12 dicas para escrever na 3ª pessoa
HÁ UMA "BRIGA" TOLA NO MUNDO DA ESCRITA CRIATIVA; o tipo de conflito que não leva a lugar algum: a rixa entre quem escreve na primeira pessoa e quem prefere a terceira pessoa. Por favor, fuja dessa besteira. Acima de qual escolha narrativa você fizer, está a capacidade de encantar o público com boas histórias. Acho importante começar este artigo dizendo isso para que você relaxe, absorva essas dicas básicas e não envie uma carta-bomba para a minha casa caso você prefira escrever na primeira pessoa (que terá um artigo específico mais a frente).
Pare de brigar por bobagens, por favor.
Dito isso, devo dizer que escrever na terceira pessoa é uma técnica poderosa que amplia nossas possibilidades narrativas e nos oferece vários desafios literários. Com ela, você pode explorar pensamentos, sentimentos e eventos de diversos personagens, além de mergulhar nos detalhes do enredo e do universo — desde, é claro, que você tenha a sensatez de não exagerar em descrições.
Hoje, vou compartilhar 12 dicas básicas para ajudar você a encarar a escrita na terceira pessoa com um pouco mais de tranquilidade. E sim, em breve farei um artigo/vídeo específico sobre como manter a conjugação verbal ao longo da narrativa, pois muitas pessoas se confundem nesse processo.
Vamos às dicas!
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1. Defina o tipo de narrador
Antes de começar, você precisa decidir qual narrador usará. Basicamente, há três tipos mais usados:
Onisciente: sabe tudo sobre todos, incluindo pensamentos e sentimentos de vários dos personagens.
Limitado: focado em um ou poucos personagens, com acesso limitado às suas mentes. É muito comum que esse foco seja apenas na personagem principal.
Objetivo: apenas descreve o que é visível ou audível, sem entrar na mente dos personagens.
Vou aproveitar um dos meus textos para podermos imaginar um cenário que será nossa base de exemplos neste artigo. A cena em questão traz a personagem Joana, uma adolescente de 16 anos que entra na cozinha e dá de cara com a mãe, irritada após saber que a filha ficou com um rapaz mais velho. Agora, para você entender melhor os três tipos de narradores, eu vou esmiuçar essa cena em cada uma dessas possibilidades narrativas.
NARRADOR ONISCIENTE
[...] Joana sentia a tensão emanada pela mãe em cada canto da cozinha como se fossem os ímãs de geladeira tão amados pela mulher, espalhados pela casa inteira. Em pé de frente para a pia, com uma pontada de dor de cabeça, Dona Carolina notava nos trejeitos da filha que havia algo oculto naquele rosto que transparecia felicidade. A adolescente puxou a cadeira e considerou se não estava exagerando na força com a qual arrastou o móvel. A mãe odiava que arrastassem seus móveis, porém, naquela manhã preferiu fingir-se de surda e virou-se para coar o café, um turbilhão de emoções em sua mente. Horas antes, quando a vizinha comentou "sem querer" que flagrara Joana "se amassando com um macho" na porta da escola, Dona Carolina quase surtou. [...]
NARRADOR LIMITADO
[...] Joana estava nervosa, sentia a tensão emanada pela mãe em cada canto da cozinha. Em frente a ela, Dona Carolina estava feito uma estátua, um totem de tensão. Contudo, quando a adolescente puxou a cadeira e o móvel arrastou pelo chão, notou um tremor no canto dos lábios de Carolina. A dona da casa odiava que arrastassem os móveis. "Calma, Joana, calma. Vai dar tudo certo...", a adolescente respirou fundo. Enquanto a mãe se voltava para coar o café, a garota aproveitou para enxugar o suor da testa. Horas antes, estava no maior amasso com Fabrício quando, por cima do ombro dele, viu a vizinha passar na volta da feira. Quando ambas se encararam, os olhos da faladeira estavam maiores do que a melancia que a mulher levava no carrinho. "Se essa desgraçada abriu o bico, mamãe deve estar surtando...", estremeceu. [...]
NARRADOR OBJETIVO
[...] Joana entrou na cozinha e encontrou Dona Carolina parada à sua espera. A garota acenou com a cabeça, foi até a mesa e puxou a cadeira. O móvel arrastou pelo chão. A adolescente ergueu a cabeça a tempo de notar um tremor no canto dos lábios da mulher. A mãe odiava que arrastassem seus móveis. "Calma, Joana, calma. Vai dar tudo certo...", a menina respirou fundo. Enquanto a mãe se voltou para continuar a coar o café, a garota enxugou o suor da testa. Horas antes, estava no maior amasso com Fabrício, na porta da escola, quando, por cima do ombro dele, viu a vizinha passar da feira. As duas se encararam e os olhos da faladeira foram certeiros em direção à mão do garoto quase na bunda de Joana. "Se essa desgraçada abriu o bico, mamãe deve estar surtando...", concluiu. [...]
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2. Mantenha a consistência
Escolheu um tipo de narrador? Ótimo. Agora, mantenha a coerência. Evite começar com um narrador objetivo e, do nada, mergulhar nos pensamentos de um personagem. Essa quebra de perspectiva pode confundir o leitor.
Isso sem contar quando, no meio do livro, a pessoa de repente pula para a primeira pessoa. Se você quiser fazer isso, deixe uma limitação. Por exemplo, a narração toda em terceira pessoa e cartas, ou memórias, da protagonista em primeira pessoa, escritas em itálico, para indicar ao público essa mudança sutil.
Por exemplo, imaginemos que nossa personagem Joana recebe uma mensagem de desculpas do Fabrício. A narração será em terceira pessoa e a mensagem será na primeira pessoa. Assim:
[...] Joana entrou no quarto, os nervos mais trêmulos que os galhos das plantas durante uma ventania. Dona Carolina lhe disse coisas que ela nunca pensou que ouviria em seus 16 anos de vida. Enxugou uma lágrima e sentiu o ardor do tapa que ainda recendia em sua bochecha. De repente, o celular apitou uma notificação de mensagem. "Fabrício...", ela leu na tela. Pensou em recusar, mas a curiosidade foi maior.
Jô, eu sei que as coisas meio que saíram do controle ontem. Às vezes, como sempre me disseram, eu posso ser muito impulsivo. E o fato de ter ido deixar meu irmãozinho na escola e no segundo seguinte estar contigo é um exemplo disso. Imagino como as coisas devem estar tensas por aí. Por favor, me desculpe. Conheço Dona Carolina há anos e sei como os ideais dela podem ser muito limitados. Eu e minha cabeça lembramos bastante dos safanões que ela nos dava durante as aulas de Catequese. KKKKKKK Mesmo assim, se você quiser, estou disposto a conversar com ela e esclarecer tudo. Poxa, não vivemos mais no século dezoito, né? A grande maioria das pessoas perde a virgindade em algum momento da vida. KKKKKKK Super normal. Beijos. Fica bem.
Joana atirou o celular contra a parede e jogou-se na cama, o rosto enfiado contra o travesseiro. Sim, a maioria das pessoas perde a virgindade em algum momento da vida, porém, apenas as burras fazem isso sem preservativo e no período fértil. [...]
Outro ponto é que, se você gosta de fazer indicações do tipo "PV do personagem" (PV = Ponto de Vista) para mergulhar na primeira pessoa de um personagem que não é o protagonista, saiba que isso é estranho e não faz sentido no mercado literário. Fuja desse tipo de deturpação.
Usando o exemplo da Joana, seria como se eu primeiro descrevesse em terceira pessoa para então fazer o seguinte:
[...] PV de Dona Carolina: Minha filha entrou na cozinha e eu fiquei paralisada, tensa, sem saber como agir. Quando a vizinha me contou que... [...]
NÃO FAÇA ISSO!!!
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3. Desenvolva os personagens
Mesmo com o distanciamento proporcionado pela narração em terceira pessoa, aprofunde os personagens para torná-los palpáveis e use descrições e ações para revelar personalidades e motivações. Os diálogos ajudam muito nesse sentido. Faça isso e você dará camadas, histórias e motivações para que o teu público-leitor se importe com teus personagens.
No exemplo da nossa personagem Joana, observe a seguinte cena:
[...] Camila ainda contava a situação estranha durante o passeio, quando Joana se distraiu e olhou para o lado. Ali, a três mesas de distância, uma morada de rua pedia ajuda com um bebê nos braços e mais duas crianças agarradas às suas pernas. Mesmo com os trapos ao redor do corpo, a adolescente percebeu a gravidez da mulher. Quando a mendiga se aproximou, a garota arregalou os olhos e sentiu a pressão despencar. A última imagem que viu antes de cair na calçada foi o rosto da moradora de rua: aquele era o seu rosto. [...]
Nessa cena está o medo, as perspectivas de futuro, angústias de como será a situação financeira e a agonia porque até esse ponto do livro Joana se recusou até mesmo a comprar um teste de gravidez na farmácia. Todo esse conjunto de sentimentos está em um parágrafo apenas, porém, sem a necessidade de descrições diretas e enfadonhas.
Experimente fazer isso.
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4. Equilibre descrição e ação
Narrativas em terceira pessoa podem se perder em descrições longas que se estendem por parágrafos e parágrafos. Evite fazer isso. Lembre-se de que, além de pintar o cenário, a história precisa avançar e cada linha, cada cena da tua narrativa precisa dar ao público a sensação de que o personagem está evoluindo, amadurecendo.
Um exemplo de descrição excessiva seria algo como...
[...] Joana abriu o guarda-roupa de três portas da mãe. As cruzetas brancas estavam alinhadas com o espaço de um dedo entre elas. A garota escolheu uma calça preta de brim, camisa social azul com bordados na gola e um bolso na lateral direita; sapatos de vinil pretos para combinar com a calça, bolsa de mão discreta com um fecho bronzeado e couro da cor preta, a alça de tamanho pequeno. Arrumou o cabelo em um coque simples e escolheu um colar com pingente dourado em formato de águia e um comprimento médio. Passou batom rosado nos lábios, um pouco de corretivo e escolheu óculos escuros todo preto. Olhou-se no espelho de corpo inteiro que ficava na lateral esquerda do quarto. Estava pronta para ir à farmácia. [...]
Ok, é bom. Dá pro gasto. Porém, há uma leve sensação de que a narração fica paralisada para que você descreva o que a personagem está vestindo e vendo. Uma forma de melhorar isso e fazer um equilíbrio entre descrição e ação seria...
[...] Joana abriu o guarda-roupa da mãe e prendeu o fôlego. "É agora ou nunca", incentivou-se. Escolheu uma calça preta, sapatos de vinil e uma blusa social azul que sempre via a mãe usar quando precisava ir a alguma reunião da igreja. "Se isso aqui não fizer com que eu pareça mais adulta, nada vai fazer", concluiu enquanto se vestia. Um toque de maquiagem e mais uma bolsa de mão e logo estava diante do espelho, encarando sua versão mais velha, pronta para encarar as atendentes da farmácia. [...]
Você percebe a diferença? No segundo exemplo, temos movimento enquanto a descrição acontece.
Você não paralisa a narração.
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5. Evite juízos de valor
Eu sei que é difícil manter certa neutralidade, porém, você deve permitir que os leitores formem suas próprias opiniões sobre os personagens e eventos. Apresente os fatos de maneira imparcial, especialmente com um narrador onisciente. A menos que o narrador tenha uma personalidade forte e goste de dar opiniões (e isso seja intencional), evite julgamentos. Deixe o leitor decidir quem é "bom" ou "mau".
Eu vejo isso acontecer bastante quando a pessoa escreve uma história que tenha um personagem com algum desvio de caráter (como ser racista ou transfóbico) e, ao invés de criar uma narrativa que faça com que o público se convença a sentir ódio por esse personagem, a escritora, o escritor começa a emitir opiniões próprias para tentar gerar esse convencimento.
Pare de fazer isso. O público não é burro e você não é o babá, a babá dos teus leitores. Crie o cenário, molde essa ambientação, arquitete situações que comprovem o desvio de caráter e deixe que o público descubra as coisas sozinho. Tua função é contar uma história e não parar a narrativa a cada momento para fazer "palestrinhas".
Coloque tuas opiniões, por exemplo, no conjunto da narrativa, na boca dos personagens, no contexto. É um diferencial.
Exemplo disso:
COM JUÍZO DE VALOR
[...] Joana, egoísta como sempre, recusou ajuda. Pessoas egoístas assim pensam que podem fazer tudo sozinhas. São complicadas de se conviver. O egoísmo é um traço da psicologia do ser humano que traz muitos transtornos para a vida da própria pessoa e de quem convive ao redor. Quando esse sentimento é exacerbado, a busca por ajuda psicológica é urgente. Uma pessoa egoísta destrói relações, machuca os outros, torna-se maldosa. [...]
SEM JUÍZO DE VALOR
[...] Joana olhou para a sogra e recusou ajuda. Até notou as feições de decepção da mulher, porém, não se importou. "Eu não preciso de ninguém!", teimou. "Posso fazer o que eu quiser sem ter nenhuma idosa pensando que estou inválida". Pegou o banquinho e subiu num impulso. [...]
Eu descrevi a cena, apenas. Ponto. Caberá aos leitores, diante desse contexto, nomearem isso como egoísmo ou não.
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6. Utilize o Discurso Indireto Livre
O Discurso Indireto Livre é uma ferramenta incrível trazida pela narração em terceira pessoa. Ele permite que o narrador incorpore os pensamentos dos personagens sem precisar usar aspas ou itálico.
Lembre-se da seguinte regrinha:
narração acelera a história
diálogos desaceleram a história
Nesse sentido, desde que não seja usado em exagero, o Discurso Indireto Livre seria uma espécie de meio-termo entre esses dois elementos. Sem contar que você não quebra o fluxo narrativo só para abrir aspas por um mero pensamento.
Vamos aos exemplos.
NARRATIVA DIRETA
[...] Joana pensou: "Eu não vou perder para ele dessa vez." [...]
DISCURSO INDIRETO LIVRE
[...] Joana decidiu que não iria perder para ele, não dessa vez. [...]
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7. Explore os verbos dicendi
Os verbos que introduzem falas (como disse, gritou, murmurou) são chamados de verbos dicendi ou verbos de elocução. Eles podem ajudar a variar o ritmo e fazer com que você fuja na obviedade de um mero "disse" ou um "pensou".
Reflita comigo: o verbo dizer se torna redundante após uma fala, já que, se você está ali com um travessão, que já é um indicativo de diálogo, e ao final usa "fulano disse", isso se torna uma obviedade, afinal, se a pessoa acabou de proferir uma fala, é claro que ela esta dizendo algo, né?
Dessa forma, para evitar redundâncias, ao invés de...
[...] — Eu não quero mais falar sobre esse assunto! — Joana disse e ele se afastou. [...]
Optemos por...
[...] — Eu não quero mais falar sobre esse assunto! — Joana gritou e ele se afastou. [...]
E saiba que há uma forma de melhorar isso ainda mais, que é quando, ao invés de usar o verbo dicendi, você o troca pela descrição de uma ação.
No exemplo acima, seria algo como...
[...] — Eu não quero mais falar sobre esse assunto! — A vermelhidão no rosto de Joana e a respiração entrecortada fizeram o rapaz dar um passo para trás. [...]
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8. Construa um mundo coerente
Descreva o ambiente de forma que ele complemente a narrativa. Seja qual for o cenário — realista ou fantástico —, ele precisa fazer sentido dentro da narrativa. A terceira pessoa é perfeita para descrever o ambiente, contudo, não se perca nos detalhes. Mostre o que for relevante para os personagens e a trama, sem firulas.
Aqui no Wattpad, por exemplo, vejo muitas pessoas que adoram fazer descrições longuíssimas, detalhadas, minuciosas, que acabam fugindo do objetivo da trama. É muito provável que você já tenha se deparado com livros assim, onde a história parece nunca começar, ou aquelas narrativas onde há dez folhas de descrição para cada diálogo. Isso é chato.
Eu sempre falo que "o mundo tem que sustentar a personalidade do protagonista".
Na história sobre a Joana, a casa onde ela vive com a mãe, Dona Carolina, é cheia de ímãs de geladeira por todo lado, imagens de santos, crucifixos e passagens bíblicas escritas em bilhetes pregados nas paredes. Esse cenário, sem precisar de muitas descrições, reforça a personalidade de Carolina e o contraste com os ideais da filha. Já que eu reforço essa ambientação com as atitudes das personagens, com ações e movimentos, não há a necessidade de longas e minuciosas descrições.
O mundo, a casa, é coerente com o caráter reacionário dessa mãe; reforça a personalidade dela.
É isso que você deve buscar.
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9. Revise com atenção
Narrar em terceira pessoa pode levar a mudanças de perspectiva sem querer. Isso é natural e acontece com frequência quando estamos no primeiro rascunho. Tudo bem. Não precisa se desesperar. A solução para isso é revisar o texto para garantir que não misturou vozes, ou esqueceu de detalhes importantes. Você revisa, reescreve, ajeita tudo e ninguém vai ver teus equívocos. Não é algo mágico?
Agora, se você é o tipo de pessoa que, como já me disseram, "não tem tempo para fazer a besteira de reescrever", e prefere, ou publicar enquanto escreve, ou terminar de escrever o teu primeiro rascunho e publicar de qualquer jeito, as coisas podem ficar muito difíceis para o teu lado.
Como Stephen King afirma no livro "Sobre a escrita", o que diferencia um escritor profissional de alguém que só está brincando de escrever é o intuito de reescrever tudo o que escreve.
Pense nisso.
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10. Cuidado com a continuidade
A dica acima me remete a um problema terrível que são os erros de continuidade. É claro que esta décima dica vale para qualquer tipo de narrador, mas é sempre bom reforçar a necessidade de você prestar muita atenção aqui.
Imagine que no segundo capítulo a personagem Joana, finalmente, decide comprar um teste de gravidez na farmácia. Aí, lá na frente, no quarto capítulo, ela fala que está com medo de comprar um teste de gravidez e descobrir como será seu futuro. Isso é um erro de continuidade. De fato, um gravíssimo erro de continuidade.
Do mesmo modo, esse erro aparece quando você tem uma ação no meio do livro que não teve nenhum preparo anterior. Se a Joana no décimo capítulo vai brigar com a mãe de forma agressiva e retirar todos os ímãs de geladeira que Carolina coleciona, esses imãs têm de aparecer desde o primeiro capítulo para criar o ambiente para essa cena.
Um terceiro exemplo clássico disso são personagens que aparecem "do nada" para solucionar problemas. É o chamado Deus Ex Machina, um personagem, ou um evento extraordinário, que parece cair do céu para resolver todos os problemas da trama. Use isso e, eu te garanto, você correrá sérios riscos de destruir a experiência dos leitores com a tua história.
Você deve se desdobrar para evitar cada um desses erros, ok? É importante.
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11. Deixe o silêncio falar
Nem tudo precisa ser dito ou descrito, tá certo? O que não é falado também conta histórias. Use pausas e descrições de atitudes para criar camadas emocionais. Eu sempre digo que "as entrelinhas falam tanto quanto as linhas." Sendo assim, explore os silêncios e pare de querer explicar tudo.
Repito: o público não é idiota.
No filme "Wicked, parte 1" (2024), por exemplo, há uma cena de dança entre as personagens Elphaba e Glinda que é belíssima porque a cantoria do musical cessa e ali há apenas silêncio. Essa cena é impactante porque reforça a personalidade das duas personagens e cria pontes para a construção narrativa de ambas.
Usando nosso exemplo da Joana, o silêncio emana em uma cena como a seguinte:
[...] Joana olhou para o chão. A sombra de Fabrício se projetava para frente e fundia-se à sombra dela. Contudo, a divisão entre as lajotas estava bem no meio dessa fusão. O rapaz chegou a mover os dedos como se quisesse estender a mão, criar conexão, algo que não aconteceu. Joana escutou o suspirou dele e fechou os olhos quando Fabrício se virou e foi embora. Sem ele, a sombra dela de repente pareceu maior. [...]
Percebe o silêncio? Não precisa dizer que há uma cisão entre eles, não precisa de falas. As entrelinhas e as metáforas já criam esse cenário de modo sutil. E ainda tem a frase final, já que essa questão da "sombra dela parecer maior" abre um leque de possibilidades. A sombra parece maior porque Joana sente liberdade? Parece maior em um sentido de assombro, medo? Está maior porque a barriga apareceu e ela se dá conta de que será mãe solo?
Isso instiga a mente do público, enriquece a personalidade dos personagens e traz camadas para a história.
Molde silêncios e deixe-os falar.
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12. Trate o mundo como um personagem
Na terceira pessoa, o ambiente pode ganhar vida própria. Pense no mundo da história como um personagem: ele reage, influencia, molda os eventos. Não é apenas um pano de fundo estático que só servirá ocasionalmente para você fazer descrições e aumentar a quantidade de palavras escritas. O mundo ao redor dos teus personagens está pulsando. Use-o.
Eu fico muito desgostoso quando leio livros que seguem a seguinte sequência:
um pouco de descrição genérica + diálogo, diálogo, diálogo, diálogo, diálogo + descrição genérica + diálogo, diálogo, diálogo + parágrafos gigantes de descrição + diálogos, diálogos, diálogos, diálogos...
Sendo que esses diálogos são brutos, crus, só a coisa do "travessão - fala - verbo dizer / travessão - fala - verbo dizer / travessão - fala - verbo dizer". Não há ambientação, cenário, tempero, movimento. Isso torna qualquer história enfadonha, cansativa. São histórias que não instigam, não provocam, não nos fazem esquecer da realidade para imergir naquele mundo.
Cuidado com isso.
Exemplo:
[...] As ruas do centro de São Luís pareciam sorrir enquanto a garota andava pela Rua Grande. Vitrines com carrinhos de bebê, lojas de roupas para grávidas, comércios com artigos infantis, cada lugar estendia os braços em um convite para ela aceitar o próprio destino. Quando Joana virou na esquina com a Rua de Santana, os sinos da Igreja de Nossa Senhora Sant'Ana começaram a badalar e fizeram os pássaros do campanário saírem em revoada. Um deles fez cocô e sujou um taxista, que xingou os céus, tropeçou e quase caiu na sarjeta. Joana sorriu após tantas semanas de sofreguidão. São Luís a convidava para viver. [...]
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Muito obrigado por ler até aqui. Espero que essas 12 dicas tenham feito você refletir sobre o modo como está fazendo teus textos. E se você nunca escreveu na terceira pessoa (ou prefere a primeira pessoa como se a sua vida dependesse disso), torço para que eu tenha te convencido a experimentar outra forma de narrar.
Abaixo, está o vídeo no YouTube que serviu como base para este artigo.
Obrigado pela companhia e até o próximo artigo. ;-)
https://youtu.be/KthVAxtTCms
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