A solidão me acompanha (cont.)
Rolei na cama, estiquei o braço e apertei o botão do relógio.
São... cinco... horas... e... cinquenta... e... nove... minutos.
— Droga! Por que não disse apenas que estou atrasado? — briguei com o relógio.
Meus passos estalaram no piso frio, que gelou rapidamente meus pés quentes da coberta. Adentrei a cozinha, nunca tão agradecido por morar sozinho: a cafeteira, o filtro, o pó de café, tudo continuava no exato lugar em que os deixei. Nessas horas, amaldiçoava o vício em cafeína.
Deixei a cafeteira a rugir na cozinha. Voltei para o quarto, escancarei o guarda-roupas e corri as mãos pelas peças até encontrar minha combinação mais certeira.
— Graças a Deus estão limpas!
A cafeteira ainda rugia enquanto me trocava. Voltei para a cozinha praticamente guiado por seu som e já ciente de que não houve tempo suficiente para coar todo o café. Desliguei o aparelho de qualquer forma, despejei o líquido quente em uma caneca e segui para fora do apartamento. Dei apenas um giro de chave na fechadura da porta, chamei o elevador em seguida e, mesmo com toda a correria, a forte sensação de que havia perdido tempo demais me incomodou.
Tim!
Entrei no elevador em busca do celular.
São seis horas e trinta e um minutos.
Tim!
— Oh, seu Gustavo — seu Clóvis gritou do balcão. — Estava preocupado com sinhô já.
— Perdi a hora, seu Clóvis. — Empurrei o celular de volta para o bolso. — Bom dia — desejei a caminho do portão.
— Pro sinhô também — ele gritou de longe. — Cuidado na rua!
— Vou ficar bem! — gritei de volta.
A bengala correu sem empecilhos pela calçada, o cheiro do café me tentava, mesmo mantendo a caneca a uma distância segura do meu corpo.
Apertei o passo. Por sorte, naquele dia nenhum obstáculo me impediu de chegar mais rápido que o normal ao semáforo, onde havia um grupo de pessoas parado sobre a calçada rebaixada.
— Licença! — Outro atrasado raspou o ombro no meu em sua pressa. Eu me afastei do grupo de pessoas até encontrar a fachada da loja já conhecida. A área livre que criei entre nós estava tão concorrida, que tive a impressão que os relógios decidiram fazer greve geral.
O ar perfumado e quente da caneca em minhas mão atingiu a minha face, o cheiro de café fresco me tentou para um bom gole, mas a necessidade de estar atento ao atravessar a rua fez com que eu me contivesse.
— Aqui! — alguém disse, próximo a mim.
Glub!, algo caiu em um pouco d'água.
As pessoas na calçada rebaixada se moveram, as segui atentamente ao rosnar impaciente dos motores, o som das crianças se tornou audível pouco tempo depois que deixei a rua.
"Somente alguns metros me separam do colégio agora."
Diminuí o passo e me permiti o primeiro gole de café. A porcelana da caneca ainda estava morna, o líquido tão almejado desceu pela garganta e aqueceu o corpo, um gosto estranho impregnou em minha boca, e a tão esperada sensação de prazer foi tirada de mim.
— Bom dia, professor — a inspetora me cumprimentou.
— Bom dia, dona Maria — respondi sem deter o passo, não dando a ela a chance de prolongar a conversa.
Tentei outro gole de café e foi ainda pior que o primeiro, minhas papilas gustativas se encharcaram daquele líquido, e acabei com um terrível gosto amargo na boca.
Busquei o celular e consultei novamente as horas.
Seis horas e cinquenta e dois minutos.
Segui para o banheiro dos professores e lavei a boca somente com água, tudo o que tinha disponível naquele momento. Movimentei o líquido asqueroso, que era tudo, menos café, e o verti no ralo; algo deslizou dentro da caneca e tilintou contra a pia.
— Mas o que é isso? — Corri a mão pela porcelana molhada.
***
As risadas animadas do Maurício e Robin chegavam até nós completamente alheias à conversa que mantinha com Violet enquanto descíamos a escada para o refeitório.
— Eu estava lá, parado na frente da loja, feliz com minha caneca de café, quando alguém passou por mim e jogou duas moedas dentro dela.
Violet gargalhou antes de deter o passo.
— Acabou a escada — ela me alertou aos risos.
— Foi uma manhã muito difícil — continuei a reclamar. — Eu nunca mais ando com uma caneca na rua, ou vou dar com ela na cabeça do primeiro engraçadinho que tentar me dar moedas! — Meu novo comentário a fez rir ainda mais.
Nossos passos perderam a velocidade.
— Puta, cara! Aquele show foi foda. — A voz do Robin se tornou mais próxima.
— Eu queria ter ido — Maurício lamentou.
Por algum motivo que me passou despercebido, não escolhemos uma mesa hoje. Os sons e cheiros da cantina, muito próxima de onde paramos, nos envolviam.
— Fiu! — Robin assobiou para alguém. — Eu aceito uma bala dessa.
— É claro que aceita. — Sheila riu alguns passos à frente.
— Não, obrigada. — Violet se afastou de mim. — Que show é esse que vocês estavam falando?
O perfume floral me envolveu.
— Você quer uma bala, Gustavo? — Sheila parou muito próxima a mim.
— Aceito.
Senti a mulher se mover ao meu lado. Sheila tomou a minha mão, virou a palma para cima e depositou ali a bala já sem embalagem.
— Obrigado. — Empurrei a bala na boca sem modo de recusar a oferta.
"Ao menos não foi um homem que tocou na minha bala."
— Você e a Violet estão tendo algo? — Sheila me perguntou baixo.
— Não, somos apenas bons amigos. — Movi a bala para o canto da boca. — Por que pergunta?
— Ah! Eu só estava curiosa.
— Na verdade, estou interessado em outra garota — eu me arrisquei. — Mas talvez eu esteja fantasiando demais, ela pouco fala comigo. — Sorri para ela.
— Se fosse eu, não perderia a chance de convidar você para jantar. — Sheila se fez de afetada.
— Mesmo?
— Mesmo.
— Então por que não experimenta fazer o convite? — eu a provoquei.
— Quer jantar comigo amanhã à noite?
— Que horas pego você?
Ela riu.
— Vamos fazer assim, eu pego você às sete da noite.
— Não, faço questão de buscar você, quero causar uma boa impressão.
Um longo silêncio se seguiu.
— Está bem. Vou mandar pra você uma mensagem de voz com o meu endereço, me pegue às sete — Sheila concordou a contragosto, mas ignorei sua mudança repentina de humor.
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#pratodosverem vídeo clip do capítulo
https://youtu.be/VgcORIN-kQc
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