Entre Goles e Sentimentos
O despertador tocava sem parar, me tirando do sono. Resmunguei, me sentando na cama, ainda grogue. A discussão com a minha mãe martelava na cabeça, mas decidi deixar para lá por enquanto. Fui para a cozinha esquentar o café de ontem.
O cheiro familiar do café me envolveu, e eu fechei os olhos por um instante. O apito do micro-ondas me puxou de volta à realidade. Peguei a xícara e me sentei à mesa, tomando goles do café morno. O silêncio do apartamento era uma paz temporária. Sabia que não ia durar muito.
E não durou. O telefone tocou, me tirando dos meus pensamentos.
— Alô? — atendi, tentando parecer calma.
— Oi, Eliza! Aqui é a Carla, da Monteiro. Seu currículo chamou nossa atenção! Podemos marcar uma entrevista amanhã, às 10h?
Meu coração disparou.
— Sério? Sim, tô livre!
— Ótimo! A gente quer conhecer suas experiências e como você pode se encaixar aqui. Ah, e traz seu portfólio, tá?
— Pode deixar! Obrigada pela oportunidade!
— De nada, Eliza. Estamos ansiosos pra te conhecer. Até amanhã!
Desliguei o telefone, ainda tremendo. Era a chance da minha vida! Eu precisava contar para o Matheus. Ele atendeu logo no primeiro toque.
— Oi, Liz! Tudo bem?
A voz dele me acalmou na hora.
— Matheus, você não vai acreditar... Acabei de receber a ligação da Monteiro!
Ele riu, cheio de satisfação.
— Eu te falei que ia dar certo!
— Espero que sim...
Ficamos em silêncio por alguns segundos, apenas ouvindo a respiração um do outro. Era um daqueles silêncios confortáveis.
— Vai dar certo, Liz. Quer que eu passe aí? A gente pode almoçar junto.
Um sorriso escapou dos meus lábios.
— Adoro a ideia, mas nada complicado, hein?
— Relaxa. Vai ser simples, mas especial. Vou ao mercado e já chego.
— Tô te esperando.
Desliguei com um sorriso bobo no rosto. Matheus era meu porto seguro, sempre presente nos momentos mais importantes.
Pouco tempo depois, ele chegou, trazendo sacolas cheias.
— Caramba, você trouxe o mercado inteiro? — brinquei.
— Hoje é um dia especial. — Ele riu e me deu um beijo rápido na bochecha.
O toque dele me arrepiou e, por um momento, fiquei ali, tentando entender o que estava sentindo. Ele, por outro lado, parecia achar o gesto a coisa mais natural do mundo.
Enquanto ele cozinhava, tentei espiar o que preparava, mas ele me bloqueou com um olhar divertido.
— Senta aí, curiosa. Eu cuido de tudo.
Obedeci, rindo. Logo, ele colocou na minha frente um prato cheio de cores e aromas.
— Uau, Matheus, isso tá incrível!
Ele deu de ombros.
— Eu disse que você ia gostar.
Comemos em silêncio, mas havia algo diferente no ar. A leveza habitual entre nós deu lugar a uma tensão sutil. O olhar dele, antes brincalhão, agora parecia mais sério.
Depois de alguns minutos, ele quebrou o silêncio.
— E aí... contou pra sua mãe sobre a proposta?
Meu sorriso desapareceu e abaixei o garfo devagar.
— Contei, sim... e a gente discutiu.
Matheus franziu a testa, preocupado.
— O que rolou?
Respirei fundo, segurando o nó na garganta.
— Ela surtou, disse que era tudo um conto de fadas. Aí eu... falei que ela não era meu pai e que ia atrás dos meus sonhos, com ou sem o apoio dela.
Ele continuou me olhando, esperando que eu terminasse.
— Foi aí que ela me deu um tapa. — A última frase saiu em um sussurro.
O maxilar de Matheus se apertou e ele falou baixo, mas firme:
— Ela não tinha o direito de fazer isso, Liz.
Fiz que sim com a cabeça, tentando segurar as lágrimas.
Ele se aproximou e segurou minha mão com cuidado.
— Você não tá sozinha. Tô aqui com você. E você vai conseguir.
O olhar dele era tão sincero que quase me fez chorar de novo.
— Obrigada, Matheus. Eu precisava ouvir isso.
Ele sorriu de leve, e a tensão nos meus ombros aliviou um pouco.
— Sempre que precisar.
Ficamos ali, nos olhando, até o silêncio se transformar em algo mais profundo. Depois do almoço, ainda na cozinha, ele se aproximou devagar. Meu coração disparou.
Os lábios dele chegaram perigosamente perto dos meus, e a respiração dele roçou minha pele. O beijo aconteceu, suave e hesitante, mas cheio de significado. Por um instante, o mundo parou.
Então, a realidade me puxou de volta. Afastei-me lentamente, com a culpa pesando no peito.
— Matheus... a gente não pode.
Ele deu um passo para trás, sem tirar os olhos de mim.
— Liz, você sabe que eu ainda me importo, né?
As palavras ficaram presas na minha garganta. Era como se todas as nossas memórias estivessem ali, entre nós, tão próximas e tão distantes.
— Eu... não sei se posso ser o que você precisa agora.
Ele respirou fundo e, sem dizer mais nada, foi embora. O som da porta se fechando ecoou na minha mente, e o silêncio tomou conta. As lágrimas vieram sem aviso, quentes e salgadas.
[...]
O sol se pôs e a luz do fim da tarde iluminava a cidade. Fiquei no sofá, agarrada ao celular, querendo falar com Matheus, mas sem coragem de mandar uma mensagem.
Então, o celular vibrou. Era ele.
Meu coração disparou enquanto eu lia a mensagem várias vezes. Ele se desculpava. A tensão no meu peito se desfez um pouco, e consegui respirar fundo pela primeira vez desde que ele saiu.
Escrevi de volta: "Obrigada por se desculpar, Mat. Eu também sinto muito. Precisamos conversar. "Hesitei e, num impulso, acrescentei: "E sim, aceito a carona amanhã."
Apertei "enviar" e soltei um longo suspiro. Decidi deixar meus sentimentos de lado por hoje. Amanhã seria outro dia, e a entrevista seria meu foco. Levantei e comecei a organizar meu currículo, sentindo o peso das páginas nas mãos. A luz do escritório iluminava tudo, e uma sensação de controle cresceu dentro de mim.
Olhei para o espelho e sorri. Finalmente estava dando um passo na direção dos meus sonhos. O reflexo me devolveu um sorriso confiante, e uma onda de determinação me atravessou.
A entrevista era minha chance, e eu não podia desperdiçá-la. Apaguei a luz e me deitei, relaxando um pouco. A inquietação ainda estava lá, mas misturada com uma nova esperança.
Amanhã seria o começo de algo novo. E talvez, depois disso, um novo começo com Matheus também.
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