Eu precisava de um último quadro para completar a coleção, apenas um quadro tão forte e cheio de emoção quanto os demais. Entretanto, eu estava sem inspiração com a cabeça quente, com os pensamentos nela. Eu precisava vê-la, precisava falar com ela e dizer a ela quem eu era, talvez assim eu conseguisse ajudar de algum jeito. Larguei o pincel de lado e levantei do banco e decidi ir ao mercado.

Caminhei entre as gôndolas do supermercado enchendo o carrinho com produtos aleatórios que eu nem havia prestado muito atenção. Eu queria vê-la, fazia uma semana que eu não aparecia no mercado, e durante esses dias pensei muito em Natasha. Na verdade, pensei mais do que deveria pensar, e cheguei à conclusão de que talvez eu poderia ajudá-la de algum jeito, mas para isso eu precisaria contar para ela a verdade. Eu não fazia ideia de como ela agiria, certamente não ficaria nada contente, mas eu precisava dizer a ela sobre o que eu havia feito, precisava pedir perdão, precisava dar um jeito e um ponto final nesse capítulo trágico da minha vida. Eu sabia que ela não iria me perdoar tão facilmente. Eu no lugar dela não perdoaria, mas eu tinha esperanças de que pelo menos ela aceitasse uma ajuda financeira que pudesse lhe ajudar a comprar uma nova prótese, ou a pagar a faculdade. O importante é que algo precisava ser feito.

Talvez tenha desconfiado nas últimas semanas que eu estive todo o santo dia no mercado, e que eu era alguém do seu passado. Eu não tinha dúvidas de que era ela na noite do acidente, eu havia percebido naquela vez que estávamos no ponto de ônibus que ela usava uma prótese, depois que eu descobri o nome dela liguei para o advogado que havia cuidado do caso e ele confirmou as minhas suspeitas. Natasha foi a moça que eu atropelei. Eu precisava fazer alguma coisa por ela, algo que não foi feito na época do acidente, pois o meu pai com todo o seu dinheiro conseguiu fazer com que tudo desse muito certo para mim.

Por anos eu vivi quase bem com isso, claro eu ainda sonhava com a noite do acidente da mesma forma que eu sonhava com aquela tarde fatídica que selou o meu destino. Mas quando eu coloquei os meus olhos em Natasha, a culpa feita montada em um cavalo sombrio que pairou sobre a minha alma e me fez perceber o tamanho da desgraça que eu havia feito. Eu estava fodido.

Quando cheguei perto dos caixas meus olhos correram por toda parte em busca do rosto pequeno e suave de Natasha, mas ele não a encontrou. Onde ela estava? Eu sempre ia no mercado naquele horário e ela sempre estava no caixa, foram raras as vezes que ela estava jantando ou de folga e quando isso acontecia eu esperava durante uma hora ela voltar do seu horário de descanso, caso ela não voltasse então estaria de folga. Voltei para trás com o meu carrinho sorrindo para alguns clientes que passavam por ali alegando baixinho para eles que eu havia esquecido o molho de tomate, e então passei uma hora e alguns minutos dando voltas e voltas no mercado e nada de Natasha aparecer. Provavelmente ela estava de folga.

Fui obrigado então a entrar na fila do caixa de uma senhora que aparentava já ser aposentada. A senhora me atendeu com toda a cortesia possível e registrou a minha compra com toda delicadeza. Fiquei boa parte do tempo espiando os outros caixas para ter certeza de que eu não me enganara, mas nada. Natasha não estava lá.

Cerrei os punhos irritado por não conseguir falar com ela, fui embora para a casa de uber, pois depois do acidente eu nunca mais dirigi.

Na manhã seguinte Natasha não apareceu também. Será que ela estava de férias? Ou ganhou uma segunda folga? Aproximei-me do caixa que eu havia passado as minhas compras no dia anterior. A senhora que me atendeu fora muito simpática e ela não hesitou ao responder a minha pergunta.

— A senhora sabe o que aconteceu com a Natasha? Eu nunca mais a vi no mercado, sempre passava no caixa dela e ela era muito gentil e do nada sumiu.

— Natasha? Ah sim! Pobre Natasha, ela não falava com ninguém, mas eu sempre achei ela uma moça tão boa, tão dedicada...

— O que aconteceu? — perguntei.

— Ela foi despedida.