"Teus dons, tuas palavras, estão em minha mente
Com todas as letras, em eterna lembrança,
Que permanecerá acima da escória ociosa
Além de todos os dados, mesmo na eternidade;
Ou, ao menos, enquanto a mente e o coração
Possam por sua natureza subsistir;
Até que todo o esquecimento liberte sua parte
De ti, teu registro não se perderá.
Esses pobres dados não podem reter tudo,
Nem preciso de números para medir o teu amor;
Assim fui corajoso para dar de mim a eles,
Para confiar nesses dados que sobram em ti.
Manter um objeto para lembrar-te
Seria aceitar o esquecimento em mim"

— William Shakespeare.

A vida não acaba após a morte de alguém que amamos.

Precisamos nos manter fortes.

Eu tive que aprender isso um mês após ter perdido para sempre o amor da minha vida.

Foram dias difíceis para todos que o amavam, assim como eu, mas para mim, estar sem o Keanu se assemelha ao fim do mundo.
Ele foi o meu primeiro amor.
E não tê-lo mais ao meu lado, é penoso.

A morte corporal de Keanu me afetou bastante. Foram noites intermináveis de choros e gritos angustiantes.

Eu me sentia vazia e sem direção.

Eu me perdi, após tê-lo visto descer a sepultura.

Não conseguia pensar que existe uma Zoey Lancaster sem Keanu Davies.

Katherine é quem me puxou de volta para a realidade com duras palavras, em mais uma dessas madrugadas sem fim. Lembro de acordar mais uma vez aos gritos após um pesadelo terrível, lágrimas banhavam o meu rosto. Como tinha sido todos os dias durante um mês:

Katherine adentra o meu quarto, acende a luz e me encara. Ela também está sofrendo, uma feição cansada lhe toma o rosto. Keanu era seu melhor amigo, um irmão para Katy.

Katherine naquela noite, caminhou até mim e se sentou ao meu lado na cama. Enxugou as lágrimas que escorriam pela minha bochecha e soltou um longo suspiro, as palavras que sairiam de sua boca a seguir me abalaram completamente.

— Zoey, isso precisa acabar. Estamos todos mal com a partida de Keanu, mas isso ultrapassa o nível saudável de um luto.

— Me desculpe.

— Acho que é melhor você voltar para Oxfordshire.

Após a morte de Keanu, eu tinha optado por continuar na cidade. Imaginando que isso me ajudaria a superar. Havia sido aqui que meus sonhos me trouxeram, me guiaram até Keanu e era aqui que eu deveria permanecer.

— Não posso voltar para lá. Eu pertenço aqui.

— Então você precisa encontrar alguma forma de lidar com a dor! Ele se foi, Zoey! — O grito que sai da boca de Katherine é agudo, lágrimas começam a nascer em seus olhos. — E eu acho que sua alma não retornará tão cedo. E se voltar... — Ela pausa. Eu sei o que ela irá dizer. Não sabemos se ele voltará com ou sem uma conexão com a vida passada, afinal, é raro. Eu sou um caso raro, havia dito Steven Stoucker.

— Eu sei.

— Se fosse ao contrário, você gostaria de vê-lo sofrendo dessa forma?

— Não. Eu gostaria que ele fosse feliz novamente.

— Então, Z. Precisamos seguir em frente. Você precisa seguir em frente. — Katherine enxuga o nariz. — A nossa vida não acabou. Keanu gostaria que vivêssemos ela.

Lembro que não respondi, apenas abracei Katherine com todo o meu coração. Ela tinha aberto os meus olhos, Keanu não aceitaria me ver desistindo dessa forma medíocre.

Ao acordar, naquele mesmo dia, entrei em contato com Roger, a procura de um emprego. Ele foi bastante gentil e rapidamente fui admitida. Roger, costuma me dizer todos o dias que sou jovem e que tenho muito a acrescer na "velha empresa".

Quebrada e machucada, continuei seguindo em frente, da melhor forma que encontrei.

A morte de Keanu não afetou somente a mim e a Katherine.  A dor de sua perda também se alastrou até a professora Margareth. Eu a encontrei sem querer em um mercado, enquanto fazia as compras do mês para o apartamento. Ela parecia a mesma mulher, muito bem arrumada mas, algo em Margareth estava diferente, seu olhar mais perdido.

Acho que assim como eu, ela nunca o supere totalmente, afinal, Keanu era um homem extraordinário em todos os aspectos.

Recordo que ao me aproximar da professora Margareth, ela sorriu sem humor e me contou dos sentimentos que Keanu sentia por mim e que era uma pena ele nunca ter me contado. Eu tinha permanecido em silêncio, na época, afinal, ela não tinha conhecimento do romance que vivemos enquanto ele ainda ministrava aulas na Saint Andrews. Eu queria que Margareth, mantivesse a memória de Keanu como o professor exemplar que ele foi, sem carregar a imagem do professor que se envolveu romanticamente com sua aluna.

Hoje completa quatro meses de sua partida. 

Se eu olhar com racionalidade, vou ver que é só mais um domingo normal e que nada de trágico aconteceu meses atrás, mas eu sou emocional demais para ignorar o fato de que, mais um mês se passa desde que uma queda de avião me separou do homem que amo.

A vida é realmente um sopro.

Em um momento você existe e em questão de minutos...

Puft

Tudo acaba.

Uma brisa fina bate em meu rosto enquanto jogo a toalha quadriculada, em tom de amarelo e branco, na grama. Estou no lago em que Keanu me beijou pela primeira vez.

Lembro que aquele beijo me assombrou por dias.

Meu lindo professor da universidade tinha me beijado. E e eu não parava de pensar em quão bom tinha sido.

Desde que Keanu se foi, eu tento seguir em frente. Estar aqui, entre a natureza, no ambiente secreto dele, me faz ser capaz de senti-lo próximo a mim.

Me sento na toalha e olho para o lago. Os raios de sol que refletem na água brilham, é como observar várias joias e cristais brilhantes.

As vezes, me pego pensando.

Será que sua alma já retornou em um novo corpo?

Como será?

Será que seus olhos continuam castanhos ou agora, serão verdes?

Steven Stoucker disse que nem todas as almas se lembram de quem foi em sua vida passada.

Será que ele se lembra?

Se lembra de mim?

Se Keanu estiver de volta, uma parte de mim deseja que ele seja uma dessas pessoas que não se recordam de nada do que viveram anteriormente, mesmo que isso signifique que nunca será trazido pelas memórias até mim.

Eu, mais do que ninguém, conheço a confusão que é você ainda ser ligada em sua outra vida.

Outra parte, a minha parte egoísta, deseja profundamente que ele se lembre de tudo e venha até mim, como muitas vezes tinha acontecido em meus sonhos.

Eu sei que vai demorar para ele voltar e até lá, talvez eu nem exista mais nesse mundo.

Observo o barco e o balançar da água cristalina, indo e voltando com o soprar do vento.

Sinto que nunca vou conseguir supera-lo totalmente.

Na verdade...

Eu não quero superar.

Não depois de tudo o que vivemos juntos.

Não há forma de superar.

Não quando sabemos que nossas almas estão fadadas a se reencontrarem.

Keanu e eu somos almas gêmeas e estamos destinados a nos encontrar... De uma forma ou de outra.

Por mais que eu me esforce para sentir alguma felicidade no meu dia a dia, me sinto oca e completamente vazia. Meus olhos vivem procurando por algum fragmento do Keanu em outros corpos e mesmo que, futuramente, eu me permita estar em uma nova relação, jamais vou esquece-lo.

Me recuso a esquece-lo.

Eu vivo para ama-lo.

FIM.

EM MEMÓRIA DE KEANU DAVIES.

Um amigo leal;

Um professor justo;

Um homem incrível.