É incrível como um banho pode revitalizar a gente. Visto uma calça de moletom preta e me permito ficar sem camisa. Meu cabelo está molhado, os pingos de água que escorrem dos fios não estão me incomodando no momento.

Desço as escadas e encontro uma Katherine se deliciando com uma taça de vinho no balcão da minha cozinha.

— Minhas costas estão me matando. — Falo, ao me aproximar de Katy. Apanho uma taça vazia, a enchendo do meu vinho favorito.

— Precisa trocar o colchão. — A mulher toma mais um gole da taça.

— Não durmo em casa faz quatro dias. — Katherine me encara surpresa. — Estava em viagem e noite passada eu dormi em uma cadeira de hospital. — Respondo dando as costas e caminhando até a sala. Encosto as minhas costas no sofá macio e o meu corpo agradece.

— Como assim, no hospital? — Katy pergunta ao se sentar ao meu lado.

— Zoey teve um outro ataque quando estávamos no aeroporto. — Bebo mais um gole do líquido vermelho da taça e encaro Katherine. — Estive com ela a noite toda no hospital e depois que tivemos alta, passei a tarde com ela. — Um sorriso aparece em meus lábios ao recordar das lembranças desta tarde ao lado de Zoey. O calor de sua pele em meu peito, o cheiro suave de seus cabelos...

— Você esteve com ela a tarde toda? — Seu tom é de surpresa. — Então tem algo acontecendo entre vocês? — Katherine arqueia a sobrancelha e sorri.

— Acho que sim.— Respondo receoso.— Nós nos beijamos naquele dia do passeio de barco e depois, ela me beijou no escritório de um amigo... — Sou interrompido por um grito histérico de Katy.

— Vocês se beijaram! Quando pretendia me contar?!

— Estou te contando agora, não estou? — Solto uma pergunta retórica. — Eu estava preocupado com o que você fosse pensar. Minha profissão torna tudo isso tão horrível.

— Não, não é horrível. Olha só para você, Keanu. Parece vivo novamente,  há um brilho em você. Ela voltou para você. Para nós dois. — Katherine não sabe, mas havia tirado um peso enorme dos meus ombros. Saber que ela, de todas as pessoas, está apoiando essa insanidade, de certa forma é libertador.

— Teve um momento no hospital que Zoey disse que eu sou o sonho dela. — Deixo escapar um pequeno sorriso.

De repente, tudo se interliga.

Zoey não passou mal por conta do esforço da viagem ou por estar ansiosa com alguma coisa, ela havia se lembrado de mais alguma parte da vida de Marie. Pelo desespero que Zoey demonstrou, talvez ela tenha se recordado do teatro. A dor no peito se encaixa com a dor que Marie deve ter sentido com a bala perfurando seu coração.

Me levanto sobressaltado do sofá. Em aflição levo minhas mãos para o cabelo, puxando levemente os fios. Ignoro o olhar confuso que Katherine me lança, não posso perder a linha de raciocínio.

Os flashes de memória estão desgastando Zoey, este é o estopim para a sua doença. E pelo fato da minha garota ter me dito que eu sou seu sonho, talvez ela tenha me visto em algumas dessas lembranças de Marie e isso pode ter mexido ainda mais com as suas emoções, piorando tudo. É isso que sinto que Zoey está me escondendo, talvez ela saiba que está vivendo mais uma vez.

Volto meus olhos para uma Katherine espantada. Respiro fundo e retorno para o sofá, a encaro sério.

— Zoey possui uma doença psicossomática. — A mulher em minha frente me encara confusa. Percebo que ela não entende o que estou dizendo. Solto um suspiro longo e jogo os meus cabelos para trás. É melhor eu explicar do início antes que eu pareça um lunático. — Estava lendo um livro de um especialista sobre reencarnação. Ele descobriu que as pessoas que reencarnaram tendiam a trazer com elas doenças que se deram por modo em como desencarnaram na vida anterior. — Forço-me a lembrar do exemplo que estava no livro. — Quem morreu por asfixia, por exemplo, consequentemente possui problemas no sistema respiratório. Uma doença psicossomática.

— Eu entendi, mas como sabe que ela sofre com isso? — Katherine me encara, eu não consigo decifrar sua expressão.

— Lá no hospital foram feitos alguns exames e constataram que Zoey tem sopro no coração. — Bebo mais um gole de vinho, e Katherine me acompanha, levando a sua taça até os lábios. — Eu não lembro direito os termos médicos de como isso acontece, mas é algo sobre uma válvula defeituosa no sistema cardíaco. Marie morreu com um tiro no coração. — Finalizo, soltando o ar que nem sabia que estava segurando.

— Isso é tudo muito louco, né? — A voz de Katherine sai em um sussurro. Concordo com a cabeça. — O que faremos com toda essa informação?

— Eu não faço ideia. — Sussurro. — Minha vontade é contar tudo para Zoey e a levar para o altar novamente. Me casaria com sua irmã um milhão de vezes. — Falo e Katy sorri com minha afirmação. Sua expressão me mostra que seus pensamentos estão longe.

— Marie era realmente uma pessoa maravilhosa, de uma alma pura. Estou feliz que você tenha conquistado ela, de verdade. Vocês merecem mais essa chance. — Os olhos de Katy estão molhados por Lágrimas. — Quando vou poder me encontrar com ela novamente? Dessa vez sem parecer uma idiota.

Katherine consegue me tirar um riso fraco. 

Recordo o quanto a garota tinha ficado chocada ao ter visto Zoey pela primeira vez.

— Eu não sei. — Respondo sincero. — Mas, vamos pensar em algum jeito.

— Só toma cuidado, Keanu. Nem todos vão entender esse laço entre vocês. Você pode perder tudo. — Sua voz está séria. Seus olhos me encaram profundamente, demonstrando preocupação.

— Eu sei dos riscos disso, mas é mais forte que eu. É difícil resistir. — Sorrio, tentando tranquilizar Katherine.

— É, eu imagino. Eu sei como você e Marie eram, tão... Como posso dizer, conectados. — Katherine junta as suas duas mãos em frente ao peito, em demonstração a suas palavras.

— Todas as noites. — Respondo em tom de malícia.

— Eu não estou falando da vida sexual que você tinha com minha irmã! — Exclama Katy fazendo uma careta.
Dou risada de sua expressão.

— Você não me contou o que aconteceu para ter perdido as chaves. — Relembra ela.

— Quando eu estava socorrendo Zoey, eu esqueci de tudo o que me cercava, incluindo minha mala e as chaves estão lá dentro. Por sorte, Margareth está com ela e vai me entregar amanhã.

— Quem é Margareth? — Katherine me encara intrigada. Em todos esses anos, não lembro de ter mencionado o nome da minha colega de trabalho.

— Uma colega de trabalho. — As lembranças da noite erótica com Margareth me atinge. As afasto engolindo mais do vinho e mudo imediatamente de assunto.

Passamos mais algum tempo ali, apenas conversando sobre assuntos do dia a dia. Após Katy se despedir, subo para meus aposentos e adormeço, calmo e sereno. Algo que não conhecia já algum tempo.

Meu sonho desta vez possui paz.

Caminho com Zoey em rumo ao pôr do sol. A mistura do laranja com o amarelo é lindo. Zoey parece ter saído de algum filme de romance, sua beleza é surreal. Seu charme deveria ser considerado um crime. O som da sua risada inunda o meu coração de alegria. Eu gosto de faze-la sorrir.

— Nós merecemos ser felizes de novo, Keanu. — A voz de Zoey é doce.

A minha garota para de caminhar e se vira para mim. Zoey entrelaça seus braços em volta do meu pescoço. — Devemos esquecer a dor.

— Do que está falando, Zoey? Vamos ser felizes. Não há mais dor. — Em seu rosto há uma fina expressão de dor. Seus lindos olhos se fecham com força e em questão de segundos, eles se abrem. Há lágrimas em seus olhos.

— Eu sinto dor, o tempo todo. — Sussurra. Sinto algo molhando minha camisa.

Algo vermelho vivo.

É sangue.

Zoey está sangrando em meus braços.

Desperto em pânico, todo o meu corpo está tremendo e meus batimentos estão acelerados. Não entendo a rapidez que um sonho bom pode se tornar novamente um pesadelo.