capitulo 6
Me sento numa cadeira, sentindo o peso da exaustão.
"Seu Ribas, tem como o senhor me ajudar aqui com meu carro? A gasolina está na reserva."
O velho sai pela porta, deixando-me sozinho com a esperança de que alguém possa me ajudar. Meu coração está acelerado, e a sensação de desespero me faz quase esquecer onde estou.
De repente, o homem forte entra na sala, tirando os óculos escuros. Eu permaneço com a cabeça abaixada, tentando esconder a agitação que sinto.
"Há, seu delegado, estava pensando no senhor agora há pouco. Tem um garoto lá dentro com uma história muitíssimo interessante, acho que o senhor gostaria de ouvir."
Ouço sua respiração ofegar e, de repente, reconheço a voz. "Erick..."
Meus olhos se erguem lentamente, e ali está ele—Gael. A visão dele é um alívio inesperado, e lágrimas começam a escorregar pelo meu rosto.
"Gael!"
As palavras saem carregadas de emoção, e a exaustão e o medo são substituídos por um sopro de esperança. Gael se aproxima, ajoelhando-se na minha frente. Seu olhar é cheio de preocupação e alívio.
"Você não sabe como estamos procurando por você..." Ele diz, a voz cheia de alívio e desespero.
Com o corpo ainda fraco e a mente confusa, mas com uma força renovada, peço com urgência:
"Me leva pra casa!"
As palavras saem sem reação, mas cheias de necessidade. Gael, com um olhar resoluto e protetor, se levanta, pronto para me levar de volta ao lugar onde finalmente posso sentir segurança
Gael me leva com cuidado até a delegacia de Palmas. A viagem parece interminável, mas a presença dele me dá uma sensação de segurança, um fio de esperança em meio ao caos que vivi. Assim que chegamos à delegacia, a realidade do que ocorreu me atinge com força. A equipe de médicos legistas me aguarda, e o processo se torna uma nova forma de tortura psicológica.
No interior da delegacia, sou conduzido a uma sala de exames. O ambiente é clínico e impessoal, com paredes brancas e iluminação fria. Os profissionais, embora respeitosos, se movem com uma eficiência quase clínica, tirando minhas roupas e me pedindo para me posicionar para as fotos. Cada flash da câmera parece uma invasão adicional à minha dignidade, e me sinto vulnerável e exposto. Cada clique da câmera é um lembrete doloroso da minha fragilidade, da perda de controle sobre meu próprio corpo. Eu me sinto desprotegido e envergonhado, como se cada imagem capturada fosse uma marca permanente da dor que sofri.
Enquanto estou sendo fotografado, minha mente se perde na esperança de um consolo que parece distante. Ouço uma voz familiar do lado de fora da sala. É meu pai. O som da sua voz, carregado de preocupação e tristeza, atravessa a porta e faz meu coração acelerar. Eu me sinto um pouco mais próximo de casa, embora ainda esteja imerso em um sentimento de desamparo.
As lágrimas começam a escorrer pelos meus olhos, e, ao ver meu pai entrar na sala, a sensação de alívio é esmagadora. Ele me olha com um misto de alívio e dor, e essa visão faz meu choro se intensificar. A presença dele é um ancla em meio à tempestade, um lembrete de que, apesar de tudo, eu ainda tenho uma família que se preocupa comigo.
Finalmente, quando saio da delegacia, o cenário do condomínio residencial onde moro se revela diante de mim. A entrada está tomada por uma multidão de repórteres e fotógrafos, suas câmeras piscando incessantemente. O barulho das perguntas e flashes é ensurdecedor, e o medo de ser exposto novamente é palpável.
O silêncio que mantive desde que Gael me encontrou é quebrado apenas pelo som das câmeras e perguntas frenéticas. Tento me esconder das lentes, minha mente repleta de uma sensação de exposição e fragilidade. Cada movimento é um esforço para evitar o foco das câmeras, e eu me sinto mais uma vez como uma vítima, não apenas das circunstâncias que vivi, mas também da atenção implacável dos meios de comunicação.
Gael, ao meu lado, faz o possível para proteger-me do assédio dos repórteres, mas a sensação de estar no centro das atenções é quase insuportável. Meus pensamentos estão turbados, e a sensação de estar desprotegido e exposto, tanto fisicamente quanto emocionalmente, torna-se um peso esmagador. Afinal, meu caso virou algo nacional, aparentemente eu havia desaparecido por seis meses, mas por questões das drogas e por ficar muito tempo desacordado, eu mal havia sentido o tempo passar.
•••
Quase um ano havia se passado, e eu me encontrava em uma terapia de grupo, realizada em um espaço improvisado numa antiga igreja. No centro da sala, havia um tapete redondo com o coração de Cristo, um símbolo que, para mim, parecia um paradoxo diante da dor que experimentei. "Se Ele existe, por que permitiu que tudo isso acontecesse comigo?" me pergunto frequentemente.
Sentado no círculo de cadeiras, olho para os rostos desconhecidos dos outros participantes do grupo de apoio. A atmosfera é de silêncio e expectativa. Quando é minha vez de falar, me sinto vulnerável, mas também aliviado por poder compartilhar minha história.
"Eu me chamo Erick Schimutz, tenho 18 anos e fui abusado há 10 meses. Fui sequestrado por quatro homens que me levaram para o Jalapão em São Félix. Todos me estupraram, me doparam e eu fiquei desaparecido por uma semana. Consegui fugir e fui encontrado em um posto de gasolina pelo meu padrasto, em condições muito graves," falo, olhando para os rostos ao meu redor. Cada palavra parece pesar mais à medida que a história avança.
Todos na roda me observam com preocupação. É uma sensação estranha, ser o centro da atenção nesse momento, mas também é um alívio não ter que carregar o peso da minha dor sozinho.
"Obrigado por compartilhar sua história conosco," diz a coordenadora do projeto, sua voz suave e acolhedora.
Me sento novamente, tentando reunir minhas forças. "Mais alguém gostaria de compartilhar sua história? Lembrando que aqui é um lugar seguro."
Uma menina com a aparecia mais jovem que a minha ergueu sua mão. Seu nome era Tina, ela era abusada pelo irmão a um ano e meio, mas a cinco meses ela havia conhecido o centro de acolimento a pessoas abusadas.
"Pode falar, Tina."
Cruzo os braços e vejo-a chorar sobre as mãos.
"Foi ele... Ele chegou cedo demais ontem, minha mãe tinha acabado de sair de casa. Leon disse que não era para contar para ninguém, falou que eu ia gostar e que com o tempo não sentiria mais nada. Mais eu sinto, dói..."
Enquanto ela falava lembro de cenas de quando fui estuprado, eram mais lapsos de memórias, não se podia confiar na minha mente com toda certeza:
Tiago pôs o pano branco dentro de minha boca, me pôs de quatro e se ajoelho atrás de mim. Com os braços esticados presos na barra de ferro. Sua mão crava em meus cabelos e a outra na virilha.
"Não vai doer, putinha."
Ele enfia o pau com força dentro de mim. Com a mão firme agarrado a mim ele puxa minha cabeça para trás e mete com força, sua mão calosa aperta minha cintura com a pressão. Socando forte dentro de mim.
"Oh... Que cuzinho gostoso... Vai... Quer mais fundo? Vou te deixar assado!"
Grito, mais meus gritos são abafados com o pano que estava na minha boca. Estava doendo muito.
"Isso, tá gostando... Vou te foder todinho! Sua praga! Gostosa! Eta puta com o cu gostoso. Estava contando os minutos pra te fuder . Minha delícia."– falou puxando meu cabelo e batendo em minha bunda com a enorme mão.
Volto a ouvir o que a garota falava, até po que desde que comecei a terapia individual, meu psicologo disse que minha mente gostaria de me pegar peças.
"Ele me põe de quatro e tampa minha boca com pano, segura meu peito, puxa com força..."– a menina se fala e começa a chorar.
"Bom, terminamos por hoje. Nosso próximo encontro será na quinta-feira, aqui, às 20:00. Agora temos um lanchinho, até a próxima, galera."
As pessoas se levantam e vão em direção à mesa de comida. A senhora Marques se aproxima da garota, a abraça e tenta consolá-la. O ambiente se enche de murmúrios e sorrisos, mas eu ainda sinto o peso da minha história.
Gael aparece na porta da sala dos fundos da igreja luterana. Seu sorriso é um alívio para mim. Levanto-me e vou até ele, aceitando seu abraço e o beijo carinhoso no rosto. Juntos, seguimos para o carro.
"Como foi?" — pergunta ele enquanto dirige.
"Normal!" — respondo, tentando esconder a frieza em minha voz.
É visível a mudança que ocorreu em mim desde que voltei. As marcas do trauma ainda estão presentes, mas há um conforto em saber que não estou sozinho.
Gael segura minha mão e a leva até seus lábios, beijando-a com ternura. "Eu te amo, você sabe, né?"
Sorrio para ele, tocado por suas palavras e pelo gesto de carinho. Gael estaciona o carro em frente a uma sorveteria.
"Vou comprar sorvetes. Quer de quê?" — pergunta ele, tirando a carteira do bolso.
"Kinder, com cobertura de menta," digo, ainda sorrindo.
Gael me dá um beijo e sai do carro, entrando na sorveteria. Enquanto o observo, um homem loiro aparece, acendendo um cigarro e jogando-o no chão. Reconheço-o imediatamente como Ricardo, o loiro do dia do sequestro.
Um grito escapa dos meus lábios quando Gael entra no carro novamente. "Erick... Erick... É só eu, Gael!"
Olho ao redor, tentando processar o que vi. Será que estou pirando? A realidade parece se distorcer, e minha mente luta para distinguir entre o medo e a ilusão. Gael me observa, preocupado.
"Você está bem? O que aconteceu?" — pergunta ele, segurando minhas mãos.
"Eu... acho que vi Ricardo," digo, a voz tremendo.
Gael franze a testa, mas antes que possa responder, a sorveteria se abre e ele volta com os sorvetes, o sorriso no rosto.
"Vamos, vamos esquecer isso por um momento e aproveitar o sorvete," diz ele, tentando aliviar a tensão.
A tensão no ar persiste, mas o gesto de Gael me lembra da necessidade de seguir em frente, apesar das sombras do passado.
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