Capítulo XXXVII
A luz nessa margem do rio era muito mais escassa, mas dava para enxergar bem o ambiente à sua volta. Não haviam sons de gritos de agonia ou calor insuportável como alguns insistiam em idealizar o submundo, contudo também não haviam correntes de ar. O chão era de solo preto como piche e não era uniforme, não era pavimentado, haviam rochas largadas por todo canto e ao olhar para cima não era possível ver o teto, ele parecia ser forjado a partir de escuridão infinita. Mesmo após caminhar por vários minutos, o grupo ainda conseguia ouvir o sons do rio estige.
- Originalmente, quem é o responsável por trazer as almas dos mortos até Caronte? - Perguntou Íris.
- Hermes. - Nickolaus respondeu desgostoso e mau humorado.
- Falta muito, Dídimo? - Perguntou Aiala.
- Infelizmente não. - Respondeu o Guia.
- Como assim "Infelizmente não"? - Questionou Íris distraída. Ela estava tão distraída que acabou se chocando contra as costas de Dídimo que havia parado sem aviso prévio. - Ai!? Não pare assim sem mais nem menos... - Ela começou a reclamar, mas como seu corpo ainda estava em contato com o do pirata, Íris sentiu o corpo dele enrijecer um pouco e estremecer levemente. Isso foi o suficiente para deixá-la em alerta, mas como Dídimo estava bloqueando seu campo de visão, ela se moveu para o lado enquanto tentava olhar para o rosto do homem. - O que foi? - Perguntou olhando para ele, porém como ele não respondeu, ela seguiu o olhar dele até o ponto para onde ele encarava.
- Acho que ainda estamos a uma distância segura. - Comentou Aiala com naturalidade.
- Sem chance de ter outro caminho? - Perguntou Nickolaus.
- A única entrada é aquela. - Respondeu Dídimo.
- Aquilo é...? - Íris ainda parecia perdida e diante daquele adversário poderoso, estava temerosa. A fera que havia enfrentado anteriormente parecia um filhote de rato diante daquilo.
- Cerberus em carne e osso. - Respondeu Nickolaus.
- Como algo como aquilo pode existir? - Perguntou para o ar.
- Não tem como passar por aquilo se o que dizem sobre ele for verdade. - Comentou Dídimo.
- O que dizem? - Indagou Íris, mas ninguém parecia interessado em relembrar. - Vamos, o que dizem? Tudo que ouvi era que tinha três cabeças e guardavam o portão para o mundo inferior.
Após alguns segundos de silêncio e indecisão, Aiala e Nickolaus empurraram, com o olhar, para Dídimo a responsabilidade de esclarecer.
- Ah, qual é!? - Protestou o pirata, mas os outros dois apenas desviaram o olhar. Ele suspirou.
- E então? - Incentivou Íris.
- Aquele é o filho dos titãs Tifão e Equidna. Suas três cabeças representam o passado, o presente e o futuro. Ele fica de guarda e evita que as almas fujam do submundo, não costuma hostilizar contra almas que querem entrar.
- Então entrar vai ser fácil. - Disse Íris.
- Como eu falei ele não hostiliza contra almas que entram, mas nós estamos vivos e é aí que começa nosso primeiro e maior problema. - Falou. - Ele adora carne humana e considerando que poucos humanos são loucos o suficiente para vir aqui é provável que esteja com muita fome. O segundo problema é sua saliva, ela é corrosiva e venenosa. Por último e não menos importante: Suas três cabeças vem com o bônus de bocas cheias de fileiras de dentes como um tubarão. Se for pego a chance de sobreviver é zero.
- Então vamos fazer o que? Matar? - Perguntou.
Ninguém respondeu de imediato, Dídimo piscou várias vezes como se tentasse compreender o que tinha acabado de escutar.
- Perdeu o juízo? - Perguntou sem pensar muito no que estava dizendo. - Já viu o tamanho daquilo?
- Mesmo que desse para matar, não tenho a menor intensão de anunciar para os quatro cantos do planeta que entrei no submundo para procurar uma arma. Temos que ser sutis. - Foi a vez de Aiala de falar.
- Não tem como fugir, a única porta é aquela. - Disse Nickolaus. - Mas como vamos passar?
- Facilitaria se ele estivesse com os olhos abertos. - Comentou Dídimo.
- Como assim? - Perguntou Aiala.
- Quando Cerberus está com os olhos abertos significa que ele está dormindo e quando está com os olhos fechados é porque está acordado. - Respondeu Dídimo. - Ele tem o olfato aguçado e audição sensível, mesmo dormindo nossas chances seriam escassas, mas já é melhor que o grande zero que é com ele acordado. Facilitaria se tivéssemos um pedaço de carne humana para distraí-lo. - Suspirou cansado e esfregou os olhos.
Todos ficaram em silêncio, eles precisavam pensar em um plano. Haviam poucos recursos e nenhum dos disponíveis resolveria o problema atual. O tempo foi passando e o que eram alguns minutos se tornaram uma hora, quando parecia que todos estavam perdidos, Íris finalmente apresentou um plano mirabolante.
- Já sei!? - Disse Íris com confiança, ela estava com os braços cruzados sobre os seios e balança a cabeça para cima e para baixo em afirmativa expressando convicção. - É um sacrifício, mas não temos o que fazer. - Falou. - Teremos que usar um dos braços de Dídimo como isca.
Fez-se silêncio. Dídimo está em choque e em algum lugar do seu cérebro algo lhe dizia que estava tudo bem empurrar Íris ladeira abaixo até que ela rolasse para junto de Cerberus e servisse de distração, mas ele se conteve e apenas fechou os olhos e sorriu friamente.
- Não sorria. - Pediu Íris. - Isso me dá arrepios na espinha, tenho certeza de que pensou em algo perverso.
- Jamais. - Disse Dídimo.
- Mas não é totalmente ridículo. - Comentou Aiala.
- Vou fingir que não ouvi. - Dídimo diz ofendido.
- Não estou falando da parte de usar o seu braço, o pensamento ridiculamente estúpido da Íris me deu uma idéia. - Continuou.
- Precisava ofender? - Íris fez beicinho.
Aiala abriu sua bolsa e retirou um tecido de tamanho razoável.
- E isso deveria servir para? - Perguntou Nickolaus confuso.
- Apenas preste atenção. - Disse Aiala.
A garota sacou sua faca de caça e fez um talho no antebraço, era profundo o suficiente para sangrar sem riscos e sem prejudicar sua mobilidade. Ela deixou o sangue cair sobre o tecido.
- Entendo, mas o que lhe garante que aquela coisa vai atrás disso e não de nós? - Perguntou Nickolaus outra vez.
- Não me pergunte o motivo, mas eu tenho pasta de calêndula. Deve servir para cobrir nosso cheiro.
- É uma ótima idéia, mas isso não me faz deixar de sentir que vou morrer. - Disse Dídimo.
- Não há mais nada a fazer. - Comentou Nickolaus. - Com sorte Cerberus estará dormindo e não precisaremos de plano B.
- Sorte? Estamos falando de Aiala. - Disse Íris.
- Você fere meus sentimentos. - Debochou Aiala. - É agora ou nunca, vamos!
Aiala enrolou o pano umedecido em sangue numa pedra para que pudesse ser arremessado e o guardou em um lugar fácil de alcançar. O quarteto começou a descer a ladeira e a medida que se aproximavam do icônico portão de diamante, mais e mais almas passavam por eles, alguns atiravam bolo de farinha e mel em uma pilha próxima a enorme criatura, alimento que os seus entes queridos deixavam em seus túmulos. Faziam isso com a intensão de acalmá-lo.
Aiala e seus três companheiros se misturaram com o grupo das almas, para sua sorte Cerberus estava de olhos abertos, se encontrava deitado e uma de suas três cabeças descansava sobre uma de suas patas. O grupo estava quase terminando de passar pelo guardião quando repentinamente o poderoso cão de três cabeças fechou os olhos.
Os vivos não conseguiam continuar a caminhar, aquela altura suavam frio, um movimento brusco e virariam ração. Cerberus farejava o ar em busca do conhecido cheiro de carne humana que havia sentido segundos atrás, sua cauda balançava em excitação com a idéia de comer algo delicioso e o ato criou uma poderosa ventania que arremessou para longe algumas almas que estavam mais próximas a ele.
O corpo de Aiala estava travado no lugar, aquela era a segunda vez em muito tempo que ela sentia medo, mas a responsabilidade de manter o grupo vivo despertou seu lado instintivo e ela rapidamente apanhou o tecido com o sangue e o arremessou o mais longe que conseguiu. No instante em que o objeto atingiu o chão, Cerberus se colocou de pé e deu um único salto sem o menor esforço, o som de seu pesado corpo pousando no chão foi tão estrondoso quanto o som do céu se partindo, a cabeça do meio apanhou o tecido e o engoliu em um instante. Não deu tempo para nada, sequer poderiam correr de algo que os alcançaria em um salto. É assim que morrerão?
Aiala não conseguia pensar em uma saída, seu ouvido zumbia e seu estômago revirava em uma dança nauseante. Ela se sentia impotente, tão impotente quanto não se sentia a muito tempo, seu corpo fraquejava e parecia querer desistir... foi quando ela viu usando sua visão periférica algo que a deixou desesperada, mas também lhe deu força para se mover. Íris estava correndo para o portão.
Em várias situação a ruiva tinha se mostrado uma grande cabeça de vento de espírito livre que não costumava pensar em custos e consequências, sua curiosidade a levava a perguntar até mesmo as coisas mais indiscretas com naturalidade. Ela era como um animal selvagem e como tal, era óbvio que ela correria em fuga para longe de um predador que ela não poderia derrotar. Íris não pensava no peso de suas ações naquele momento, ela sequer percebia que sua iniciativa aflorou os instintos de seus companheiros e isso os levou a segui-la em sua fuga. Contudo, Íris não estava correndo a esmo. Ela tinha em mente que precisava sobreviver ao predador e por isso, no instante em que Cerberus fez menção de se mover, a ruiva tirou para fora algo que estava preso ao seu pescoço e soprou. Dois milésimos de segundos foram suficientes para que seu cérebro a fizesse lembrar de algo que havia ouvido anteriormente: " Ele tem o olfato aguçado e audição sensível.". Originalmente aquele era um apito usado para se defender de lobos ou animais com audição sensível que vivessem ataca-la, mas serviu muito bem em Cerberus visto que o som do apito sai em uma frequência muito alta, humanos e a maioria dos animais não sentem nada e sequer notam o som. Cerberus se debatia no chão e Íris não parou de soprar até que tivesse passado pelo portão. Ao que tudo indica o guardião não podia passar dalí.
O grupo ofegava e ainda pareciam abalados com a situação de quase morte. Dídimo havia sentado no chão, mas não tirava os olhos do portão de diamante, Aiala olhava para o chão, ela não compreendia como o seu corpo havia se movido, Nickolaus olhava para cima e Íris ainda estava em alerta, parecia um felino.
- Como teve essa idéia? - Dídimo perguntou para Íris sem olhar diretamente para ela.
- Eu queria viver. - Íris respondeu. - Eu queria tanto viver.
Dídimo olhou para Íris e a mulher forte que havia liderado a alcateia rumo a sobrevivência a alguns momentos atrás, deu lugar a um olhar perdido, voz embargada e olhos lacrimejantes. Ele quis abraçá-la, mas imaginou que pelo bem do orgulho dela era melhor apenas deixar passar ou fazer alguma piada.
- Eu vou pagar, não quero ficar devendo nada para alguém que pode exigir até as minhas roupas de baixo como compensação. - Descontraiu Dídimo.
- Apenas curve-se e seja meu escravo. - Rebateu Íris enquanto sutilmente secava as lágrimas. Dídimo riu.
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E esse foi mais um capítulo. Gente, me desculpem pelos erros ortográficos. Eu digito pelo celular porque se eu for ligar o Notebook vou postar cap a cada 30 anos, então acaba que o corretor as vezes sugere umas palavras nada a ver e a frase fica meio meeeehhh, mas dá pra entender. Eu queria poder editar o cap ates de postar, mas não tenho tempo e levaria 70 anos para sair cap novo. Eu vou editar em algum momento, até lá só posso pedir paciência. Amo vcs💜💜💜💜. Não esqueçam de votar e comentar, vá lá ver o meu outro livro " Wanderfalke: a batalha contra os Haidu". 😘😘😘💜💜
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