ELA
https://youtu.be/YgaK89MtNNE
Eu conheci o Victor quando eu tinha onze anos.
Ele era meu vizinho. E apesar de sua casa ser a mais bonita da rua. Sua família era a mais infeliz. A mãe de Victor sempre aparecia com o olho roxo e todas as vezes em que ela era questionada sobre, a pobre mulher suspirava e dizia:
— Eu tava lavando a roupa quando cai no chão molhado e estraguei tudo inclusive o meu rosto.
Às vezes a desculpa era tão esfarrapada que ela inventava outras:
— Eu bebi um pouco demais ontem e acabei batendo o rosto na parede enquanto me preparava para dormir.
— Eu escorreguei no chuveiro. Que boba eu sou! — exclamava.
— Estava esfregando o chão quando sem querer dei de cara no piso.
E por aí vai. Uma desculpa pior que a outra. A mulher era casada com um homem que todos nós da rua tínhamos medo. A casa deles era bonita porque o padrasto de Victor era um traficante famoso do bairro. Até hoje eu não sei como a mãe dele foi se envolver com aquele sujeito. Eu me lembro que eu dizia para mim mesma que quando eu crescesse queria ser tão bela quanto ela. A mãe de Victor, flutuava enquanto andava pelas ruas esburacadas. Mesmo com o rosto manchado pela vergonha ela ainda era linda. Todo mundo parava para olhá-la. Para esticar o pescoço enquanto ela caminhava em passos lentos e a cabeça baixa tentando esconder o arroxeado embaixo dos olhos escuros. A pele escura dela reluzia e os cachos eram cascatas. A mulher era linda.
O seu primeiro marido era pobre, um pedreiro alemão que se apaixonou pelos encantos dela. Victor veio primeiro. Loirinho como o pai. Sarah, sua irmã veio depois com a pele mais morena e os cachos e os olhos da mãe.
O pai de Victor morreu afogado. Eles nunca tinham visto o mar. Então surgiu a oportunidade. Excursão para Praia Grande. O famoso bate e volta. Vai no sábado a noite e volta no domingo também a noite. Victor adorou a viagem. Mar. Isso o fascinava. Ele queria ver o mar. Ele já tinha o visto na TV. Queria ter certeza de que a água era mesmo salgada. De que as ondas eram mesmo violentas. Ele queria pisar os pés na areia e sentir sua espessura. Queria saber como era.
O pai dele sabendo do desejo do menino poupou todo o dinheiro que havia ganhado de uma obra para levar a família para a praia. Grande erro. Chegando lá. Victor correu para as ondas e o seu pai atrás. Ele era só um garoto, acabou indo para o fundo e se afogou. Seu pai, preocupado, acabou indo até o garoto. O homem não sabia nadar. Ninguém da família sabia. Victor foi salvo. O seu pai não.
Isso o traumatizou. Começamos a conversar por conta disso. Eu era a única pessoa do mundo em quem ele confiava os seus segredos. A única pessoa para quem ele abria o seu coração, arregalava os olhos e dizia que se sentia culpado pela morte do pai. "Eu o matei" ele falava para mim enquanto ficavámos deitados no terraço da casa dele olhando para as estrelas que nos banhava de prata. Eu apenas olhava para ele abanava a cabeça e respondia: "Não seja bobo. Foi um acidente". Ele sorria meio tristonho e voltava a encarar o céu noturno pintado de nuvens grossas e negras. "Eu gosto de você" ele dizia para mim todas as noites. E todas as noites eu gostava de ouvi-lo dizendo. Era reconfortante ouvir ele sussurrar essas palavras. E era ainda mais caloroso saber que eu era importante para alguém que não era da minha família. Então quando era uma adolescente espinhenta e ele sussurrou essas palavras de volta para mim eu sabia que ele gostava de mim, mas não como amiga. E foi por isso que os meus lábios se abriram e aceitaram os dele. Foi por isso que as minhas mãos tocaram a sua face. E eu deixei que ele me apertasse em seus braços. Eu achei que fosse para sempre, mas sempre suspeitei que não seria. Eu não era apaixonada por ele. Meu coração não explodia e ele nunca atormentou os meus sonhos. Quando o acidente aconteceu levando consigo os meus sonhos, eu não soube mais fingir. Ficou claro que eu não o amava do mesmo jeito. O que eu sentia por ele não era tão forte a ponto de sacrificar toda a minha dor, não era tão forte a ponto de me alegrar e a sonhar outro sonho. Victor se foi assim como aquela vida antiga cheia de promessas vazias.
Agora ele estava aqui. Parado olhando para mim. Continuava muito bonito. Mas não se parecia com aquele Victor que me beijara tantas vezes na frente de casa. Era um outro Victor. E ele devia ter percebido que eu também era outra Natasha.
— Você sumiu.
Assenti. Por que estavámos conversando? Meus assuntos com ele se esgotaram.
— Eu não entendo, Victor. Por que quer conversar?
— Costumavámos a fazer isso, lembra? Conversávamos sempre.
— Isso foi há muito tempo.
— Você era a minha melhor amiga. Antes de sermos namorados éramos como irmãos. E prometemos um ao outro que isso nunca ia mudar.
— Eu prometi tantas coisas...
— É mas eu não quebro as minhas promessas. Foi um erro terrível ter deixado você.
— Você se casou.
— Ela está morta, você sabe disso.
— Então é por isso que quer conversar? — indaguei nervosa. — Não temos o que conversar. Céus, eu nem sei mais quem é você.
— Eu continuo o mesmo, Natasha. Eu quero te pedir perdão.
Os olhos dele brilharam de lágrimas. Ele ainda pensava em mim. Mas eu não pensava nele. Não sentia nada olhando para ele.
— Perdão? Não tem necessidade disso. Fui eu quem terminei o nosso namoro.
— Sim. E eu não fiz nada. Não lutei por você. Me arrependo todos os dias por não ter ficado do seu lado.
— Não adiantaria. Porque quem tem que lutar por mim mesma sou eu. Você não iria conseguir fazer nada. E foi bom que você aceitou, porque se não eu teria arrastado você para o abismo junto comigo.
— Estou caindo assim como você, Tasha. Não adiantou me proteger. Deus me castigou por ter te deixado. Levou minha esposa.
Ele não conseguiu mais suportar e chorou. Fiquei constrangida diante daquela cena. Aquilo era uma competição de quem sofria mais? Eu ou ele?
— Você a amava?
Eu me lembrava dela. Cíntia era o nome dela. Era uma menina bonita da nossa igreja. Ela sempre gostou dele, mas ele não. Seis meses depois que nos separamos ele estava com ela.
— Não — ele respondeu sem hesitar. — E me castigo por isso. Sou um infeliz. Casei-me sem amor. Eu queria esquecer você, mas acabei perdido e frustrado.
— Não posso fazer nada por você.
Eu me levantei ainda com dificuldade. Eu já tinha tanta merda na minha vida. Não precisava de mais.
— Natasha...
Ele se levantou também e segurou o meu braço de um modo gentil. Olhei para ele. Os olhos de Victor brilhavam de lágrimas. Arrependimento banhava-os.
— Eu posso te levar pra casa?
— Eu prefiro voltar sozinha — falei me desvencilhando dele.
— Eu posso te ver um dia desses?
— Não — respondi. — Victor, eu entendo que você está passando por um momento difícil, mas eu também não estou bem. Eu não posso te oferecer nada. Eu não tenho nada para te oferecer.
— Éramos tão amigos. Eu pensei que pudéssemos voltar a conversar.
— Não sei se quero. Não sei se é possível voltar a sermos amigos.
— Você está gostando de outro cara?
Fiquei irritada com essa pergunta. Ele não falava comigo há anos e agora queria saber sobre a minha vida sentimental? Praguejei baixinho.
— Não tenho que lhe dar satisfação da minha vida.
Ele abaixou a cabeça envergonhado.
— Me perdoe.
— Não tenho que lhe perdoar. Esqueça o passado, está bem? Todos os dias eu tento esquecer. E você é uma das poucas coisas que eu consegui superar.
Virei-me e fui embora. Aquilo poderia ter sido cruel, mas era sincero. Eu não queria fazer joguinhos com Victor. Não queria ter mais um jogador na minha vida. Max já havia brincado bastante comigo.
Caminhei sem rumo um bom tempo e enfim sentei-me em um banco de uma praça. Precisava pensar. Respirar fundo e aprumar-me para trabalhar a tarde na cafeteria. O dia estava só no começo, mas eu já estava exausta.
Primeiro Max. Lindo com os cabelos molhados. Aqueles olhos que me queimavam. Mas depois sua namorada. Eles aos beijos. E eu feito uma tonta. Por que eu havia enxergado sinais onde não existiam? Por que deixei me iludir? Logo eu que não me apaixonava fácil. Não podia mais voltar a vê-lo.
Então veio Victor com toda aquela conversa sobre o passado. Eu queria enterrar de vez o passado. Voltar a ter Victor em minha vida era continuar presa revivendo os meus dias de glória como bailarina e depois sofrendo como um cão de rua por ver tais sonhos serem soterrados.
O celular vibrou no meu bolso. Era o noivo de Tália.
— O que foi? — eu pergunte a ele, lembrando-me do estado da minha irmã que não era dos melhores.
— Tália não está nada bem, Tasha.
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