou inocente - entro na sala da diretora já dizendo essas exatas palavras - Eu não fiz nada!
- Do que você está falando? - Carmen aparenta estar... triste?
- O que aconteceu? - enrugo a testa.
- Sente-se querida, por favor - ela manda e eu obedeço - O assunto é delicado - como uma simples frase pode deprimir tanto uma pessoa?
- Não me mata de curiosidade, diga logo! - rio sem humor.
- A sua tia. Ela... sofreu um acidente - nesse momento, senti falta de ar, minhas pernas ficaram bambas.
- Ela, ela... Ela está bem!? - pergunto preocupada, tentando trazer o ar aos meus pulmões.
- Ela foi encaminhada para o hospital Boa Vida. Me ligaram agora, avisando.
- Eu preciso vê-la!
- Sua tia foi vítima de uma bala perdida enquanto atravessava a rua.
- Mas, mas... - minha garganta se fecha.
- Não foi nada de muito grave - solto o ar de meus pulmões pesadamente.
- Eu preciso vê-la, agora mesmo! - a necessidade de vê-la me deu forças o suficiente para me levantar da cadeira.
- Você não pode sair assim, do nada. Ainda é uma menor de idade - ela enruga a testa.
- Tenho idade o suficiente para pegar um ônibus e ir ao encontro de minha tia.
- Mas e se acontecer algo com você? É responsabilidade da escola.
- Não vai acontecer nada.
- Amora! - ela me repreende antes que eu possa sair pela porta à fora.
- Diretora! - a encaro na mesma altura por alguns segundos.
- Aprenda a ter mais educação!
- Para isso, minha tia tem que estar bem.
- Amora! - ela novamente me chama, mas eu a ignoro.
Preciso ver minha tia!
Não importa quantas vezes ela demonstre que não me ama, não importa quantas veze me castigue, mesmo algumas raras vezes eu merecer... Bom não importa.
Eu não quero o mal dela, não quero que ela sofra, não quero que ela...
Forço minha mente a parar de pensar nessas coisas negativas e foco apenas em sair daqui e ir ao encontro de dona Cláudia.
- Amora? - avisto Enzo no final do corredor.
- Oi e tchau - passo por ele sem diminuir o passo.
- O que aconteceu? - ele tenta me acompanhar.
- Preciso sair daqui - digo seca.
- Vou com você - eu paro para encará-lo, vejo que está sorrindo.
- Não - volto ao que eu estava fazendo.
- Sim. Você não manda em mim - ele dá uma pausa - E as aulas ficaram chatas - rio sem humor.
- Você quem sabe. Mas depois não vem reclamar que você ficou de castigo ou algo do tipo por minha causa.
- Nunca, minha flor. Sei arcar com as consequências das minhas escolhas. Não sou covarde ao ponto de jogar a culpa em outra pessoa. Além disso, duvido muito que eu fique de castigo - ele ri e eu arqueio uma sobrancelha.
- Que seja... - pauso por um estante - Pra andar comigo, tem que saber lidar com a adrenalina - sorrio.
- Sem problemas - Enzo gargalha.
- Ótimo - chegamos até o portão que dará acesso à liberdade.
- Como passamos por ele? - Enzo se refere ao guarda à nossa frente. Eu apenas sorrio diabolicamente.
- Ei, você! - faço sinal para o guarda - Não vai separar a briga, não? - faço uma brilhante atuação, tentando demonstrar que estou completamente desesperada.
- Não devia estar na aula?
- Eu estaria se a briga não tivesse começado - digo irritada - Por favor, ele vai matar aquele garoto - volto com a face de preocupação, enquanto que o guarda compreende, finalmente, e sai corredor à dentro - Que tapado... - comento.
- Temos uma atriz aqui? - Enzo sai de seu esconderijo de trás dos armários.
- Sim. Sabe fazer parkour? - mudo de assunto.
- Quê? - ele me olha desentendido.
- Digamos que não é a primeira vez que isso acontece... Então, eles passaram a trancar o portão - digo como se não fosse nada demais.
- E você sabe?
- Fui obrigada a aprender. Sobrevivência - rio e, mal termino de falar, já começo a me afastar para ter um impulso e poder escalar melhor - Se não conseguir. Não se preocupe, eu... Uau! - arregalo os olhos ao vê-lo saltar com perfeição.
- O que dizia?
- O-onde aprendeu? - gaguejo.
- Sobrevivência - ele me imita.
- Ei, vocês! Parados! - olho para trás e vejo o guarda vindo em minha direção.
- Xiii... Ferrou - pulo rapidamente e caio de pé ao lado de Enzo.
- É melhor sairmos daqui.
- Concordo plenamente - disparamos a correr, enquanto que o guarda ainda perdeu tempo tentando achar a chave correta que abre o portão.
Depois de correr por algum tempo e concluir que não estávamos mais sendo seguidos, eu paro.
- Conseguimos! - pulo de alegria.
- Sim!
- Cara. Você só tem a ganhar comigo - o empurro de leve no ombro.
- Não discordo. Mas então, posso saber por que estava tão desesperada para fugir de lá?
- Preciso encontrar a minha tia - digo já caminhando em direção ao ponto de ônibus. Mas paro ao ouvi-lo pigarrear - Quê?
- Eu não sei se você se lembra, mas... Sem dinheiro?
- Puts... Estava tão focada em sair de lá, que nem lembrei de tal coisa - Enzo começa a gargalhar - Mas, não é tão longe assim e eu não vou morrer se andar 1 quilômetro - começo a caminhar e ele sorri e me acompanha.
- Você é especial - ele quebra o silêncio que havia estabelecido entre nós.
- Sei disso - não o encaro.
- E talentosa.
- Sei disso.
- E orgulhosa.
- Sei disso.
- E durona.
- Sei disso.
- E encrenqueira.
- Sei disso.
- E chata.
- Também... Ei!? - ele gargalha.
- Também sabe disso?
- Não me enche - soco seu ombro.
- Por que você é assim?
- Assim como?
- Assim. Você se faz de durona, mas saquei que é uma manteiga derretida.
- Na real, quem não é uma manteiga derretida?
- Eu - ele diz estufando o peito.
- Haha! - forço uma risada - Acredito, viu?
- Mas, então. Voltando. O que aconteceu para você criar todas essas barreiras à sua volta?
- Que barreiras?
- Essas - ele começa a fazer cócegas em mim.
- Ei... Parou... Sai... Cai fora - digo já sem ar.
- Ela sente cócegas... - continua com seu ato.
- Alguém já te falou que você é muito ousado? - digo irritada quando ele finalmente me deixou respirar.
- Na verdade, não - ele finge pensar.
- Mas agora eu estou te dizendo.
- Tá. Deixa-me pensar... Que tipo de livro você gosta de ler? - começo a gargalhar.
- Que coisa mais aleatória... - olho pra frente.
- Mas vai, me responda.
- Simples. Não leio.
- Como não!? - ele arregala os olhos.
- Como ler? Já basta eu ser obrigada a ler os trens da escola, agora, como lazer? Meu Deus! Dou conta não.
- Você diz isso porque não conhece os livros do Stephen King.
- Nem quero conhecer as histórias dele.
- Mas você já conhece.
- Eu!?
- Sim. Conhece o filme It-A Coisa?
- Como não conhecer? O melhor filme de terror do mundo! - abro o sorriso.
- Então. Foi baseado no livro dele - fico sem palavras - Como você não fica empolgada com uma coisa dessas?
- Como você fica empolgado com uma coisa dessas? - rebato.
- Você realmente não existe...
- Meu Deus! Descobriu o meu segredo... Por favor não conta para ninguém - finjo suplicar.
- Eu não conto se você não contar que eu sou um anjo.
- Meu jovem... Só se for um anjo caído - gargalho.
- Fechado? - ele me estende o braço. Eu rio com o seu gesto e decido entrar na brincadeira.
- Fechado - Enzo também ri - Bom. Chegamos - falo ao ficar de frente para o hospital, fazendo com que eu me entristecesse novamente ao me lembrar do porquê d'eu fazer tudo isso para chegar aqui.
- Hospital...?
- É por isso que eu fugi. Precisava encontrar a minha tia - falo já entrando no recinto - Bom dia - digo para a recepcionista - Eu quero ver a minha tia. Cláudia Lima.
- Só um minuto, por favor - o minuto dela pareceu uma eternidade para mim - Ela já se encontra no quarto descansando. Mas você não pode entrar.
- Por quê? - pergunto indignada.
- Você... - eu não quis mais ouvir suas explicações, estava quase indo jogar seu computador longe quando Enzo me impede.
- Eu vou ver a minha tia! - tento me soltar de seu aperto.
- Quer que ela chame os seguranças? Aí eu posso te garantir que você não vai ver ela.
- Então, você vai ter que me ajudar! - me solto, finalmente, e não peço, mas sim ordeno.
- Ok - ele sorri de modo travesso.
- O que tem em mente?
- Acha que só você tem as ideias mirabolantes?
- Na verdade, sim - ele revira os olhos.
- Mas está errada. Olhe e aprenda - ele sorri uma última vez e vai em direção à mulher no balcão.
Não consigo escutar sua conversa, apenas quando ele começa a gritar:
- Como você não tem ela no registro? Ela está aqui e eu preciso vê-la. Que porcaria de sistema falho é esse!?
Aproveito que todos estão entretidos com a cena que Enzo está fazendo e passo despercebida pelo segurança. Não faço a menor ideia em que quarto minha tia esteja, mas irei encontrá-la.
Depois de um século de vida... Encontro dona Cláudia no quarto 318, terceiro andar.
Foi difícil, mas consegui.
Dona Cláudia estava com um soro no braço, respirando com o gerador de oxigênio e o monitorador fazia o famoso "pib", constando que ela estava viva, mais alguns arranhões pelo seu rosto.
A vendo dormindo assim, nem parece que é uma mulher carrancuda que ama me proibir de fazer as coisas legais.
- Tia, eu não faço a menor ideia se está me escutando. Mas, se estiver, me dê um sinal, por favor? - permito que uma lágrima caia de meus olhos, afinal, ninguém estava vendo isso - Eu queria pedir desculpas por todas as vezes que eu gritei com você - também é um momento único. Afinal, não é todo dia que Amora Lima confessa ter errado.
Mas então, o meu desespero começa. O monitorador começou a dar sinal de...
- Ai meu Deus! - demora demais para cair a ficha - ENFERMEIRA! - grito desesperada por ajuda. Até que a sala se enche de pessoas com o jaleco branco - Ajuda a minha tia, por favor! - mais lágrimas são derramadas de meus olhos, mas nesse momento, eu só me preocupava com a minha tia. Meu foco era todo nela.
- Afasta! - um dos médicos grita antes de usar o desfibrilador em minha tia - Afasta! - mais uma vez. Porém, nada acontecia.
- NÃO! - grito ao ver que eles pararam de se movimentarem - Não desistam! É a minha tia! - corro para abraça-la, mas sou impedida por alguém. Entretanto, não deixo isso me impedir, me solto do aperto, de seja lá quem for, e corro até ela - Não! - minha última lembrança até tudo escurecer.
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