ELE
Eu estava diante do meu passado. Um passado que eu fazia questão de fugir. Um passado que me atormentava nas noites lúgubres em que o céu era uma vasta escuridão nos envolvendo com suas nuvens gordas de chuva que se rastejavam pelo céu sombrio. A melodia que embalava os meus piores pesadelos era o som alto e assustador dos raios dançando no céu, dos trovões se envolvendo com as nuvens. O meu passado era terrível demais, e quando ele aparecia eu perdia todo o ar dos meus pulmões, arfava e respirava com dificuldade, afundava as minhas mãos cálidas e sujas de tinta nos meus fios negros. Sentava-me na cama de madrugada, com a cabeça inclinada encarando o piso de taco, os punhos cerrados, o rosto ardendo, uma chama inflando o meu peito.
Eu me odiava. O ódio brotava ainda mais em mim quando eu me lembrava das coisas terríveis que eu havia feito, da coisa terrível que eu fiz. Todos os dias enquanto eu comia eu podia sentir o gosto amargo do arrependimento descendo pelas minhas entranhas. Antes de deitar eu ouvia o meu próprio eu me xingar baixinho dizendo que eu devia estar morto. Eu devia estar mesmo, mas ao invés de me matar Deus me colocou aqui frente a frente com o meu passado, com o segredo que eu escondia de quase todos.
Meu passado sorriu timidamente para mim, ela me desejou "bom dia" e perguntou se eu gostaria de "nota fiscal paulista". Os olhos dela eram castanhos esverdeados, foi a primeira coisa que eu reconheci, os cabelos escuros com as pontas douradas, nariz levemente empinado meio achatado e duas linhas grossas eram os seus lábios rosados e brilhosos, algum tipo de brilho labial certamente. Ela percebeu que eu a olhava, ela percebeu o choque que eu tive ao mergulhar na imensidão dos seus olhos noturnos, ela lembrava de mim? Reconhecera-me?
Então era como se eu estivesse envolto nos meus pesadelos novamente. Aquela sensação terrível de remorso abraçou o meu corpo enfraquecendo os meus ossos. Senti o beijo molhado do passado nas minhas bochechas. Minha respiração enfraqueceu e eu coloquei uma das minhas mãos no meu peito, "lembra de mim?" "lembra de mim?"
— Moço, você está bem? — ela perguntou se inclinando no check out apoiando as mãos pequenas no aço inox. Nossos olhos se encontraram por um momento e nada. Ela não fazia ideia de quem eu era. Eu pude ver isso escrito com letras bem grandes e claras de que ela não se lembrava de mim. Suspirei, não de alívio, mas de preocupação. O que foi que eu fiz? Desviei o olhar quebrando assim a nossa ligação, eu não queria ver o que eu fiz. Meu peito ardeu e engoli em seco as palavras que eu queria ter dito, elas desceram queimando as minhas entranhas.
"Moça, lembra de mim? Sou o filho da mãe que te atropelou há 6 anos. Que jogou a BMW em cima de você, porque estava rápido demais e não tinha bom senso. Que acabou te prensando no muro de uma casa e que na hora a sua perna saiu, foi parar embaixo do meu carro e você continuou lá, agonizando, gemendo de dor com um cheiro metálico forte de sangue, gritando que iria morrer, e eu o que eu fiz? Fugi."
*************************************************
Oi gente, tudo bem? Espero que tenham gostado! Como os capítulos são curtos postarei todos os dias :) Convidem os amigos para ler, prometo fortes emoções rsrs <3
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro