Cinco
obrigada Cah e Ju, minhas estrelinhas <3
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1.
A Coréia do Sul é um país espremido entre a China, a Coréia do Norte e o mar que leva ao Japão. Mesmo assim, coreanos não são chineses nem japoneses. Essas quatro nações são como líquidos de densidades diferentes, não se misturam, embora estejam pressionadas umas contra as outras, tensionadas, século após século.
Coreanos são, distintamente, coreanos. Se um coreano sai da Coréia, ele arrasta seu país o máximo possível nas costas, até o fim. As tradições, o idioma, são a verdadeira casa de um coreano, não importa em que lugar do mundo ele esteja.
Coreanos detestam ser confundidos com japoneses ou chineses. Mas eu não sou coreano, embora meu sangue seja legítimo. Por mais que harabeoji deseje ardentemente que eu seja. Então, quando as duas norte-americanas na mesa perguntam de que parte da China eu vim, aceno um tipo de tanto faz enquanto sirvo suas bebidas no meu primeiro dia de trabalho no Luxorine.
Ainda é cedo, e o lobby está tranquilo. Levo a bandeja vazia de volta para o balcão e observo os hóspedes chegando e saindo com suas malas e mochilas. O Luxorine recebe uma clientela que é 70% empresários estrangeiros, 20% estrangeiros e 10% brasileiros abastados que escolhem o hotel de suas férias de acordo com a quantidade de menus disponíveis. O Luxorine tem menu de travesseiros, menu de mini drinks, de doces e de carros. Você pode escolher se quer deitar sua cabeça em travesseiros de pena de ganso enquanto toma seu mini Martini aguardando seu lamborghini estacionar na recepção.
Não nutro nenhum tipo de fé cega de que fui aceito para trabalhar aqui por possuir algum dom divino. O LIMBO se encarregou de me tornar um brasileiro com inglês fluente e tenho um coreano aceitável em tempos de intenso intercâmbio cultural. Além disso, coreanos e japoneses são bem quistos como funcionários por terem fama de serem muito honestos e disciplinados.
A única coisa que posso prometer ao Luxorine é que tentarei o máximo possível não derramar molho de tomate nas toalhas de mesa de algodão egípcio 180 fios, o que vai ser difícil. Quando cheguei, olhei a placa em frente ao bar avisando que hoje terá apresentação de piano a partir das 20h, no lobby, e minhas mãos já estão suando desde agora. Só quero terminar esse dia sem vomitar nenhuma vez, mas o pianista ainda nem chegou e meu estômago já está revirando e minha língua está ficando pastosa. Meus ouvidos estão latejando, como um membro amputado que sente falta de seu complemento.
Olho de relance para o salão do piano. Há uma porta de vidro contígua ao lobby, o piso de mármore negro se estende salão adentro e parece feito de veludo sob o laqueado branco do piano, centralizado abaixo do imenso lustre que, aceso, lembra uma grande chama dourada. É bonito e solitário como um cisne num lago estático, e sinto seu chamado reverberando em cada vértebra da minha coluna. Pare me manter ocupado, sirvo as mesas. Anoto pedidos, trafego pelos espaços vazios do lobby. As horas não passam. Vomito a primeira vez no banheiro dos funcionários. Quando a pianista chega e se apruma na banqueta do piano, afagando as teclas, vomito a segunda vez. Meu estômago se contorce, exausto, magoado, e sinto na boca o gosto azedo da minha própria derrota.
O som flui para dentro do banheiro, distante, mas pungente. São notas rústicas, tocadas por dedos pesados e impregnados de uma técnica severa; parecem punhaladas impiedosas em minhas vísceras. Não consigo respirar. Meu cabelo cai em cima dos olhos e não há dedos para afastá-los, não tenho forças nem para me arrastar até um reservado. Não reconheço a música, os andamentos, é alguma composição atual, mas há algo de grosseiro no ritmo. Está desafinado, o piano. Detenho-me nos ruídos destoantes que arranham a música, duvidando que alguém mais os perceba. A primeira apresentação acaba e escuto os aplausos no lobby.
Está desafinado. Não soa verdadeiro, puro. Não é um som digno das lembranças de minha omma.
O ar passa através de meus pulmões como se uma trava enfim cedesse. Puxo-o com força, e de novo e de novo; em meio a uma gargalhada pontuada por soluções de alívio, sou atirado de volta à superfície.
2.
Jimin está lendo um mangá no intervalo entre as aulas, as pernas esticadas na cadeira ao lado e o capuz do moletom puxado para trás. O cabelo dele está bonito hoje, sedoso e escuro como cetim negro, e seus olhos estão levemente rosados e inchados porque provavelmente ele passou a noite chorando por causa da mãe. Eu estou com meus fones de ouvido encaixados nos tímpanos, dopando-me com minha dose diária de gritaria ininteligível.
Agora que ele voltou, a sala de aula nunca fica vazia para mim. Ele podia estar lá embaixo nesse instante, com Julian e sua corja, ou nos corredores, sendo bajulado pelas garotas que estão se acotovelando lá fora na ansiedade de entrar aqui para vê-lo, mas Jimin fica comigo o tempo todo, mesmo que sequer troquemos meia dúzia de palavras.
Ele não está falando comigo, não como falamos quando estamos sozinhos, não acho que seja porque ele está tentando fingir que não me conhece, é outra coisa.
E pode ser que tenha a ver com aquele dia em que ele foi até a minha casa e chorou no meu colo. Eu fico pensando nisso de madrugada, fumando no casulo frio da minha cama, e não consigo chegar a nenhuma conclusão sobre essa merda. Sinto como se tivesse feito uma prova acreditando que sei todas as respostas para no fim descobrir que tirei zero. É bom e ruim e inconclusivo.
No final das aulas, nos encontramos na esquina do quarteirão e andamos juntos até o metrô. Não conversamos, nem compartilhamos fones de ouvido como a maioria dos adolescentes que andam em par, mas nos escoramos um no outro enquanto o vagão sacode o trajeto inteiro. Respiro o cheiro metálico da cidade nos cabelos de Jimin e ele brinca com os fios que pendem do capuz do meu moletom, os dedos esbarrando vez ou outra em meu peito.
É uma proximidade tão assustadora quanto urgente. Começo a sentir todas aquelas coisas se remexendo dentro de mim, calor, frio, ansiedade, necessidade. Lembro de como o corpo de Jimin costumava se aninhar tão bem ao meu nas madrugadas em que dormíamos juntos, como o pé dele vestido em meias quentes buscavam os meus no meio de um sonho bom, e é tão estranho que eu sinta vontade de saber como é agora.
Como seria o corpo dele perto do meu agora que estamos tão diferentes e...
"Vamos fazer alguma coisa no fim de semana", ele diz.
"Beber", eu sugiro vagamente, e Jimin ri. Reparo que um dente da frente dele é torto, apesar dos anos usando aparelho, e que o som de sua risada soprada perto de mim me deixa em alerta. A bochecha dele está corada e raspa perto da minha boca quando ele ergue um pouco a cabeça. Vejo a penugem curta da barba por fazer perto do maxilar.
Algumas pessoas à nossa volta nos olham e eu as encaro com raiva apenas porque é minha forma carinhosa de cumprimentá-las. Elas parecem nos acusar de algo e eu simplesmente estou esviscerando cada uma delas em meu pensamento por ousarem atacar Jimin com seus julgamentos imundos.
"Vou estar livre na sexta de noite. A gente pode sair da escola e ir para algum lugar", Jimin propõe. Eu achava que ia ser difícil retomar a nossa amizade, mas é tão ridiculamente fácil estar perto dele que me pego sorrindo o tempo todo com a ironia disso, como agora. Jimin levanta o olhar e ri junto comigo. "O que foi? Qual é a graça?"
"Eu sei lá", então eu o empurro, não tão grosseiramente quanto teria feito com qualquer outra pessoa. "Desencosta."
Ele ri, coloca as mãos nos bolsos e se escora no ferro melecado de gordura de dedos atrás de si. O moletom repuxa para baixo e eu encontro a pinta que ele tem sobre uma das clavículas. Eu me lembro que o corpo de Park Jimin é salpicado de pintas, no pescoço, nos dedos, nas costas, nas coxas, na nuca, e me pego pensando como elas estão agora, como se reorganizaram na pele esticada sobre os músculos novos.
"Não posso depois da escola", digo solenemente. "Tenho que trabalhar. Só posso depois das dez."
Jimin curva o corpo para frente para ver meu rosto afogueado por baixo da franja quando abaixo a cabeça.
"Está trabalhando? Onde?"
"No Luxorine."
Jimin arqueja em choque.
"No Luxorine? Aquele hotel de gente rica? Que merda você faz lá, chupa o pau dos milionários?"
"Meio que isso. Eu sirvo mesas no restaurante."
Combinamos que Jimin vai passar no Luxorine depois das dez para me pegar, na sexta, e estamos tão evidentemente felizes por fazer alguma coisa juntos que nem nos importamos com a porra do destino. Na sexta de manhã, antes de ir para a escola, penso em deixar um bilhete para meu harabeoji avisando que vou chegar de madrugada, mas aí lembro da catarata dele e que corre o risco dele entender algo errado e acabar envolvendo a polícia, então, no final do meu turno no Luxorine, depois que lavo o rosto e troco o uniforme do restaurante por calças rasgadas que me fazem passar frio, tênis e moletom, ligo para ele e temos uma conversa cheia de afeto ríspido em que ele me trata como um cachorro e eu revido. O que importa é que nos comunicamos e eu já estou sabendo que tem kimchi na geladeira.
Jimin está encostado na grade dos fundos do hotel, jeans escuros aderindo em suas pernas compridas e musculosas, um casaco verde musgo que chega até a metade de suas coxas e um gorro preto achatando os cabelos. As argolas e os anéis prateados brilham nos dedos pequenos e roliços. Eu entendo porque as garotas da escola estão molhando as calcinhas por ele, é uma capacidade irritante que Park Jimin tem de parecer um modelo da Armani simplesmente existindo.
É bem ridículo, na verdade. Tipo, eu teria vergonha.
Ele está escutando música e assim que nos unimos para andar juntos na calçada até o metrô, Jimin enfia um dos fones no meu ouvido e aumenta o volume.
"Lembra disso?"
Nós rimos. É uma daquelas músicas estupidamente felizes de dorama que minha omma assistia. Não posso acreditar que Jimin tem uma playlist com isso.
"Tira essa merda", eu digo assim que nos recostamos nas paredes geladas da estação para esperar o metrô. Jimin ri, mas faz uma dancinha idiota agitada o bastante para o deixar corado e imita a voz aguda da cantora. Eu olho para o lado oposto, ignorando-o, e quando volto Jimin está tirando o gorro e passando a mão pelos cabelos bagunçados. Ele ri para mim, enfiando a cara no meu peito num surto repentino de vergonha quando um grupo de garotas passa por nós – Jimin ri o tempo todo, de tudo, então meu estômago devia parar de ficar dando cambalhotas patéticas por isso.
"Ei, você tem aquela?", eu o cutuco nas costelas. "Daquele dorama em que a garota tinha uma irmã gêmea que se vestia de garoto para entrar no vestiário masculino da escola."
"Tenho. Essa é bem ridícula", Jimin mexe em sua playlist e encontra a música. Nós rimos um para o outro com a melodia excessivamente alegre e fofa, até que Jimin olha para os lados quando o metrô enfim chega. "Ei, para que direção estamos indo?"
"Foda-se, quem se importa?", eu o pego pelo pulso e o arrasto para dentro do vagão. "Vamos só sair desse bairro de riquinhos pau no cu. Caralho, estou com fome."
A realidade disso me choca. Não porque eu esteja sentindo fome, mas porque realmente quero comer. Minha boca está salivando e meu estômago não está embrulhando. Não lembrava mais como era essa sensação, querer comer.
Não precisamos discutir para saber para onde estamos indo, Jimin aparentemente também está sonhando com uma boa comida coreana, então vamos para o Bom Retiro, o meu bairro, e entramos no único restaurante coreano que está aberto a essa hora. Escolhemos uma mesa no fundo, perto da cozinha, e esticamos as pernas embaixo da mesa, os tornozelos de Jimin cruzados em cima dos meus.
O cheiro de carne de porco e gergelim faz meu estômago arranhar de tanta vontade e sinto algo próximo à euforia enquanto balanço as pernas para lá e para cá sob o peso das de Jimin. Há uma familiaridade reconfortante se encaixando lentamente ao meu redor conforme nos conectamos pouco a pouco.
Comemos tanto que nossos estômagos estão arrebentando quando saímos para a noite gelada. Como somos menores de idade, não podemos comprar bebida alcoólica, mas isso nunca foi um problema. Encontramos alguns vagabundos na praça, Jimin dá algum dinheiro para um deles e em menos de cinco minutos temos nossas cervejas em mãos. São Paulo pode ser um playground sem fim para dois adolescentes desacreditados e entediados, e caminhamos por baixo das pontes respirando o ar eletrizado da cidade, observamos garotos praticando parkour nos parques, sentimos nossos olhos lagrimejando no ar glacial da meia-noite.
Sinto meu coração pulsando, irrigando sangue pelo meu corpo numa reação vital à presença de Jimin. Nós somos leves e esquálidos em nossas roupas finas e largas e nossos dedos e pulsos se esbarram e se entrelaçam o tempo todo enquanto cambaleamos rindo e nos escorando um no outro debaixo de um céu de fumaça de carburador. Deitamos no banco de concreto na frente de uma igreja e olhamos para cima, observando o adensamento de luzes coloridas dos prédios girando à nossa volta como estrelas.
"Estou bêbado", Jimin murmura suavemente ao meu lado. Sinto os dedos dele no meu cabelo e não sei porque ele acredita que pode me tocar assim, tanto quanto não acredito no porque o deixo fazer isso. Jimin é a única pessoa neste mundo corajoso o bastante para tocar em mim sem pedir permissão, como se meu corpo fosse dele, e essa ousadia é o bastante para que eu o permita.
Minha boca tem gosto de álcool e secura, e estou quase deslizando a mão pelo bolso do jeans para adicionar a essa mistura amarga o sabor do cigarro quando fecho os olhos e respiro fundo. O ar muda de direção, trazendo o cheiro de Jimin para mim – há alguma coisa nele que não o permite cheirar como as outras pessoas, gás carbônico e ranço. Quando Jimin sua, ele cheira a manteiga e sal, como agora.
"Ei, como é na escola militar?", pergunto.
"Diferente."
"Porra, me dê uma resposta decente, caralho. Tem garotas?"
O som da risada de Jimin é levado pelo vento, mas ele vira um pouco a cabeça na minha direção para responder claramente:
"É claro que tem."
"Com quantas você transou?"
"Cinco."
Engasgamos juntos com nossas próprias gargalhadas.
"Nenhuma", Jimin declara quando voltamos ao silêncio, o que não me choca nem um pouco.
Ele tem esse jeito naturalmente sensual, mas é tímido demais para fazer investidas. Além disso, é exigente. Nas festas de aniversário que íamos quando éramos pré-adolescentes, ele recusava as garotas, por mais bonitas que fossem; sempre achava algum defeito. É claro que ele pode ter mudado nesse meio tempo em que ficamos separados, mas algo me diz, uma esperança idiota, que Jimin ainda é o mesmo de sempre e que ninguém o conhece melhor do que eu.
"Um virgem", debocho, "Não acredito que se tornou esse tipo de pessoa clichê, sexo só depois do casamento e essas merdas, ou sexo só quando encontrar a pessoa certa, pipipi, popopo. Você é um clichê, Jiminie, pelo menos me diga que já ganhou uma bela chupada."
"Aish", ele ri, claramente divertido, mas sinto o calor de seu corpo começando a recender perto do meu. É engraçado vê-lo constrangido e sinto vontade de cutucá-lo mais para ver até onde ele aguenta.
"Não? Nem nudes? Mas já viu um par de peitos, imagino, ou tocou numa boceta molhada?"
"Pare com isso", ele ainda está rindo, mas percebo a graça da conversa convertendo em outra coisa. Há uma densidade diferente no ar entre nós.
"Preciso fumar um cigarro em homenagem a isso", mas minhas mãos permanecem confortavelmente aninhadas no bolso do meu casaco. Os dedos de Jimin estão de volta nos meus cabelos e minha boca fica muito, muito seca e palpitante. "Meu amigo ainda é virgem. Tipo, em todos os sentidos. Você não existe, Jiminie, você é uma raridade neste mundo."
"Como é?", ele pergunta, a voz doce quase uma carícia no meu rosto. De repente tenho a exata sensação de tudo à minha volta, o banco gelado nas minhas costas, o hálito quente de Jimin embolando com o meu, o ruído dos carros rasgando os viadutos, os estalos da cidade insone se fechando sobre nós.
"Como é o que?"
"Tudo isso que você disse."
"Nada de demais", admito, dando de ombros, "Garotas são macias e quentes. Mas acho que qualquer pessoa é assim."
"Você esteve com muitas?"
Acho graça. Não sei porque, mas estou gostando dessa conversa. É estranhamente estimulante.
"Não estive com nenhuma. Só... sei lá, coisas aconteceram."
"Então você também nunca transou."
"Eu disse isso?"
"Meio que sim. E você está ficando vermelho, aish", Jimin ri outra vez, os dedos saindo do meu cabelo para tocar meu rosto.
Enfim pego o cigarro e o acendo. Sopro a fumaça para o alto depois de tragá-la fundo, é como enfiar São Paulo inteira nos meus pulmões, o alívio e a morte. O ruído dos carros circulando pelas rodovias à nossa volta nos ensurdece um pouco e não estaríamos tendo essa conversa se nossas cabeças não estivessem alinhadas, minha boca na orelha de Jimin, a dele na minha.
"Como seu pai está reagindo?"
"Como sempre. Bebendo", Jimin se remexe e percebo que está desconfortável com a mudança de assunto.
O pai de Jimin tem problemas com bebida. Ele melhora as vezes e então tem recaídas e elas quase sempre estão ligadas a algo que não tem nada a ver com a família, mas ele acaba descontando neles. Agora que a mãe de Jimin está doente, só posso imaginar o inferno que não está sendo para Jimin, tendo toda a atenção do pai sendo descarregada sobre si, e no entanto ele é a pessoa que conheço que mais sorri.
"Eu vou estar aqui", digo, sem me importar em sussurrar. Minha voz é áspera e rígida como minha alma. "Enquanto toda essa merda com a sua mãe acontecer. Até o fim, vou estar aqui, Jimin. Com você."
"Eu sei. Sinto muito por ter ido embora", ele mia.
"Foi por isso que vocês voltaram, não foi? Por causa da sua mãe."
"Por causa do tratamento dela. Aqui na cidade é mais fácil."
"Quanto tempo ela tem?"
"Essa é a merda, não é? Não tem como prever. Os médicos dizem que pode ser um mês ou seis meses ou um ano, então é tipo uma roleta russa", Jimin fica quieto, então joga o braço por cima dos olhos e suspira, como fazia quando éramos crianças e estava com raiva. Jimin tem muitas formas de ficar com raiva, são níveis – com muita raiva, com uma raiva ameaçadora e, o estágio final que só vi uma vez, letal. Ele está no nível um agora, talvez por se sentir inútil diante da merda que é a vida, e não posso culpá-lo. "O que você vai fazer amanhã?"
Ele não diz, mas sei que está me usando para não ter que ficar em casa e assistir a mãe definhar. Ele podia estar chorando em posição fetal em sua cama, ou aqui mesmo, comigo, mas Jimin não é assim, ele procura formas de continuar equilibrado em sua bola mágica de alegria e meiguice. Esse é seu escudo.
Eu me pergunto até quando ele vai suportar isso e descubro que não quero saber a resposta.
Penso por um segundo se ele teria vindo falar comigo se não precisasse de uma distração e espero sentir indignação por isso, mágoa, mas não sinto. Eu não me importo que Jimin me use, enfim sou útil, algo mais necessário no mundo que um pedaço de carne e ossos ocupando lugar nesse lixo todo. E entre ficar com Jimin ou passar o sábado em casa mofando no meu quarto que cheira a meias sujas e cigarro ou ir para a padaria me submeter aos gritos trocados entre harabeoji e Ângela, sei bem o que prefiro.
"Nada", respondo, e espero o convite de Jimin enquanto assopro a fumaça para cima outra vez, a nuvem espessa embaçando as luzes cintilantes à minha volta.
"Vamos fazer alguma coisa", ele enfim diz, virando-se de lado para mim. A mão que estava em meu cabelo pousa perto da minha orelha e brinca com meus piercings. Seus dedos são quentes em minha pele, sua respiração é morna como um vapor em meu pescoço. "Qualquer coisa."
"Aham", eu cedo. O que você quiser, Jimin. O que você quiser, sempre.
Faço uma bola gorda de fumaça com a boca e a empurro para o céu como um balão. Acho que sinto algo próximo à felicidade se alastrando dentro de mim, no fundo oco do meu estômago, mas não tenho como ter certeza.
Nunca experimentei.
Talvez seja só mais fome.
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