Verdade seja dita
James acordou um pouco confuso e assustado, sentindo seu coração a mil e a pele queimando. Havia tido um sonho... Um pesadelo, para ser sincero. Severus estava morto e ele também. Ainda tinha a lembrança dos olhos presos em sua própria lápide, enquanto Severus fingia não ver a sua.
As palavras ditas pelo outro ainda borbulhavam em sua mente:
Pensei que soubesse, James. Nós dois estamos mortos.
Uma tempestade forte fazia os vidros gritarem e o som monstruosos dos trovões fazia seus ouvidos apitarem.
James odiava barulhos altos. Ele pegou o celular para ver as horas e se assustou ao notar que o despertador não havia tocado. Era oito da manhã e ele estava atrasado para o curso. Ele se levantou rápido, vestiu um casaco, pegou o notebook, mas não notou a escada quando correu corredor à fora.
***
A primeira coisa que James viu quando abriu os olhos, foi Severus sentado em uma cadeira ao seu lado. E por apenas alguns curtos segundos, ele não entendeu nada.
--Você é muito sortudo.--A voz grossa, rouca, irritada e estranhamente sexy para os ouvidos de James, que se sentia meio dopado, o fez sorrir.--Quebrou seu braço, mas suas pernas estão intactas e a cabeça bem, eu imagino.
James arregalou os olhos, acordando totalmente. Sentia como se um caminhão tivesse passado em cima de seu corpo.
--O quê?!
--Você caiu da escada. Deu sorte de ter esquecido a porta aberta ontem.
Esquecido a porta aberta? Ele nunca esquecia a porta aberta. Tinha certeza de que havia a chaveado.
Severus não deu qualquer outra explicação ou respondeu às perguntas contidas na face de James, ele apenas se levantou e saiu do quarto no momento em que um médico entrou. Esse não pareceu notar Severus passar quase encostando em seu braço. James teve a sutil imaginação de tê-lo visto passar o braço pelo corpo do homem como um fantasma.
Ele descobriria mais tarde, que não havia sido Severus que o levou ao hospital, mas sim um vizinho. De qualquer forma, isso não responderia a porta com nenhum sinal de arrombamento, sendo que James tinha certeza de que havia a chaveado na noite anterior.
***
Severus não era normal.
Tinha algo nele... Algo que James deveria investigar. Porém, por mais estranho que fosse, James não queria fazer algo que talvez afastasse Severus. Coragem não era uma palavra muito conhecida nesses últimos anos de sua vida.
Talvez se perguntasse para ele... Uma pergunta, uma única pergunta. Mas não, Severus não responderia. James o conhecia o suficiente para saber as reações que causaria.
E agora, com esse maldito braço quebrado, não poderia participar das aulas práticas na próxima semana. Para piorar, seu notebook estava despedaçado. Quando era para algo dar errado, tudo dava errado. Ele não sabia por que ainda tinha esperança de que a dor estivesse finalmente indo embora.
E como num passe de mágica, ele ouviu alguém bater na porta.
Não alguém, era Severus.
James andou até a porta e a abriu. Como esperado, Severus observava a vizinhança como se fosse obrigado a estar aí. James, com as sobrancelhas franzidas, suspirou.
Não importava, ele precisava tirar a história a limpo. Se sentia louco, paranoico. Temia que Severus não existisse e fosse imaginação sua. Temia o sobretudo preto, o terno e até mesmo as flores mortas, que Severus não carregava mais. Mas por que estar sempre com a mesma roupa, com o cabelo do mesmo jeito, os olhos sempre deprimidos e a pele tão pálida quanto a de um morto? Aquele era o exato Severus de seu sonho... E se ainda estivesse sonhando? O pensamento fez James estremecer.
--Severus.--O homem forçou um sorriso—Oi.
Sem pedido, ele adentrou a casa e se sentou no sofá.
--Uma das empresas já ligou?--Sua pergunta parecia friamente calculada. Como se seu único objetivo fosse ajudar James a arrumar um emprego.
James não respondeu. Andou até a sala e se sentou no sofá, ainda analisando Severus com as sobrancelhas franzidas e uma pergunta que sabia que não seria respondida em sua mente.
Severus, você existe?
--Precisamos conversar.--James soltou sem pensar. Mas para ele não importava, importava? Severus não parecia gostar dele de qualquer forma. Se fosse embora... Se fosse embora só James sairia destruído.
A confirmação fez os olhos de Severus focarem em seu rosto e James engoliu em seco ao analisar suas orbes. Mesmo que já tivesse olhado para elas incontáveis vezes, nunca havia notado o quão escuras eram. Pareciam buracos negros prestes a engolir o mundo. Prestes a engolir todo o ar de seus pulmões.
--Conversar sobre o quê?
James sabia que Severus não precisava ter feito a pergunta. Qualquer observador notaria que ele já tinha conhecimento do assunto. Severus talvez não quisesse aceitar. Talvez o tom questionador fosse uma estratégia de fuga.
Sem coragem para continuar olhando aqueles olhos, ele voltou sua atenção para a foto maior em cima da lareira. Ele, Sirius e Lily na formatura do ensino médio. Ela estava no meio, enquanto Sirius e ele sorriam para a câmera, com os braços em frente ao corpo enquanto ela os abraçava. Estavam felizes.
--Você só aparece quando eu estou mal.--Ele começou, engolindo em seco diante da vontade de chorar.--Você saiu correndo quando eu o levei para o café... Você não come nada. Eu não me lembro de ter contado a você onde eu moro, mas mesmo assim você apareceu aqui. Você não parece querer passar tempo comigo, mas mesmo assim tem feito coisas para eu sorrir. Você é real, Severus?
Severus não mostrou qualquer reação enquanto James falava, mas quando esse terminou, ele começou a rir. Riu tanto que James questionou sua paranoia.
--Você acha mesmo que eu não existo, James? Pensa isso apenas por que analisou algumas coisas que não fazem o menor sentido?
--Não fazem o menor sentido?--James estava cético.--Severus, seja sincero comigo.
Severus olhava para James como se pudesse fazê-lo mudar de ideia sobre o que pensava. James, porém, estava certo demais, mesmo questionando sua mente. Tudo bem que estava passando pelo ano mais insuportável e desafiador de sua vida, mas ainda sim não estava louco. Ou pelo menos pensava não estar.
Sentia um pavor quase tocável de perder Severus, o pavor de, de repente, ele desaparecer da sua frente. E isso era um pouco louco.
Severus suspirou, sentindo-se ao mesmo tempo irritado e cansado.
--Okay, James. Quer a verdade?
James meneia a cabeça freneticamente, engolindo em seco. Não, ele não queria.
Severus se pôs de pé, andou até a lareira e pegou uma foto. Não uma, mas a foto em que ele, Sirius e Lily sorriam como se tudo estivesse bem e fosse continuar assim por toda a vida.
Não continuou.
--O sonho parou por minha causa.
James piscou, confuso diante da fala de Severus.
--Então eu estava certo por pensar que você o bloqueou por minha causa?--James questiona com o coração na mão, temendo a resposta.
Severus revirou os olhos, rindo alto e grosseiramente em seguida.
--Não!
De repente a sua expressão mudou, ficando triste. James continuou sentado, irritado pela demora da resposta que tanto queria.
--Então o que aconteceu?
Demorou segundos, talvez minutos para Severus finalmente falar. Seu rosto parecia agoniado, como se fosse correr para fora de sua casa a qualquer minuto. James se preparou para segurá-lo caso o fizesse, mas não precisou.
--Eu tentei me matar.--A fala foi como um soco no estômago de James.--Fiquei em coma por meses até o meu seguro saúde não cobrir mais a entubação. Eles desligaram.
James não entendeu. Ficou olhando para Severus por um tempo que considerou incontável, até o próprio homem largar o retrato de volta em cima da lareira, se aproximar até ficar em sua frente, respirar fundo e falar numa voz fraca, que talvez James não tivesse escutado se já não soubesse a resposta no fundo de seu âmago:
--Eu estou morto, James. Você está falando com um fantasma.
James caiu sentado no sofá. Seu coração estava acelerado, a pele coçando e os olhos turvos. Ele não estava entendendo nada enquanto lutava para puxar o ar até os pulmões que queimavam.
--Explique-se, Severus.--Ele lutou para falar, sem conseguir olhar para o rosto do homem.
Severus não se sentou, apenas permaneceu em frente a James, olhando para seu rosto como se não tivesse acabado de dizer a pior atrocidade que James já ouvira.
--Aquele túmulo sem nome, que quando você me encontrou lá pela primeira vez continha apenas uma flor, é o meu túmulo. Eu ficava indo lá em busca de respostas, até você aparecer de repente e me ver. Sabe, James, vivos não deveriam ver os mortos.
James se sentia enjoado. Iria vomitar. Tinha plena certeza de que estava com a mesma aparência esverdeada de quando encontrou Severus.
--Por que agora você é pálido feito o fantasma que é, sendo que estava com a pele com cor quando te encontrei?--James pergunta, rezando para que fosse uma piada. Severus tinha senso de humor... Todo mundo tem senso de humor.
Severus franziu as sobrancelhas, rindo em seguida. Um riso falso e áspero.
--James, eu não sei.--Severus jogou as mãos pro alto.--Você acha que eu tenho a resposta para toda essa merda? Eu só sei que levantei, olhei para trás e vi a mim mesmo sendo coberto por um cobertor branco. Eu tocava nas pessoas e minha mão passava por elas... Ninguém me escutava. Mas aí você me viu, falou comigo e me tocou. E eu soube que você não era um fantasma.
--Mas...--James engole em seco.--Você pode tocar em paredes... Você pode tocar nas grades, em flores... Você...
James sentia que iria desmaiar.
--Só quando você está por perto...
James respira fundo. Aquilo era demais para processar.
--Mas por que eu o vejo? Por que eu? Por que o sonho?
Severus não parecia saber a resposta. Ele não parecia saber a resposta de nada do que James precisava, e aquilo era horrível.
--Não sei, James... Mas eu sei por que eu continuo aqui.
--E por quê?--James pergunta com o último fio de esperança que possuía, embora ele não soubesse ao o que estava a dirigindo.
Severus se pôs sentado no sofá.
--Toda a vez que você está mal, eu sou transportado para onde você estar. Desde o dia que você me encontrou no cemitério.--Severus olhou direto para seu rosto, como se visse além do que James era.--Pelo visto, eu preciso salvá-lo para finalmente me libertar deste mundo.
Salvá-lo? James Havia encontrado Severus tarde demais. Não era ele que precisava ser salvo.
--Severus...--O homem, porém, estava olhando para a frente, com as mãos apertadas em suas cochas. James queria que ele olhasse para seus olhos.--Eu sinto muito.
Se fantasmas podiam chorar, James não sabia. Mas ele pensou ouvi-lo fungar.
Talvez o socorro tenha chegado tarde demais
Mas não se entristeça, amigo
Ainda há esperança.
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