ELA/ELE
ELA
Max não me beijou.
Quando saímos do café ele me acompanhou até o shopping. Fomos andando mesmo porque não era longe, cinco quarteirões de distância. Max parecia preocupado por eu estar andando.
— Fique tranquilo — eu disse a ele. — Eu perdi a perna, mas ainda consigo andar.
Tentei sorrir demonstrando que aquilo não era nada, mas Max não viu graça e eu também não achava que aquilo não era nada. Talvez fosse se eu não amasse o ballet.
Em uma das entradas do shopping, Max se despediu. Ele falou:
— Eu posso vim te buscar? Venho de Uber e te acompanho até o hospital quero ficar mais tempo do seu lado.
Eu fiquei feliz e sorri feito uma boba. Ele queria ficar mais tempo comigo e eu queria ficar mais tempo com ele.
— Claro — eu disse tímida.
E aquele era o momento que eu esperava: o nosso primeiro beijo. Tentei ficar na ponta do pé, estava de frente para ele. Aproximei-me para me despedir. Max também se aproximou. Mas ele encostou seus lábios não nos meus lábios, mas sim na minha testa. Um beijo cheio de ternura. Ruborizei quando ele se afastou.
— Te vejo mais tarde.
Ele girou nos calcanhares e partiu.
Fiquei o dia inteiro nas nuvens. Rindo sozinha. Sorrindo para estranhos. Com as bochechas rosadas. Todo mundo percebeu, até o meu patrão.
ELE
Era muito cedo para beijá-la. Mesmo eu querendo muito. Mesmo eu desejando ardentemente aquela boca contra a minha. Puta que pariu, Natasha me deixava louco. Sentia-me mal por pensar nela desse jeito. Eu era o filho da puta que havia arruinado a sua vida. Era fácil ver isso no rosto dela. E mesmo assim eu ainda fantasiava coisas escrotas e românticas com ela. Eu devia me afastar. Tudo me dizia para pular do barco. Minha consciência gritava para deixar Natasha em paz, mas o meu coração ansiava por vê-la, por estar perto, enquanto o meu corpo ardia e respondia a atração que eu sentia. Cheguei no meu apartamento e tomei um banho gelado para me conter, mas eu não conseguia.
ELA
Ele estava lá me esperando. Ele pagou para que o motorista desse dez voltas pelo centro da cidade. Conversamos. Conversamos. E conversamos sobre a lua, sobre as estrelas, sobre a melodia suave da noite. Conversamos sobre coisas boas. E estar do lado dele deixou-me feliz. Cheia de adjetivos positivos. Exaurida de alegria e na expectativa de um beijo que naquela noite não veio.
ELE
Eu tentei falar. Tentei. Mas as palavras... elas sumiram. Eu não encontrava palavras. As palavras fugiram de mim. Escaparam assim que eu abria os lábios para falar. Elas se esconderam no meu coração. Danadas palavras! Brincavam de esconde e esconde comigo. E eu nunca as encontrava. Passei a noite às procurando, mas as palavras eram brincalhonas demais, e todas as vezes que eu conseguia alcançar uma, ela ria de mim, ria como uma criança travessa e mais uma vez elas escaparam de mim. Malditas palavras.
ELA
No dia seguinte ele estava lá também. Na porta do hospital esperando por mim e por Tália. Mas Tália já havia saído. Eu estava lá acertando as contas. O hospital ficou caro, quase oitocentos reais. Estava aflita e grata porque o dinheiro havia dado. Mas esqueci toda a minha situação financeira quando eu o vi parado me esperando. Ele estendeu a mão para mim. Nossos dedos entrelaçados. Nossas mãos juntas. Senti que eu não estava mais sozinha. Ele tocou a minha face e beliscou a minha pele de um jeito suave.
— Vamos?
— Vamos.
Andando em círculo pela cidade de novo. Eu estava começando a gostar disso. Da nossa dinâmica. Nosso hobbie do dia era apontar para as pessoas da rua e inventar histórias sobre elas. O motorista nos olhava pelo espelho e escondia uma risada. Ele devia pensar que éramos dois jovens bobos.
— Aquele ali é infeliz — ele disse.
— Por quê?
— Porque ele se parece comigo.
ELE
Era horrível. Eu me sentia mal quando me afastava dela. Engasgado. Entalado com as minhas palavras. Mas quando ela estava perto eu esquecia a dor, mas as vezes flash de memórias apareciam e em poucos segundos eu desmoronava.
ELA
Tália me pegou sorrindo.
Eu estava sorrindo demais nos últimos dois dias.
ELE
A mãe de Natasha estava horrorizada. Ela tinha ouvido toda a minha proposta e as minhas justificativas em silêncio. O doutor Salazar me olhou como se estivesse dizendo: Eu te avisei.
Estávamos no meu apartamento e a mãe de Natasha nos olhava nervosa sentada no meu sofá branco. Ela cruzou as pernas e balançou os pés irritada.
— Deixa eu ver se eu entendi porque tudo isso me parece loucura... Você quer namorar a minha filha? A filha que você atropelou?
Ela parecia indignada. Eu não a culpava por isso. Não podia culpá-la. Ela tinha razão de estar puta comigo e eu fui louco em querer propor aquilo para ela. Mesmo assim eu decidi tentar.
— A senhora precisa entender...
— Entender o quê? Rapaz você fez a minha filha chorar durante anos. Por sua culpa Natasha tem depressão. Você e essa sua família de miseráveis fizeram um acordo de merda com a gente e agora você aparece depois de anos dizendo que está apaixonado pela minha filha, dizendo que quer cuidar dela. Você é doente?
— Eu estou apaixonado pela Natasha. E sim quero cuidar dela e da senhora também. Por favor, me escute.
Caminhei até ela e me ajoelhei aos seus pés. Eu estava nervoso, suando pelas bicas. Se ela não assinasse o acordo ela sairia daqui e contaria tudo para Natasha. Aquela era a minha única chance de ser feliz.
— Eu amo a sua filha.
Aquela era a primeira vez que eu admitia isso em voz alta.
— O destino foi cruel comigo. Eu soube assim que eu a vi que tinha feito merda. Muita merda. Eu tentei me afastar. Eu juro que tentei. Eu lutei com todas as minhas forças. Mas a Natasha não sai mais da minha cabeça. Eu não consigo esquecê-la e não faço mais questão disso. Por favor, tente me entender. A senhora está apaixonada, não está? Natasha me contou tudo. Ela está feliz ao meu lado. Eu a faço feliz e poderei fazê-la ainda mais feliz se a senhora não falar nada. Se a senhora enterrar o passado da mesma maneira que eu estou tentando fazer. Por favor, me dê uma chance.
Ela olhou para mim cheia de ódio.
— Você não ama a minha filha — ela cuspiu essas palavras em mim enquanto apontava o indicador para o meu rosto com o outro punho cerrado e a boca curvada para baixo raivosa. — Isso se chama consciência. Você está arrependido. Você não ama a Natasha. Está obcecado. Eu quero você longe da minha filha.
Ela levantou do sofá e no mesmo instante eu fiquei de pé e segurei os seus braços.
— Por favor, eu te imploro. Não conte nada a Natasha. Se alguém deve contar para ela esse alguém tem que ser eu. — A mulher não disse nada, apenas me olhava tentando se esquivar de mim. — Eu pago! Eu pago o que você quiser! Assine o acordo. Você quer ganhar cem mil? Eu te dou cem mil!
Eu implorava para ela. Estava me humilhando. Claramente nervoso com a pele quente e gritando como um louco para que ela tivesse piedade de mim. O doutor Salazar se intrometeu e me puxou pelos braços obrigando-me a me afastar dela.
— Chega, Max! — ele gritou. — Deixe ela em paz.
Eu respirei por alguns segundos tentando me acalmar. A mãe de Natasha continuava me olhando, só que dessa vez ela estava estupefata com o meu comportamento.
— Garoto mimado. Acha que pode me comprar com o seu dinheiro sujo, mas não pode. Eu tenho a minha dignidade. Sou pobre. Sou. Mas nunca precisei do seu dinheiro sujo de sangue e não vai ser agora que vou precisar. Acha mesmo que vou vender a minha filha?
— Me escute, eu não quis insinuar isso — eu tentei me defender.
— Mentiroso! — ela gritou cheia de ódio. As veias saltando do seu rosto. — Você não faz ideia do que é para uma mãe não conseguir dormir porque a sua filha amada não para de chorar na cama. Você não faz ideia de como foi ver durante todos esses anos a destruição da minha filha. Ela morreu. Ela morreu. E eu não pude enterrá-la, porque ela continua em pé. Mas estar em pé é diferente de estar vivo. Minha filha não vive mais. E é tudo por sua culpa. Você seu irresponsável.
— A senhora não pode me julgar! — gritei. Ela não sabia nada sobre mim. Eu era um filho da puta. Sim. Mas ela não sabia o que havia acontecido naquela noite. Eu não contei a ela. — A senhora não sabe nada sobre mim.
— Eu sei sim. Você é um playboyzinho arrombado miserável filho da mãe! E eu quero você bem longe da minha filha e da minha família.
Ela girou nos calcanhares e saiu pisando duro. Fui atrás dela e agarrei mais uma vez o seu braço. Ela não podia contar para Natasha. E eu não gostava de ter que agir assim.
— Por favor — implorei novamente ajoelhando-me aos seus pés e abraçando a sua cintura. A mulher ficou irritada tentando me soltar. Mas eu não conseguia mais conter as lágrimas que saltavam dos meus olhos. Eu a olhei. A encarei para que ela visse o meu desespero.
— Eu amo a sua filha. Eu faço qualquer coisa para fazê-la feliz. Eu sei que ela me ama também. Me deixa ficar com ela, por favor. Ela é a única coisa boa que aconteceu na minha vida.
— Me solta — ela gritava tentando se soltar de mim, mas eu puxava ainda mais a sua roupa.
— Max — o doutor Salazar me repreendeu.
— A senhora precisa saber que eu estou falando sério. Ela é tudo pra mim! E eu não vou deixar que a senhora destrua isso! Eu não posso.
Eu chorava feito uma criança desesperada. Ela parou de lutar e me olhou cheia de pena. Eu fungava e chorava alto. Deus como aquilo ardia. Como aquele sentimento corroía o meu peito. Mas era como se aquilo fosse a única coisa real da minha vida.
Eu a soltei sem ter mais escolhas, mas continuei ajoelhado ali no chão gemendo de dor, porque eu sabia que ela iria falar. A mulher tocou na maçaneta e antes de sair falou:
— Você precisa de ajuda. E esse seu amor pela minha filha vai acabar matando você. Vai acabar matando os dois.
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