Capítulo LXVI
Vejam a música na multimídia do capítulo, tem a tradução.
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Aiala abriu os olhos e descobriu que estava na margem de um rio, mas aquele não era o rio estige, tratava-se do rio Arquerontes. Rochas irradiavam um pouco de luz pelo ambiente e isso possibilitou que a garota enxergasse a sua volta, o solo era uma mistura de areia negra e pequenas pedras, cascalhos.
Curiosamente Aiala não vestia sua roupa de batalha, trajava uma comprida túnica branca. Seus cabelos estavam soltos e seu corpo estava limpo, mas ela não tinha tempo a perder analisando coisas fúteis como estas, sem pensar muito começou a correr para a mesma direção que a corrente do rio fluía.
De longe Aiala avistou dois homens conversando, um estava sentado numa rocha e o outro estava de pé ouvindo atentamente o que o outro relatava, sua expressão vagava entre a tristeza e a surpresa.
A garota não precisou de muito esforço para identifica-los, aos poucos o que começou a retomar a corrida que havia pausado. Dava tudo de si para chegar até eles, seus pés descalços eram machucados pelo cascalho como se ela pagasse uma penitência, mas ela não desacelerou. Quando homem de pé notou a aproximação da garota já era tarde para ter qualquer reação, seu corpo foi jogado para trás e ele precisou de esforço para não cair, a garota havia se atirado em seus braços e o apertava com força para que ele não fugisse, para que ele não sumisse.
- Queria ser cumprimentado com tanto fervor também. - Disse Dídimo ainda sentado na rocha. - Depois dizem que as mães amam seus filhos igualmente. - Provocou erguendo os ombros e fechando os olhos.
Aiala soltou Nikolaus devagar e foi abraçar Dídimo.
- Para de chorar. - Provocou ela.
- Veio se despedir? - Perguntou ele retribuindo o abraço.
- Tive medo que já estivessem longe demais para alcançar. - Disse Aiala.
- Eu esqueci o dinheiro do barqueiro, fui para guerra sem um tostão no bolso. - Comentou Dídimo. - Estava tão confiante de que voltaríamos todos vivos. Que patético!
- De qualquer forma, nós vencemos e Hera recebeu o que merece.
- Até que enfim uma notícia que preste. - Disse o pirata com um sorriso.
Nikolaus analisava Aiala, tentava identificar se havia espaço para nutrir esperanças, não acreditava que Aiala tinha ido ali a menos que tivessem uma chance. Contudo Nikolaus tendia a ser racional na maior parte do tempo, ele não conseguia ver uma situação onde Hades permitiria o escape de duas almas. Em sua astúcia ele se preparou para agir.
- Se está aqui eu imagino que tenha uma chance de voltarmos. - Falou Nikolaus. - Por favor, não me diga que você foi descuidada e morreu.
- Eu não! - Disse ela, mas ainda não diria a ele sua situação real. - Hades resolveu cumprir com sua promessa.
Dídimo levantou da rocha, estava extasiado.
- O que isso quer dizer? - Indagou o pirata. - Vou poder voltar para Íris?
Aiala não respondeu imediatamente e essa atitude foi a resposta para todos os receios de Nikolaus.
- Mas é claro. - Adiantou-se Nikolaus e a atitude fez Aiala olhar para ele imediatamente. - Íris vai ficar feliz em saber que não se tornou uma viúva antes mesmo de se casar. - Ele riu.
Nikolaus já havia entendido, ele conhecia Aiala muito bem e estava grato por pelo menos Dídimo ter a garantia de voltar. Tinha ficado chocado ao ouvir o pirata confessar que ele e a ruiva estavam noivos.
- Imagino que a saída esteja na direção da qual Aiala veio. - Falou Nikolaus.
- Vamos então. - Disse Dídimo, ele começou a caminhar apressadamente, mas parou ao perceber que os outros dois não o estavam seguindo. - Vamos logo, não sabemos o que pode acontecer se ajudarmos da boa vontade de Hades.
- Eu preciso dizer uma coisa a Aiala antes de voltarmos. - Mentiu descaradamente.
Aiala abriu a boca, mas não conseguiu falar.
- Vocês podem conversar quando voltarmos. - Argumentou o pirata.
Ele estava tão eufórico para rever a Íris, sua capitã, seu amado irmão e seu bando, estava tão ansioso que sequer se atentou aos pequenos detalhes, os pequenos indícios nas palavras de Nikolaus e a mentira brilhando em seus olhos.
- Não me faça vir buscar vocês. - Disse estreitando os olhos na direção do casal. Dídimo se virou e foi embora muito empolgado.
Aiala olhou para ele.
- Eu sei! - Respondeu Nikolaus. Ela não havia dito nada, nem perguntado nada, mas ele viu as palavras naquele olhar. - Eu percebi que não haviam duas passagens extras para retornar e também vi nos seus olhos que havia uma chance crescente de você me escolher.
- Nikolaus, eu...
- Eu sei, não te julgo por isso. No seu lugar eu também teria escolhido você. - Falou ele. - Está tudo bem Aiala! Está tudo bem. - Sua face transmitia tranquilidade.
Silêncio sepulcral.
- Eu morrerei logo Nikolaus. - Disse a jovem enquanto fitava o peito do homem.
Não havia outra maneira de dizer aquilo, contudo a garota parecia aliviada com a iminência de sua morte.
- Meu poder está me destruindo e aquilo que regenerava e fortalecia meu corpo demanda muita energia vital. - Ela fez uma pausa e depois retornou ao raciocínio. - Assim que minha energia vital se esgotar, o poder vai me matar. Então juntarei a você e juntos tocaremos o terror no submundo. Vai ser divertido. - Comentou de forma leve.
Nikolaus riu e olhou nos olhos dela.
- Eu não gosto daquele deus, os motivos você já conhece muito bem. - Ele falava de Poseidon. - Tenho tanta inveja dele, não consigo deixar de lado essa inveja. - Comentou. - Mas ainda que eu não goste dele, eu o vi pular no estige sem exitar para salvar você. Então mesmo que eu não confie nele, sei que posso ao menos confiar no que ele sente por você. - Ele suspirou e olhou para cima. - Eu preferiria morrer a ter que admitir isso, mas eu já estou morto mesmo. - O homem riu.
Ele pareceu se perder pensamentos, mas algo o despertou, o sentimento de que o tempo estava acabando.
- Eu quero te pedir algo bem egoísta nessa situação, sinto que não deveria, mas fazer o que? Até os mortos são egoístas. - Disse ele.
- Não fale como se estivesse se despedindo, vamos achar um jeito de te tirar daqui. - Falou Aiala tentando crer no que estava dizendo.
Nikolaus olhou para ela e meneou a cabeça em negação. Vê-la sofrer era doloroso para ele.
O rapaz se aproximou da garota e a abraçou, depois olhou nos olhos dela e beijou-lhe a testa com delicadeza, voltou para os olhos de Aiala e encostou sua testa na dela, Ficaram se encarando por um tempo. Aiala laçou o pescoço dele com os braços e sustentou o olhar, o sabor daquela clara despedida era amargo e os preencheu até o âmago. Queriam aproveitar e até mesmo estender o tempo, mas nada podiam fazer.
- Você poderia sorrir para mim. - Sussurrou seu último pedido egoísta. - Quero guardá-lo na minha alma até que nos encontremos de novo.
Os olhos marejados de Aiala denunciavam o seu sofrimento, lutava contra o choro com tudo que tinha e olhava para Nikolaus o máximo que conseguia com medo de que ele sumisse. O rapaz retirou um dos braços que cercavam a cintura da garota e levou a mão até o rosto dela segurando-o, carinhosamente deslizou o polegar na região abaixo do olho dela. Seu olhar não deixou o dela nem por um segundo.
- Aiala... - Disse ele ternamente. - Eu te amo! - Confessou sem arrependimentos. - Eu vou voltar para você na próxima vida. Eu prometo.
Aiala aceitou aquele sentimento com prazer e antes que pudesse notar estava sorrindo e chorando ao mesmo tempo.
De repente uma força desconhecida começou a arrastar Aiala dos braços de Nikolaus, no impulso ele tentou segurá-la no primeiro momento, mas logo começou a soltá-la lentamente. Ao contrário dele, Aiala se agarrava com toda força e protestava. Ela não queria deixá-lo, não estava pronta, nunca estaria pronta.
- Nikolaus não solte minha mão. - Pediu ao ver o olhar dele se distanciar e suas mãos se afrouxaram.
- Não pode levar nós dois Aiala. - Disse ele recuando um passo enquanto balançava a cabeça em negativa. - Não quero que você escolha, então eu vou escolher por mim mesmo.
- Não faça isso comigo! - Implorava. - Eu só preciso de uma chance, só mais dessa vez.
- Eu sempre vou amar você. - Disse ele. - Vai ficar tudo bem agora. Talvez eu consiga ficar ao lado da minha mãe. - Queria tranquilizá-la de alguma forma.
- Não! Não me deixe! Eu preciso de você. - Insistia ela.
- Você sempre acha um jeito de se virar, fico feliz que goste de mim tanto assim, mas sei que você ficará bem. - Disse Nikolaus. Enquanto tentava se manter firme. - Não faça nada imprudente e se possível ache um jeito de viver para sempre. Enquanto você viver parte de mim ainda existirá no mundo dos vivos, mesmo que nas suas lembranças.
- Não! na-na-não! - Disse enquanto sentia uma das mãos dele escapar. - Não importa o que me acontecer se você ainda puder viver. Eu pago qualquer preço.
Nikolaus soltou uma das mãos dela e segurou, levou-a de encontro aos seus lábios e depositou ali um beijo singelo. Ele sorria, não daria a Aiala a trágica lembrança de vê-lo partir prateando, por ela ele suportaria toda a agonia em silêncio e o faria com prazer até o fim.
- Você ainda precisa lutar. - Dizia ela no ápice do desespero. - Vamos dar um jeito.
Vendo que Aiala ainda lutava para voltar até ele, Nikolaus decidiu tomar uma atitude. Ele não arriscaria a possibilidade da garota ficar presa ali, com uma breve e respeitosa reverência ele se curvou diante de sua única senhora, depois se ergueu e lançou uma última olhadela antes de se virar e correr o mais rápido que podia até o píer e se atirou para dentro da balsa de Caronte sem exitar ou olhar para trás. O barqueiro imediatamente recebeu o pagamento e começou a mover a balsa rio abaixo. Nikolaus não olhava para trás, ouvia de longe os gritos desesperados de Aiala, queria voltar para ela, queria abraçá-la e beijá-la, mas sabia que não podia. Aquela fora a primeira vez que Caronte viu uma alma chorar.
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Aiala foi impiedosamente arrastada de volta para o mundo dos vivos, de volta para seu corpo. Ao voltar, a primeira coisa que viu ao abrir os olhos foram as lágrimas de felicidade, abraços e beijos carinhosos compartilhados pelo casal, eles se voltaram para ela e a agarraram como dava, estavam celebrando. Quem não estaria feliz após escapar com vida daquela situação? Principalmente quando os quatros estavam ali bem vivos.
Aiala não se moveu, ainda estava atordoada e seu coração doía, além disso seu corpo estava nas últimas. Devido a falta de reação de Aiala, o casal cessou aos poucos sua animação. Eles perceberam que algo estava errado, Nikolaus ainda não havia se juntado a eles.
Aiala sentia o peito queima, os efeitos da perda eram latentes, começou a chorar desconsoladamente, como um bebê que acabara de se ferir, nada mais importava naquele momento, nem o seu orgulho, nem a sua honra, nem a sua dignidade, era como se todas as dores de anos da tribulação que sofrera viessem sobre ela de uma única vez. Contudo, Nikolaus não estava lá para abraçá-la e os ali presente não sabiam o que fazer naquela situação.
- Ei!? - chamou Dídimo com incredulidade enquanto olhava para o corpo de seu amigo. - O que está havendo aqui? Por que ele não volta? - Indagava. - É brincadeira, né? Não faça essas brincadeiras seu desgraçado. - O jovem pirata beirava a loucura agora. Ele ria sem humor. - O que pensa que está fazendo? Levanta.
Irís entendeu assim que seu olhar cruzou com o de Aiala. Seu corpo relaxou e o choque lhe abraçou com força. Dídimo berrava.
- Dídimo... - Íris chorava e tentava ir para mais perto de seu noivo que agia como um louco.
"É minha culpa!", não precisava ser um gênio para saber o que se passava na cabeça de Dídimo naquele momento. Era óbvio que ele culpava a si mesmo e a sua incapacidade de perceber que seu amigo não o seguiria. Agora que a imagem da última vez que vira Nikolaus se repetia freneticamente em sua cabeça, o pirata percebeu que estava escrito nos olhos do amigo o tempo todo que ele não ia voltar. Aos poucos Dídimo quebrava diante dos olhos de Íris e ela nada podia fazer. Dâmaso se jogou no chão e abraçou seu irmão, afastou-se para olhar para ele e ficou horrorizado com o que viu. Não havia uma única sombra o irmão sempre animado que ele tinha.
- Ei Dâmaso? O que foi que eu fiz? - Indagou tomado pela culpa. - Se era para sobreviver assim eu não queria.
Dâmaso entrou em choque, o reflexo de seu irmão estava visível em sua íris. Ele não sabia o que fazer e Irís começou a chorar de forma ainda mais sentida. Contudo a confusão acabou em um instante, Aiala avançou sobre Dídimo e desferiu-lhe um soco na face.
- Repete! - Desafiou a garota. Lágrimas ainda escorriam em sua face furiosa.
- Por que você não me falou nada? - Indagou ele. Dídimo havia perdido a força de vontade, sequer cogitava em revidar. Dua expressão não mudou nem mesmo após um soco.
Aiala ficou ainda mais furiosa e começou a bater nele, Nini surgiu e a agarrou por trás tentando tirá-la de cima do rapaz, Dâmaso se juntou a ela. Quando suas mãos já não alcançavam, Aiala tentou bater nele com os pés. Íris ajudou Dídimo a se sentar direito.
- Aiala, já deu. - Dizia Níobe.
Deuses e humanos assistiam a confusão.
- Esses humanos... - Comentou Apolo.
Aiala parou de lutar vencida pelas dores e pelo cansaço.
- Olhe para ela e diga que preferia ter morrido de novo. - Aiala gritou para Dídimo e apontou para Íris. - Vamos!? Eu quero ver você repetir.
Dídimo olhou para a ruiva que chorava, aos poucos sua expressão mudou e ele começou a chorar também.
- Isso é tão frustrante! - Disse ele em meio ao choro. - A gente ia sobreviver e ia voltar para aquela fogueira. A gente ia... a gente ia...
Daquele dia em diante o jovem pirata carregaria nos ombros um fardo pesado, um fardo reservado para todo aquele que viu toda sua família morrer em um acidente, todo aquele cuja única família foi assassinada, aquele que ficou vivo mesmo quando todos pereceram, aquele que se perguntará a vida toda " por que só eu sobrevivi?". Dídimo carregará o fardo do sobrevivente até o fim da sua vida, um fardo que Aiala conhecia muito bem.
O corpo da garota voltou a esmorecer, seu coração batia com esforço e respirar era difícil, ela sabia que logo chegaria a sua hora. Mas ela não era a única que sentia sua vida findando
Ninguém conseguiu conter o choque quando alguém se aproximou, se ajoelhou e a abraçou, afinal, quantos deuses você já viu de joelhos diante de um humano? Quantas divindades você já viu tratar os humanos como um igual, com empatia? Quantos deuses você já viu demonstrar misericórdia e terna compaixão para com um humano em toda sua insignificância?
Poseidon sentia uma dor aguda no peito, o mar se agitava e nuvens de tempestade surgiram em resposta ao seu sofrimento. Ele se sentia fraco e impotente, não tinha o poder necessário para salvar a vida da única pessoa que ele já amou.
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