CAPÍTULO 6 - JAIME
Eu teria mesmo que ir ao escritório.
Tento colocar isso na cabeça para não ficar com raiva da mulher doida que resolveu, de verdade, ir até o Fabrício. Foi apenas uma forma que tive para ela não pegar no meu pé durante a festa.
Empresariamos marcas, garotos promissores na área de futebol e outros esportes. Não estamos inseridos em nada no meio da música. Ainda mais no estilo dela.
Espero que Fabrício tenha feito a coisa certa e mostrado que não tinha espaço para ela na Prime.
Estaciono meu carro e caminho até o escritório na Praia de Ipanema e entro na padaria para pegar mais um café para mim. A noite foi longa. Quase não dormi com a garçonete na minha cama. Sorrio sozinho ao lembrar que esse não foi o ponto positivo do meu dia. Conhecer Celina, minha vizinha de condomínio foi algo inesperado e muito interessante. Vim todo o trajeto pensando nela.
Vou até a bancada e peço um café duplo, sem açúcar.
Sou servido e após dar um gole, queimo a língua ao ouvir a pequena discussão no outro lado da padaria.
— Está de brincadeira? Quem é o cozinheiro dessa cozinha, aí? Paola Carosella? E essa latinha de Coca, 8 reais? Quer me assaltar, senhor?
Era ela. Lollita. Lolla. Nem sei mais. A cantora.
Ela discute com o dono da padaria. Gesticula bastante.
Assisto de longe enquanto ela abre a bolsa, cata algumas moedas, coloca sobre a mesa com uma cara feia e sai, de sapatos altos, batendo o pé forte demais. Penso em ir atrás dela, mas não consigo me mover.
Eu poderia ter pagado a lanche da moça. Não custaria nada. Mas ela saiu correndo.
Peço um café para o Fabrício e saio da padaria com o coração apertado.
Meus pensamentos tomam forma eu a vejo no outro lado da rua. Seus cabelos voam com o vento dos carros. Por um breve segundo vejo que ela enxuga o rosto.
Um ônibus para e tira minha visão dela e, quando ele anda novamente, não a encontro mais.
Vou para o escritório e entrego o café para o meu sócio que começa a falar do que realmente importa. Ele me mostra os objetivos que temos para um garoto do Méier e outro de Guadalupe. Ambos tinham talento para serem jogadores profissionais grandiosos. Estávamos apostando nossas fichas.
Fabrício fala do evento que acontece daqui a alguns dias.
— Convidei a Lolla.
— O quê?
— A cantora que você mandou.
— Não disse a ela que não trabalhamos com esse tipo de artista?
— Eu disse, Jaime, mas ela é convincente. Eu gostei dela. Tem uma voz boa. Precisa mesmo de alguns ajustes com tudo, mas... Talvez seja a hora de tentarmos algo novo. Sei lá... tentar algo novo é revigorante, não?
Sua frase entra em mim de uma forma estranha: tentar algo novo. Revigorante.
Eu precisava disso. Com toda certeza precisava, mas não com uma mulher chamada Lollita que, para mim, aparentava apenas problema.
— É justo — digo. Ela parecia precisar de verdade. — Dê uma chance para a moça.
— Vou dar.
— Só me deixe informado.
— Você sabe que não fecho negócios sem o seu consentimento.
— Certo.
— Ela é linda, você não reparou? — comenta ao beber seu café. Sua pergunta não tinha mais cunho profissional.
— Como assim?
— Linda. Um rosto, corpo perfeito... puta merda.
— Não reparei — minto. Impossível não reparar.
Ela era linda mesmo. Não tinha como negar algo desse tipo. Um tipo perfeito de Lollita que acaba com a sua vida.
Fabrício olha para o nada como se recordasse das curvas da moça.
— Haja profissionalmente, cara — pronuncio.
Ele arregala os olhos e ajeita a postura.
— Mulheres bonitas me deixam paralisados. Sabe como é?
— Sei.
— Mas, claro, pensando no que podemos ajudá-la...
— Profissionalmente — completo.
— Isso. Profissionalmente. Sabe como o Show Business foca nisso, né? Nessa beleza natural. Ainda mais no tipo de música que ela faz. E essa mulher pensa grande, Jaime. Já tem um bom trabalho exposto na internet. Estava aqui vendo... — Ele mostra o seu laptop. A tela pausada mostra ela de pé no meio do palco. Um short curto assim como o que usou no show na festa da Ana, uma sandália gladiador até o joelho. O microfone próximo ao rosto e seus olhos fechados mostram o amor que ela tem por aquilo.
Não sei por que, mas sinto uma palpitação no peito. Talvez a cena dela reclamar do valor alto na padaria tenha me deixado muito mais do que incomodado. Resolvo ignorar esse pensamento.
— Para pensar grande ela terá que ser muito mais do que uma cantora de Funk da periferia. E, mudar esse... estilo.
— Concordo. Pedi ajuda da Fabiana para escolher as roupas do show. Não posso arriscar as dela. Ela gosta da música da Lolla, sabia? Até ganhou autógrafo.
Eu aponto para onde a nossa secretária está.
— Nossa secretária?
— Sim. Ela conhece as músicas dela e, pela animação, é bem fã.
— Isso é bom.
— Ofereci o show, mas deixei claro que não teria nenhuma garantia — afirma Fabrício mostrado que havia aprendido direitinho.
— Nesse caso, pague o cachê.
— Mas...
— Ela parece precisar. Compre a roupa e pague o mesmo cachê que irá pagar para os outros.
— Se prefere assim.
— Já viu aí que a moça é boa, não é? Eu vi o show pessoalmente, e vi o como gostam, então... vamos tratá-la como merece. Agora, empresariá-la é outra coisa. Eu não serei babá de ninguém. Já servi por muitos anos.
— Seria um prazer ser babá dela — retruca com malícia.
Eu tento manter minha pose séria, mas acabo sorrindo para a idiotice que ele acabou de falar.
— Ah, cara, ela é muito gostosa, vai!
— Pare de bobeira, Fabrício. Ser babá não é fácil.
— Mas Soares sempre foi conhecido como o garanhão e tal. Ela não tem cara disso.
— Não? Para mim ela tem cara de ser pior.
— Pior?
— Problema, amigo. Problema.
— Bom — ele me dá um tapinha no ombro. — Isso nós vamos avaliar. Até porque o sucesso não fácil, não é?
— Não. Não é fácil.
— Mas também não é impossível. Sabemos a receita para dar nisso.
— Não adianta saber a receita e não ter os ingredientes certos.
Ele sacode um dedo para mim.
— Por isso sonhei que fosse o meu sócio. Tenho um almoço de negócios agora. Quer me acompanhar?
— Estou fora. Boa sorte.
— Já tenho, Jaime.
Ele sai da sala e eu me sento na sua cadeira.
Seu laptop está ligado ainda na imagem pausada da Lolla.
Sorrio ao lembrar do outro nome: Lollita.
Aberta a opiniões. Isso já é algo bastante positivo.
Dou um zoom em seu rosto.
Lolla.
O que você quer de mim, Lolla?
Dou play no vídeo.
Assisto todas as sugestões do site.
Shows em bailes Funks. Vídeos caseiros, com parceiros.
O que mais me chama atenção é o vídeo que ela faz em um quarto, provavelmente o dela, cantando Indecente da Anitta, em espanhol, à capela. Acho que repito o vídeo três vezes. Ela é mesmo indecente.
Até encontrar e assistir o vídeo dela cantando Mergulho no Mar da banda Melin também à capela.
Ela era mais do que uma cantora de Funk. Isso estava claro bem na minha frente.
A voz dela dizendo que me queria, insiste em cutucar meu cérebro.
Não sei por quantas horas fico ali, mas quando dou por mim já é noite e Fabiana está pronta para fechar o escritório.
***
Uma semana depois
Os dias que se passaram foram um grande presente.
As caminhadas se tornaram meu ponto predileto do dia. Hoje, eu e Celina, iremos jantar juntos. Eu a convidei oficialmente ontem à tarde, quando a encontrei linda na varanda da sua casa.
Estou nervoso.
Ela não é uma simples mulher, é especial.
Paro em frente à sua casa, de carro, e antes mesmo de sair do carro, vejo-a abrir a porta já à minha espera.
Celina aparenta, no mínimo, ser modelo. De macacão branco, ela desliza pelo caminho do seu jardim. Alta, cabelos curtinho e moderno, castanhos.
Linda.
Celina é linda e extremamente elegante.
Ao entrar no carro sou surpreendido pelo seu perfume doce. Do meu agrado.
Ela sorri e me beija na bochecha.
Escolho um barzinho bem bacana, algo bem descontraído que poderíamos conversar até altas horas.
Celina, mostra interesse por todos os assuntos que conversamos.
Penso em fazer o pedido da janta e pergunto o que ela gostaria de comer.
— Eu ficarei apenas no vinho hoje. Se não se importar.
— Por mim, tudo bem.
Fico feliz por ter alguns minutos à sós com Celina, sem dedo cortado ou apenas passando na frente da sua casa propositalmente.
— Então, você é médica? — pergunto, chegando à cadeira um pouco mais perto.
Ela faz que sim, ajeitando seu cabelo.
— Sou supervisora de Medicina Clínica do Hospital Geral.
Fico surpreso.
— Isso não deveria ser para médicos velhos? — brinco.
— Não se deixe enganar pelo meu rosto de menina — fala também em tom de brincadeira. — Tenho uma ótima dermatologista e... — Ela vem em meu ouvido. — Um ótimo cirurgião plástico.
É a minha vez de sorrir.
— Não imagino a sua responsabilidade. Ainda reclamo da minha profissão.
— Reclamar faz parte, não é? É inerente ao ser-humano, mas, se não gostássemos do que fazemos, não seríamos profissionais de sucesso, certo?
Ela é incrível.
— Sua profissão é linda.
— A sua também, Jaime.
— A minha? — arfo. — Sou só empresário.
— A sua transforma sonhos em realidade. Desculpe, mas pesquisei mais sobre você na internet.
Gostei disso.
— Estou me aposentando. Meu irmão sugou as minhas energias.
Ela sorri.
— Você é novo para se aposentar. Não faça isso.
— Tenho duas empresas, mas em uma sou apenas o investidor e assessor. Mas, obrigado, eu nunca pensei muito dessa forma. Sempre vi só os problemas.
E o tempo perdido.
Que talvez, não esteja mais tão perdido assim. Afinal, Celina está aqui, a minha frente.
Lembro do que Catarina sempre me falou: O que é teu, está guardado!
Nunca fez tanto sentido essa frase.
Talvez tenha sido os céus me explicando que viria alguém como ela: Celina.
— Deveria pensar.
Peço mais um vinho para nós dois.
— Vamos, Jaime, conte-me algo que eu não tenha descoberto na internet. — Ela pede, colocando o cotovelo da mesa, apoiando seu rosto sobre a mão.
— Difícil. Tenho certeza de que lá tem um relatório completo.
— Quase, né? Não diz que você gosta de caminhar — sorri.
— Passei a gostar desde o dia que tive um bom motivo para isso.
Ela ruboriza.
— Bom, tenho 37 anos — conto.
— Isso eu já sabia.
— Viu! Vai ser difícil. Comece você, vai! — peço.
— Eu tenho 35 anos — conta sem nenhum embaraço.
— Aí uma coisa que eu não imaginava.
Sim, ela aparenta ter menos.
Sorrimos juntos e bebemos o vinho em nossas taças.
Encho-as novamente.
— Sou perfeccionista e fujo de problemas — digo, contando mais um pouco sobre mim.
Ela assente com a cabeça, assimilando.
— Eu também sou!
— Muitas pessoas não entendem, não é?
— Não mesmo.
— Hum... deixe-me contar algo. Fui casada durante três longos anos.
Arquejo as sobrancelhas.
— Sério? Há quanto tempo você...
— Seis. Faz apenas seis meses que me divorciei. Não estávamos alinhados nos mesmos objetivos. Sua vez.
— Tenho planejado me mudar e não contei ao meu irmão — confesso sem pensar.
— Vi que ele mora na mesma rua que você.
— Sim, na frente. Sempre moramos assim.
— Por quê? Por que quer se mudar?
— Por justamente isso. Porque nunca ficamos distante. Mas ultimamente estou achando que está na hora de cortar esse laço tão atrelado. Sei lá...
— Não precisa explicar demais. Sei bem como é isso. Minha família é de Goiás. Meu pai tem fazendas de gado na região.
— Fazendeira? — Lembro que ela disse isso no dia que nos conhecemos.
— Sim. É bom ter essa independência psicológica, não é?
— Às vezes sim, outras não.
— Sua vez — incentivo que ela continue.
— Eu me considero uma pessoa... hum.... reservada. Difícil me abrir e...
— Estou disposto a descobrir tudo sobre você, Celina.
Ela abre um pouco os lábios.
É a minha brecha perfeita.
Inclino o corpo e encosto meus lábios nos seus.
Celina me beija também.
Um beijo calmo, terno.
Sua mão acaricia a lateral do meu rosto quando nossos lábios se separam.
Ela é linda.
Uma música começa a tocar.
Não sei por que, mas ela chama a minha atenção.
Eu já ouvi essa música e foi...
Foi essa semana.
Olho para a pista de dança em um canto do bar e todo mundo se embala na canção com uma batida conhecida.
— Essa música... — falo, mais para mim mesmo. Perdido nos pensamentos.
— Lollita — conta Celina mexendo um pouco os ombros. — Você conhece?
Faço que sim com a cabeça.
— Lolla.
— O quê?
— Esse nome era feio para ela. Agora é Lolla.
Ela arregala um pouco os olhos.
— Assisti alguns vídeos dela na internet. As enfermeiras do hospital que adoram e...
Ela continua a falar, mas não consigo mais prestar atenção até a música, enfim, acabar.
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