Como começar a escrever?
MUITAS PESSOAS VEEM O OFÍCIO DA ESCRITA APENAS COMO "SENTAR, ESPERAR POR INSPIRAÇÃO E ESCREVER". Porém, nós sabemos que não é assim que acontece, não sabemos? Se você tem a pretensão de embarcar na arte da escrita e, quem sabe, viver dessa arte, deve ter consciência de que a escrita criativa exige um mínimo de técnica, um passo-a-passo que nos ajuda a encontrar fluidez no texto e ter mais tranquilidade.
Eu sei, eu sei, começar a escrever não é simples. Ou melhor: escrever é simples, qualquer pessoa alfabetizada tem essa capacidade. Porém, escrever com mais consistência, com afinco e organização é algo um pouco mais trabalhoso. O problema é que, em um mundo de "influencers" que fazem parecer que o sucesso acontece "do dia para a noite", muitas pessoas se recusam a ter esse trabalho e apoiam-se na questão da "inspiração".
Pra você ter ideia, parei de ajudar o pessoal no Reddit por isso. A cada indicação sobre livros para fazer roteiros, ou a necessidade de você estudar escrita criativa, eu recebia flechadas, pedradas, pezadas e todas as "adas" possíveis. Por isso, insisto: a maioria das pessoas não quer ter o esforço.
Você precisa se esforçar, estudar, errar e persistir.
Se você quer escrever com mais serenidade, você deve se afastar desse pensamento de que as coisas acontecem "em um piscar de olhos". Perceba que é sim possível escrever com base apenas em inspiração. Eu, você, todo mundo conhece pessoas que fazem ou fizeram isso. Isso é comum e acontece eventualmente. O PROBLEMA é quando a pessoa se apoia apenas nessa "inspiração", não quer estudar a técnica criativa e usa isso para justificar todos os problemas.
O livro atrasou? "Não tive inspiração".
Autoboicote? "Não tive inspiração".
Falta de público? "Não tive inspiração".
Narrativa incoerente? "Não tive inspiração".
Personagens inconsistentes? "Não tive inspiração".
Por favor, fuja disso. O maravilhoso de absorver a técnica narrativa é que você não depende mais da inspiração para escrever. Quando pegamos ritmo de escrita, o processo se torna quase industrial, automático. É maravilhoso. Esse é o ponto que eu quero que você chegue, certo?
No vídeo/texto de hoje, eu compartilho dicas de como começar a escrever para ganhar amadurecimento literário e encarar a escrita com mais empatia, sem transformar a página em branco em um desafio intransponível.
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1. Que tal começar escrevendo contos?
Contos são o nosso espaço de treino. Diferente de um romance, que exige fôlego, paciência, longos períodos de imersão, o conto nos permite testar ideias, explorar personagens, brincar com outros gêneros literários e desenvolver nossa voz sem ficar por meses (ou anos) dedicados a um projeto gigantesco — e que nesse começo de jornada literária pode ser uma dor de cabeça.
Em poucas páginas, tu já teràs uma história completa, com começo, meio e fim. E o massa é que é um jeito de sentir a satisfação de terminar algo (o que é uma vitória e tanto para quem está começando). Conheço muitas, muitas, muitas pessoas que tiveram uma ideia e, sem nunca terem escrito nada, inventaram de escrever histórias épicas de 400 páginas. Vou te dizer: a maioria desistiu no começo. Outras não passaram de 30 páginas, algumas chegaram a pelo menos 100. De verdade, só conheço 2 pessoas iniciantes que de fato conseguiram esse feito — mesmo assim, depois de muito choro e crises de bloqueio criativo.
VANTAGENS DE APOSTAR NOS CONTOS:
Experimentação – Quer embarcar na ficção científica? Terror psicológico? Romance? Boys Love? Fan Fics? Teste através de um conto. O legal é que você pode testar todos os gêneros sem medo de "errar o tom" ou se perder em tramas complexas cheias de subtramas. Contos têm apenas um foco narrativo, poucos personagens e poucas palavras. É ótimo para quem está começando.
Portas abertas – Já percebeu como muitos concursos literários e revistas pedem contos? E como é raro uma editora séria aceitar originais gigantescos? Quanto mais você escreve contos, mais chances tem de emplacar algo. Você faz o teu nome no mercado, treina a escrita, aprende a lidar com a pressão e, mesmo que teu texto não seja selecionado, ganha experiência valiosa.
Minicontos — Histórias de até 1000 palavras te forçam a escolher bem cada termo usado, cada frase. É um grande exercício de precisão que pode assustar, eu sei. Eu sei que você quer descrever o maravilhoso cabelo encaracolado do teu protagonista e cada ondulação dos cílios daquela personagem maravilhosa. Mas não precisa disso. Minicontos nos forçam a ser econômicos com as palavras, algo fundamental quando você partir para obras maiores.
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2. O problema da "Síndrome do Publicador"
Você conhece aquele escritor, aquela escritora, que mal termina um texto, ou um capítulo, e já corre para publicar? Eu sei que conhece. Esse é um dos efeitos colaterais da agonia de "preciso ser lido agora", algo que eu apelidei de "Síndrome do Publicador".
Essa "síndrome" é a ansiedade de mostrar o trabalho antes de polir, moldar, reescrever aquele texto. A pressa de ser reconhecida atropela o processo de amadurecimento do texto. Quais os resultados? Escritos que poderiam ser ótimos, mas saem crus; destruição do teu nome; bloqueio criativo; ansiedade aumentada.
Respire. O teu texto precisa de tempo. Deixe-o descansar por uns dias, talvez até por semanas (é o que eu faço, por exemplo). Quando voltar a mergulhar naquele texto, tu vais enxergar coisas que não viu na empolgação do primeiro rascunho e terá condições de mudar o que precisa, sem apegos, sem paixão.
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3. A importância de adquirir ritmo de escrita
Sempre insisto que escrever é igual a ir para a academia: se você não cria uma rotina, perde o condicionamento e ganha frustração. Insisto: não adianta esperar por "inspiração". O que constrói um escritor é a consistência.
Mas como criar ritmo de escrita?
Escolha um horário e cumpra – Você consegue me dar 15 minutinhos de escrita por dia? Ou 200 palavras por dia? Ótimo, já é um começo. Quando eu fazia mentoria de escrita, algo que sempre dizia para o pessoal é: "é preferível que você escreva 200 palavras todo dia de forma empenhada do que se lançar na loucura de escrever 2000 e cair no bloqueio criativo". Não é do dia para a noite. Se você vir alguém dizendo que vai te ensinar, no começo, sem prática, a escrever 10 mil palavras por dia, fuja! Isso é mentira! Tu vais jogar teu dinheiro no lixo! O segredo é constância, estudo e paciência.
Estabeleça metas realistas – "Ai,o Stephen King no livro "Sobre a escrita" manda escrever 3.000 palavras por dia". Eu vou te fazer uma pergunta muito simples: tu tens a vida do Stephen King?Tu tens a realidade financeira do Stephen King? E outra: se você mal consegue 300, você acha mesmo que cai conseguir 3 mil, 5 mil, 10 mil palavras de primeira? Comece pequeno, com pequenas metas e aumente aos poucos. Escrita é degustação lenta e gradual.
Não pare nas travas – Travou em uma cena? Não sabe o que fazer em um capítulo? Tá tudo bem. Pule para outra parte da história. O importante é não deixar a página em branco. Continua a sentir essa trava? Beleza. Você para e vai fazer outra coisa, escrever outra coisa. Apenas não pare, ok?
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4. Planeje o teu texto
Ai, ai, pedradas... Chegamos ao ponto que mais me rende ódio e cartas-bombas: planejamento. Saiba que até a escrita mais fluida precisa de um mínimo de estrutura. A inspiração precisa de estrutura. Planejar não mata a criatividade. Pelo contrário, planejamento organiza o caos.
Quer ver um planejamento básico, até meio besta?
1. Como a história começa?
2. Qual o problema que faz o protagonista ficar impactado?
3. O que ele/ela vai aprender tentando resolver esse problema?
4. Qual a cena, o capítulo, que vai causar mais tensão?
5. Como você quer que o leitor termine a leitura?
Não precisa detalhar demais, fazer grandes minúcias, firulas. O importante é saber neste começo que ter um esqueleto nos ajuda a não nos perdermos no meio do caminho.
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5. Banque o teu ofício
Escrever é trabalho. Ponto final. Mesmo que ainda não pague tuas contas, mesmo que as pessoas ao teu redor ridicularizem e que vivamos em um país que não lê, trate a escrita como um ofício sério. Acima de tudo, trate o teu empenho com mais serenidade. Na prática, isso significa:
- Reservar tempo na agenda para escrever;
- Defender esse tempo como se fosse uma reunião de trabalho (e é!);
- Falar com seriedade sobre o teu amor pela escrita;
- Não ter vergonha do que faz;
- Não se esconder.
Quando você leva sua escrita a sério, as pessoas ao seu redor começam a levar também, saiba disso. E, se elas não levarem, foda-se. É, essa é a palavra: foda-se. Se você não gostar do que faz, amigo e amiga, as coisas serão muito difíceis e você não vai escrever. A escrita vai se tornar um fardo e a tendência é que você se esconda. Cuidado.
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6. A questão da "inspiração" e onde encontrá-la
Inspiração não é um unicórnio raro. Ela está em todo canto, mas a gente precisa aprender a enxergá-la. Tem pessoas que pensam que podem ficar lá sentadas, em berço esplêndido, à espera que uma jaca caia na cabeça delas e elas gritem "EUREKA!!!". Primeiro, se uma jaca cair na tua cabeça tu vais morrer. Segundo, você precisa olhar o mundo para se inspirar.
De onde vem a inspiração?
- Filmes, músicas e livros – Grandes histórias geram outras histórias.
- Pessoas na rua – O cotidiano, o nosso dia a dia é um celeiro de personagens.
- Reportagens — Notícias jornalísticas são ótimas para nós dar outras visões de mundo e um leque de personagens.
- Seus próprios sentimentos – A raiva, o amor, a saudade, frustrações amorosas, teus namoros, uma festa... Tudo isso vira texto se você canalizar direito.
Mas vou repetir pela milésima vez: inspiração sem disciplina é só uma faísca; é um diamante bruto. Você precisa pegar essa faísca e alimentá-la com planejamento para que ela vire uma fogueira.
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7. Três exercícios de escrita criativa para você começar a escrever
A) O objeto falante
Escolha um objeto da sua casa e escreva uma cena em que ele ganha vida. Como ele descreveria o dono da casa? O que ele sente? Quais o objetivo dele? Estabeleça o momento do despertar, o que ele observa, alguma reflexão e então finalize.
B) Diálogo sem descrição
Escreva uma conversa entre dois personagens sem nenhuma descrição, apenas as falas. O desafio é transmitir emoção e contexto só pelo diálogo. No capítulo anterior eu dei dicas sobre escrever diálogos, especificamente a questão dos verbos dicendi e das pontuações. Aposte nisso.
C) Final alternativo
Pegue o final de um filme ou livro e reescreva-o de uma forma completamente diferente. O protagonista não vence. O vilão se apaixona. O prédio não cai. Os heróis morrem. Teste o inesperado. Não precisa de nada extraordinário, é só para brincar. E nem precisa escrever já pensando em publicar em forma de fan fic. Deixe a mente fluir, ok?
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Por fim, quero apontar uma dica essencial: perfeição não existe. Tire a palavra "perfeição" da tua boca e da tua mente. Se você ficar em busca de perfeição, sério, tua vida vai ser um grande inferno. Viver em busca de perfeição é a semente para não escrever. Todo mundo erra, há erros neste texto, teu ídolo literário erra, os melhores escritores erraram, erram e errarão. Pega o beco e segue a vida.
Abraços, obrigado pela leitura, espero ter ajudado. Até a próxima. ;)
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