Algo em comum
O tempo que havia estimado para a recuperação de Natasha foi equivocado. Pensei levar em média duas semanas, entretanto, foram quase dois meses, isso porque algumas feridas não eram tão superficiais quanto eu imaginei, e também pelas contusões musculares, invisíveis aos meus olhos, as lembro-me de vê-la gemendo de dor ao fazer alguns movimentos.
Durante este período cuide de Natasha como se fosse uma filha, e de fato, pela diferença de nossas idades, poderia ser pai dela – segundo meu calendário, eu estava a poucos meses dos meus 44 anos. No decorrer de nosso tempo junto, eliminamos as desconfianças – ela demorou mais do quê eu para fazê-lo – e nos tornamos bons amigos, do tipo que dividem segredos.
Em nossa última semana em minha cabana, tiramos um dia para buscarmos algumas ervas, as quais levaríamos, isso porque não sabíamos o quê nos esperava, se nos feríssemos teríamos como tratar os ferimentos ao menos. Após meio-dia de caminhada, estava pronto para voltar, contudo Natasha me perguntou se eu conhecia uma cachoeira próxima de onde estávamos, disse que sim e ela insistiu que fôssemos lá.
— Já tomei banho algumas vezes naquela cachoeira, a água geralmente é uma delícia, vamos logo! — ela estava animada, pois no dia seguinte, partiríamos em busca da liberdade.
Obviamente cedi, e fomos até a tal cachoeira que de fato era muito bela. Águas esverdeadas e um banco de areia, o que para mim era ótimo, a saber que não sou muito fã de entrar em cachoeiras onde só se tem pedras escuras e escorregadias para pisar, chega a me dá um nervoso só de pensar.
Ao chegarmos lá Natasha não se conteve, e sem pudor algum despiu-se da calça que vestia — calça essa que estava entre um saco de roupas que eu guardava em minha cabana, todas as peças de roupa e pano em geral, eu fazia questão de guardar. Não me envergonho de dizer que, se eu não fosse um pouco racional e deixasse meus extintos falarem por mim, avançaria contra aquela beldade sem precedente e tentaria algo, contudo, diferente dos demais ogros que ela teve o desprazer de lhe dar, eu ainda conseguia me controlar, e era dotado de bom senso.
Natasha entrou na água vestida de uma camiseta e roupas de baixo, quanto a mim, despi-me da camisa apenas, num surto de vergonha preferi permanecer com a calça surrada. Por mais que tivesse interesse naquela mulher, me contive, me mantive longe dando a ela todo o espaço necessário, a saber que, após ter passado por tudo que passou em todos os anos naquele fim de mundo, era evidente que carregasse traumas acerca do convívio com outras pessoas, talvez até da aproximação e do toque.
A princípio fiquei na parte mais rasa do rebojo, enquanto Natasha nadava de um lado a outro, belíssima como Kianda. Lembro-me de quando ela se aproximou de mim, jogou água em meu rosto e perguntou porque eu não estava nadando, respondi que não sabia nadar, mesmo com vergonha e prevendo a que os risos e piadas, e frases do tipo, "um homem da sua idade, não sabe nada? Tem algum trauma é?."
Porém a piada não veio. Natasha apenas nadou mais para perto, pegou minhas mãos e sorriu.
— Hoje isso muda
Arrepiei-me ao encarar aqueles olhos tão de perto, os lábios molhados e brilhantes comportando o sorriso mais belo que já havia visto – e nem digo pelo fato de na época estar a muitos anos sem ver uma mulher. Uma gota d'água desceu da testa de Natasha e repousou na ponta do nariz, com um assopro jogou a gota em meu rosto, e sorrimos descompassados, ela olhando-me nos olhos, e eu admirando o "biquinho" pós-assopro.
Aceitei então a ajuda e digo que não foi difícil aprender o básico, uma hora de treinamento – isso porque sou um ótimo aluno, sou tão bom para aprender como sou ruim para ensinar — já estava dando algumas braçadas desajeitadas, mas que me levavam do ponto A ao B.
O infortúnio se deu quando pensei estar "bom na coisa" e decidi impressionar minha professora. Em meu ponto de vista, nadava feito um nadador profissional, um fervoroso esportista, entretanto, estava apenas me cansando, quando dei por mim, estava observando o sol por debaixo d'água. Afundei tão depressa que não consegui mais voltar, minha sorte foi que Natasha estava melhor dos ferimentos, e conseguiu me tirar do fundo do rebojo, e me levar para a areia as margens. Lembro-me de observar vir de cima a linda mulher remexendo as pernas como se fossem uma cauda, a pele negra esverdeada pela tonalidade da água, e os olhos arregalados, num desespero ao me ver afogar. Se a última cena que meus olhos vissem antes da morte fosse aquela, digo que me alegraria até – claro que não ficaria feliz em morrer sobre nenhuma hipótese, contudo me alegraria em passar para o outro plano com aquela imagem em minha mente.
— Você está bem? — perguntou ela após ter me tirado da água e colocado-me de lado, me fazendo cuspir um pouco d'água.
entre tosses e soluços, não consegui responder, o quê fiz ao me recompor, foi gargalhar deitado de bruços de olhos semicerrados olhando o sol.
— Imagine só — sorri, ainda tentando me acalmar —, morrer nas vésperas da nossa fuga, que merda seria, não?
Natasha acompanhou-me nas risadas, e se deitou ao meu lado.
— Se morresse agora Arthur, é bem provável que estragaria todo o plano — assim como eu, ela encarava o céu azul vazio de nuvens —, e eu teria de voltar a me virar sozinha.
Ouvir aquilo foi de grande surpresa para mim, a que tudo indicava, Natasha havia abaixado a guarda e depositou certa quantia de confiança em mim, e aquilo me deixava feliz.
— Quer dizer que somos oficialmente parceiros? — perguntei, tombando meu rosto a fim de vê-la.
Natasha, porém, também virou o rosto em minha direção, sorriu, em seguida virou-se por completo.
— Parece que sim — sussurrou ela num tom suave em meio a um sutil sorriso —, segundo a contagem, já são quase dois meses de convivência, e neste período você tem sido um cara amigável e respeitoso... O tipo de cara que eu adoraria ter conhecido fora daqui.
Tais palavras novamente me pagaram de surpresa, me alegrei ao ouvir.
— Não, sei não — disse, pensando um pouco sobre minha vida —, digamos que aqui eu evoluí muito como pessoa — fui sincero até —, lá fora, eu era um cara desprezível.
— Isso é o quê todos aqui tem em comum — Natasha voltou a observar o céu. — Todos que conheci aqui tem duas coisas em comum, eram pessoas ruins lá fora, e eram sozinhos no mundo, ou seja, ninguém sente nossa falta na terra, se é que realmente estamos fora do planeta, eu nem sei mais o que pensar sobre isso.
Tendo ouvido aquilo, não pude conter que algumas lágrimas escorressem pelo meu rosto. Ela estava certa quanto ao que disse, eu não era uma pessoa agradável em minha vida comum, e sabendo que minha amada Valentina também foi raptada assim como eu, tinha certeza que ninguém estava a minha procura.
— De fato, ninguém está a minha procura — decide contar sobre minha dor —, isso porque um ano antes de vir parar aqui, eu fugi de Minas Gerais, fugi de minha família, da minha esposa.
Contei que fui casado por um longo período, mas acabei me separando. Entretanto, a vida me presenteou com uma mulher que mudou minha vida, com quem eventualmente me casei – pela segunda vez.
— Ela se chamava Nadir, e tinha uma filha — expliquei —, nossa relação foi ótima, até que ela foi diagnosticada com Parkinson, algo que progrediu com uma rapidez rara, que assustou até alguns médicos — mais lágrimas rolaram, lágrimas sinceras devo dizer —, e me assustou também.
Natasha voltou a se virar para mim.
— Eu sinto muito!
— Por ela eu espero, pois o quê fiz é algo a ser repudiado — sentei-me para continuar o relato —, quando conheci Nadir, a filhinha dela tinha oito anos, e quando ela foi diagnosticada a garota já tinha 16 — uma enorme angústia me acometeu, e um choro forte me invadiu. — Quando a garota estava com 17, começamos a nos envolver, a primeira vez foi depois de um dia complicado de muitos surtos de Nadir, ficamos emocionalmente abalados.
Expliquei a Natasha sobre a psicose na doença de Parkinson. Falei sobre o quê geralmente não é falado, sobre os delírios e alucinações, sobre a depressão e ansiedade, e todos os males que a doença trazem além das falhas motoras, muito além dos tremores.
— Numa noite após ficarmos o dia todo no hospital com Nadir, o médico me orientou a levar minha enteada para casa, minha cunhada, que estava conosco no dia, disse que eu poderia ir e descansar, pois ela ficaria o resto da noite.
O relato a partir dai fora vergonhoso, de modo a cada palavra minha sair pesada de minha boca.
— Ao chegar em casa, tomei um banho e fui para a sala, lembro-me de consumir meia garrafa de whisky em pouco mais de meia hora, o quê não tira minha responsabilidade sobre o que aconteceu, mas talvez se estivesse sóbrio não teria acontecido daquela forma...
"Estava prestes a ir me deitar, quando minha enteada surgiu no cômodo, sei que é doentio, mas achei-a linda. Vestia apenas um robe preto de cetim com detalhes rendados, nas mangas, no decote e em outras partes, me envergonho, mas naquele momento a desejei de forma intensa e incontrolável. Eu que sempre havia visto aquela garota como minha filha, naquele momento, vi como uma com uma versão mais jovem e mais bonita de minha esposa.
Volto a dizer que eu era o adulto ali, então toda a responsabilidade do que se seguiu é minha, mas verdade seja dita, a garota estava decidida quanto ao que queria naquele momento, e vocês mulheres, exercem um poder muito grande sobre os extintos masculinos."
Àquela altura, Natasha já imaginava o que aconteceu, contudo, continuei minha história.
— A garota pegou uma garrafa de vinho na pequena adega e encheu uma taça até transbordar, ela sorria aparentemente feliz...
"Bebeu metade do vinho que se serviu de uma só vez, e tornou a encher a taça. Deu mais um gole, e caminhou em direção ao sofá, tudo que eu tinha que fazer era, como diz na bíblia, me afastar da aparência do mal, contudo fraquejei.
Deixei me levar pela sensualidade do momento, pela minha falta de intimidade com minha esposa, e pelo par de seios hipnotizantes da garota que fez questão de ajeitá-los para que ficassem mais a mostra.
O quê aconteceu a seguir é obvio, gostaria de dizer que fui heroico e resisti a tentação, que me afastei da aparência do mal e fui para meu quarto, mas a verdade é que sucumbi aos meus desejos, e sucumbi aos hormônios confusos da adolescente, ali mesmo na sala."
— Caraca, eu não sei bem o quê dizer! — sussurrou Natasha, não conseguindo conter a perplexidade na feição.
— Repugnante! É o quê pode dizer — comentei —, ainda mais contando o quê se seguiu...
"Minha esposa Nadir não apresentou melhora, e durante um ano viveu indo e voltando do hospital, e neste ano, minha enteada e eu, vivemos na sodomia extrema, a ponto de viajarmos juntos e tudo. Minha mãe foi uma das primeiras pessoas a descobrir o quê estava acontecendo, e quando Nadir faleceu, minha mãe me culpou, disse que Nadir sabia o quê estava acontecendo, pois ela não era boba – e nisso minha mãe estava certíssima, Nadir era uma mulher extremamente perspicaz.
Fiquei triste e abalado é claro com morte de minha esposa, mas eu já esperava por aquilo, afinal eu mais do que ninguém sabia do estado dela. O fato crucial para que minha família me deixasse de lado, foi meu luto curto, e minha besteira de assumir um romance com minha enteada, na época já com 18, mas isso não mudava nada.
Por fim, após todos os ataques e insultos, tive de tomar uma decisão, isso, porque passei a cultivar sentimentos fortes para com a garota. Não era amor eu sei, estava mais para paixão, ou talvez apenas lascívia adolescente."
— A questão é que tive de me mudar de estado, eu e minha doce Valentina, que a essa altura, deve estar morta, já há um bom tempo.
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