Capítulo 01
São Paulo - Brasil🇧🇷
Novembro, 2018
Emily Valente 🔅
A estação fervilhava de movimento, mas para mim o tempo estava em câmera lenta. Entre vozes e passos apressados, só percebia o bater abafado do meu coração. O ar, com cheiro metálico dos trilhos, misturava-se ao aroma de café fresco de uma cafeteria no canto, intensificando a sensação de despedida.
Os trens regionais que cruzavam São Paulo eram antigos, mas funcionais, com vagões pintados de branco e azul, as cores já desbotadas pelo tempo. As pessoas ao redor carregavam malas gastas, mochilas grandes e rostos cansados, cada uma seguindo sua própria jornada. Para mim, no entanto, esta estação não era apenas um ponto de partida — era um adeus.
O apito do trem soou, estridente, marcando a iminente partida. A locomotiva se aproximava devagar, os trilhos vibrando sob os meus pés. O barulho era ao mesmo tempo ensurdecedor e um lembrete cruel de que ele estava prestes a ir embora.
Do-Hyun estava parado à minha frente, segurando sua mochila com firmeza, como se aquilo fosse a única coisa que o ancorasse ao momento. Atrás dele, o trem parava, as portas se abrindo com um chiado, convidando-o a embarcar. A plataforma, tão familiar para quem vivia naquela cidade, parecia agora um palco de despedida que eu nunca quis protagonizar.
Do-Hyun mantinha uma expressão que oscilava entre a firmeza e a melancolia, mas eu conhecia cada nuance daquele rosto. Seus olhos pequenos e puxados, que sempre me transmitiram calor e segurança, agora pareciam ocultar um oceano de sentimentos que ele se recusava a deixar transbordar.
— Você realmente precisa ir? — Minha voz falhou, carregada de um desespero que eu não conseguia esconder. Ele sempre teve a capacidade de fazer o mundo ao meu redor parecer mais vibrante, mas agora tudo o que eu sentia era uma opressão crescente.
Ele desviou o olhar por um instante, encarando o chão da plataforma como se estivesse buscando respostas entre as rachaduras do concreto. Quando voltou a me encarar, seus olhos brilhavam de uma tristeza que ele não conseguia disfarçar.
- Eu preciso, Emily. Não é fácil para mim também.
O nó na minha garganta ficou ainda mais apertado, mas eu não deixaria as lágrimas caírem. Ele precisava ver que eu era forte, mesmo que por dentro eu estivesse desmoronando.
- Eu preciso seguir meu sonho, Emi. Você sabe disso. - A certeza em sua voz me cortou como uma faca.
Meu coração despencou.
- E o nosso sonho? O que aconteceu com ele? - Tentei manter a voz firme, mas a dor escapava em cada sílaba. Como ele podia simplesmente deixar tudo isso para trás?
Ele deu um passo em minha direção, mas eu recuei instintivamente, criando uma barreira invisível entre nós.
- Você só vai embora, como se tudo o que construímos não fosse nada? - perguntei, minha voz mais firme do que eu esperava.
- Emily, por favor, não pense assim. Você sabe o quanto eu... - Ele suspirou, passando uma mão pelos cabelos negros, claramente frustrado. - Eu não tenho escolha.
O apito do trem soou novamente, mais alto, apressando a despedida. Meu coração disparou, e a adrenalina tomou conta.
- Eu preciso ir.
- Então vá - eu disse finalmente, a voz firme. - Mas não espere que eu fique aqui esperando por você. Eu também tenho meus sonhos.
As palavras saíram antes que eu pudesse pensar, carregadas de dor e acusação. Ele não respondeu, apenas me olhou com um misto de culpa e resignação que me deixou ainda mais magoada.
A porta do trem se abriu, e ele deu um passo hesitante em direção ao vagão.
- Eu sinto muito, Emily. Mais do que você imagina. - Essas foram as últimas palavras dele antes de embarcar.
Eu fiquei parada, incapaz de me mover, enquanto ele se virava para me dar um último olhar. Seus olhos expressavam uma tristeza esmagadora.
Quando o trem partiu e a porta se fechou, um vazio irreparável tomou conta de mim. A plataforma, antes repleta de vida, transformou-se num palco solitário de despedida. A chuva, fria e insistente, misturava-se às lágrimas que eu lutava para esconder.
Sem rumo, comecei a caminhar pelas ruas – meus passos lentos refletiam a ausência dele. Ao meu redor, os rostos apressados dos transeuntes e os murmúrios indistintos se fundiam em um borrão, enquanto eu me deixava levar pelo peso da partida, sem saber para onde ir.
Enquanto meus passos me conduziam por ruas encharcadas, a cidade pulsava em um ritmo frenético que contrastava com o silêncio de meu coração partido. Cada esquina trazia um eco de memórias distantes, como se o tempo tentasse lembrar-me de dias que já não voltariam.
A garoa fina se transformava em uma chuva persistente, grudando meus cabelos na pele fria. Cruzei os braços, abraçando a mim mesma, mas o frio que sentia vinha muito mais de dentro do que de fora. Foi então que o celular vibrou no bolso do meu casaco.
Pisquei algumas vezes antes de pegar o aparelho, sem muita pressa, como se já soubesse que qualquer chamada agora não traria a voz que eu mais queria ouvir. Mas quando vi o nome na tela, um arrepio percorreu minha espinha.
Atendi com hesitação.
— Alô?
— Onde você está? — A voz do meu pai soou firme do outro lado da linha, sem rodeios.
Engoli em seco, tentando me recompor.
— Na rua — respondi baixinho, a garganta ardendo.
— Na rua? — O tom dele ficou mais rígido. — E por que você está falando assim? Sua voz está estranha.
Tossi de leve, mas tentei disfarçar, afastando o celular do rosto por um instante.
— Não é nada.
— Emily. — A impaciência dele transparecia. — Você está na chuva?
Fechei os olhos por um segundo, sentindo uma gota escorrer pelo meu rosto — ou talvez fosse apenas mais uma lágrima se misturando à chuva.
— Sim.
Ouvi um suspiro pesado do outro lado da linha, seguido de um silêncio carregado.
— Então você realmente perdeu o juízo.
Revirei os olhos, embora ele não pudesse ver.
— Não começa.
— Não começa? Você está vagando sozinha por aí, encharcada, tossindo feito uma doente e quer que eu não diga nada?
Suspirei, sentindo a exaustão pesar sobre mim.
— Eu só... precisava andar um pouco.
— Precisava andar um pouco? Você sabe que isso não faz o menor sentido, certo? — O tom dele era carregado de frieza, mas não de surpresa. Como se ele já estivesse acostumado às minhas decisões que, para ele, nunca faziam sentido.
A chuva engrossava ao meu redor, e eu podia sentir o frio se infiltrando nos meus ossos.
— Eu só queria pensar.
— E precisava fazer isso na rua, debaixo de chuva? — Ele bufou. — Emily, chega disso. Me diz onde você está.
Mordi o lábio, hesitante.
— Eu estou bem.
— Não perguntei se você está bem. Perguntei onde você está.
Fiquei em silêncio.
— Emily. — O tom dele endureceu. — Você quer me fazer perder a paciência?
Pisquei contra a água que se acumulava nos meus cílios. Eu sabia que, no fundo, aquilo era a forma distorcida que ele tinha de se preocupar comigo.
— Eu estou perto da estação.
— Ótimo. Não saia daí.
A ligação caiu antes que eu pudesse protestar.
Baixei o celular, olhando para a tela escura, e senti um nó apertar minha garganta. O peso daquela conversa me puxava para baixo, mas eu não tinha forças para me rebelar contra isso.
Apenas fiquei ali, parada no meio da calçada molhada, esperando pelo que quer que viesse a seguir.
A chuva parecia se intensificar a cada minuto, como se o céu estivesse decidido a não me dar trégua. Meus dedos estavam dormentes, os cabelos grudados ao rosto, e eu sentia o peso de cada gota encharcando minhas roupas.
O vento cortante fez meu corpo tremer involuntariamente, mas eu continuei ali, imóvel, olhando para os carros que passavam em borrões de luz.
Não demorou muito para que um deles parasse bruscamente à minha frente. O vidro escuro se abaixou, e a voz familiar cortou a chuva como uma ordem inegável:
— Entra no carro. Agora.
Engoli em seco. Por um instante, considerei ignorá-lo, mas meus músculos estavam rígidos demais para qualquer ato de rebeldia. Sem dizer nada, caminhei até a porta do passageiro e entrei, sentindo o calor repentino me envolver.
O barulho da chuva ficou abafado quando ele fechou a janela. O motor roncava baixo, mas meu pai ainda não tinha dado partida. O cheiro do couro do carro se misturava ao perfume dele, sempre tão contido e calculado.
Meu pai ficou em silêncio por alguns segundos, os dedos apertando o volante. Eu esperava um sermão imediato, mas, em vez disso, ele fez algo que me pegou desprevenida.
Ele me olhou.
Não com impaciência. Não com reprovação.
Apenas olhou.
E, naquele instante, acho que ele finalmente me viu.
Seus olhos percorreram meu rosto pálido, as olheiras profundas, os cabelos molhados escorrendo pelos ombros. Ele franziu o cenho, como se tentasse decifrar algo que nunca havia notado antes.
— Emily... — a voz saiu menos dura do que de costume, quase relutante.
Eu baixei a cabeça, sentindo meus lábios tremerem.
— O que aconteceu? — Sua voz saiu mais baixa do que o habitual, sem a dureza de sempre.
— O Do-Hyun foi embora.
As palavras saíram num sussurro, e dizer isso em voz alta fez tudo parecer ainda mais real.
Vi a expressão dele mudar sutilmente. Foi rápido — um leve tensionar dos lábios, um piscar demorado. Ele não disse nada. Apenas esperou.
— Eu tentei. — Apertei as mãos no tecido encharcado do meu casaco. — Mas ele foi embora.
Meu pai piscou lentamente, processando minhas palavras.
— É por isso que você está assim? — Sua voz era baixa, mas carregada de algo que eu não sabia definir.
Eu assenti, desviando o olhar para a janela, vendo as gotas da chuva escorrendo pelo vidro.
Meu pai ficou em silêncio por alguns segundos. Pela primeira vez em muito tempo, ele não tinha uma resposta pronta, não tinha um comentário frio ou uma repreensão. Só ficou ali, imóvel, absorvendo minhas palavras.
Ele soltou um suspiro profundo e passou a mão pelo rosto, como se estivesse tentando encontrar as palavras certas.
Então, sem aviso, ele tirou o casaco e colocou sobre os meus ombros.
Fiquei estática. Aquilo não era algo que ele faria normalmente. Não era o tipo de cuidado que eu esperava dele.
O calor do tecido contrastou com o frio da chuva, e por um breve momento, senti uma estranha sensação de conforto. Mas foi rápido. Logo ele soltou um longo suspiro, apertou as mãos no volante e disse, num tom seco:
— Vamos para casa.
Sem esperar resposta, ligou o carro.
Eu me encolhi no assento, abraçando o casaco contra mim, sem perceber o olhar pesado que ele lançou para a estrada.
Nada disso parecia real. A ausência do Do-hyun pesava como um nó na garganta que eu não conseguia desfazer. A vida seguiu normalmente para todos, mas para mim, algo essencial havia se rompido. Eu não estava pronta para encarar um mundo onde ele não existia ao meu lado. Não naquele momento.
Estava doendo. Muito.
Mesmo que o meu amor tenha se esvaído, como se a parte mais vital da minha existência tivesse desaparecido sem explicação, eu teria que seguir em frente.
Meu pai dirigia em silêncio, seu olhar fixo na estrada, como se nada tivesse acontecido.
As lembranças começaram a inundar minha mente sem que eu pudesse evitar. O jeito que ele segurava minha mão, a risada abafada quando eu falava algo bobo, as noites em que estudamos juntos até tarde. Fechei os olhos por um instante, como se isso pudesse afastar a saudade sufocante que ameaçava me engolir inteira.
Como pode?
Como pode parecer que ele está longe de mim há anos, quando, na verdade, foi há apenas alguns minutos que ele se foi? Como algo tão recente pode carregar essa sensação de eternidade?
Era como se eu tivesse me despedido para sempre. Como se, ao vê-lo partir, tivesse sido arrancada de um tempo em que ele existia comigo e lançada em um vazio onde ele nunca mais voltaria.
E talvez não volte.
Talvez seja por isso que está doendo tanto.
Às vezes sentimos a ausência de alguém sem que precise ser necessário que essa pessoa se vá para sempre. Algo tão importante em mim se foi, sem explicação, sem motivo – simplesmente se foi. O que restaria para a minha felicidade? O que me faria sorrir? Quem dividiria os estudos, os sonhos, os silêncios?
Era sempre ele.
Meu celular continuava mudo em minhas mãos, como um lembrete cruel. Uma parte de mim ainda esperava. Ainda queria acreditar que, a qualquer momento, ele ligaria para dizer que estava bem. Mas a espera era inútil. A cada segundo, minha esperança era despedaçada um pouco mais.
Enquanto o tempo se arrastava, o som insistente da chuva e o murmúrio distante da cidade amplificavam o vazio que habitava em mim. Por um breve instante, deixei a melancolia me dominar.
Eu queria que tudo fosse mentira, que ao despertar desse pesadelo, o amanhecer trouxesse ele de volta ao meu mundo, como se o tempo pudesse desfazer a dor de sua partida.
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