Cap. 37 - Sem magia
Caminho em direção à arena, sentindo os olhares dos agentes sobre mim. Alguns expressam pânico disfarçado, enquanto outros apenas curiosidade. Entre todos, Noah se destaca, me observando com um sorriso largo, quase caloroso, como se tivesse esperado por esse momento.
Ele se aproxima com energia.
— Seja bem-vindo, Jon! Veio treinar conosco?
A animação em sua voz é quase contagiante.
— Claro, quero melhorar no combate físico.
Respondo, correspondendo ao sorriso, mas sem me deixar levar por sua empolgação.
— Vejo que é esperto. Vamos lá, vou te fazer suar hoje.
Com um aceno, ele me conduz até o gramado. Seus passos firmes e confiantes parecem ditar o ritmo daquele espaço. Ele se vira para o grupo, a voz ganhando um tom que, embora não impositivo, é impossível ignorar.
— Vamos voltar ao treino, pessoal. Temos muito a fazer.
Os agentes obedecem de imediato, retomando suas atividades como se aquela ordem silenciosa fosse natural. Enquanto isso, Noah se volta para mim, seus olhos brilhando com um interesse incomum.
— Soube que você treinou esgrima e várias formas de luta desde jovem, certo?
Levanto uma sobrancelha, surpreso.
— É verdade, mas... como você sabe disso?
Noah ergue o queixo, o orgulho claro em sua resposta.
— Vantagens de ser capitão. Tenho acesso a informações privilegiadas.
Eles estavam me observando? Tento entender, mas a sensação de que sabem mais do que deveriam não me abandona. Mesmo assim, sigo em frente.
— Sendo assim, quero que lute comigo, Jon. Quero ver do que o agente oculto é capaz.
Sua empolgação é evidente, quase desafiadora.
— Vim aqui pra isso, mas... não esperava lutar com você logo de cara.
Ele solta uma risada curta.
— Por que esperar? Ouvi dizer que derrotou o vice capitão do ar e fez James suar! Queria ter visto a cara dele quando quase perdeu...
A menção ao vice capitão me faz lembrar da confusão envolvendo sua verdadeira identidade. Nem Noah, um capitão, sabe quem ele realmente é. Caio fez um trabalho excepcional em se esconder, mas por que decidiu me contar? A dúvida se instala em minha mente, mas Noah não me dá tempo para pensar.
— E aí, vai lutar ou continuar sonhando acordado?
Ele diz com um sorriso brincalhão, arrancando uma risada minha.
— Vamos nessa!
Noah se vira para os agentes, a voz ecoando com autoridade:
— Pessoal, eu e Jon vamos treinar agora. Afastem-se do gramado para evitar acidentes!
Os agentes rapidamente se afastam, criando espaço ao redor de nós. Todos se reúnem próximos à torre da ala sul, onde o conselho se encontra, observando com curiosidade e expectativa.
Agora mais sério, Noah me adverte:
— Jon, não quero que pegue leve só porque eu não tenho magia. Se fizer isso, quem vai se machucar é você. E lembre-se, mesmo sem magia, eu sou um capitão.
Sorrio, aceitando o desafio.
— Não vou pegar leve, e espero que você também não.
Seu sorriso se alarga, e sem mais uma palavra, o duelo começa.
Noah avançou com uma destreza que desafia a lógica. Seus olhos fixaram-se no chão por um instante, e sua mão ágil se moveu para agarrar uma espada que jazia ali, esquecida. Antes que eu pudesse reagir, ele já estava a centímetros de mim, lançando um golpe feroz em direção ao meu abdômen. Seus movimentos eram tão rápidos que ele parecia um borrão atravessando o espaço, como se o ar ao seu redor estivesse dobrando à sua vontade.
Meu coração disparou, mas não hesitei. Com um movimento rápido das mãos, invoquei um vendaval poderoso, uma rajada de ar que explodiu de mim como uma tempestade, empurrando Noah para trás com uma força brutal. Sentindo a corrente de ar ao meu redor, canalizei-a, manipulando-a com precisão até transformá-la em lâminas afiadas, invisíveis a olho nu, as mesmas que haviam cortado bonecos de treino em pedaços outrora. As lâminas zumbiam pelo ar em direção a Noah, prontas para fatiá-lo... mas ele de algum modo pressentiu o ataque. Com uma habilidade absurda, ele usou sua espada para interceptá-las, golpeando-as com precisão cirúrgica, cada lâmina se desfazendo em fragmentos de vento sob sua lâmina afiada.
O vendaval cessou, o ar ao nosso redor voltou a uma calma tensa. Noah, com um sorriso malicioso no rosto, me olhou com uma diversão que beirava o desprezo. Então, mais uma vez, ele desapareceu. Seus pés mal tocavam o solo enquanto ele se movia em um ritmo alucinante, se posicionando diretamente em meu ponto cego. Senti o vento deslocando-se e, instintivamente, criei uma barreira densa de ar à minha volta. Mas antes que ele colidisse com minha defesa, Noah saltou, usando a própria barreira como apoio, lançando-se para o alto, sobre a minha cabeça.
Aproveitei a abertura. Desfiz a barreira em um instante e, com um gesto fluido, canalizei uma nova corrente de ar em sua direção. A rajada subiu em espiral e, quando estava perto o suficiente de Noah, a transformei em uma lâmina larga e cortante. Mas ele era rápido demais. Virou sua espada, expondo o lado mais largo, e desferiu um golpe com tanta força que minha lâmina de ar se voltou contra mim em uma velocidade aterradora. Eu mal tive tempo de reagir, usando a Travessia para me teletransportar para longe. Um segundo depois, a lâmina se chocou com o chão, explodindo em um estrondo que reverberou por todo o campo.
A poeira subiu, o impacto ainda ecoava no ar, e meu coração batia acelerado. Se aquela lâmina tivesse me atingido... pensei, sentindo um arrepio correr pela espinha. Eu estaria morto. A força dele era absurda, incompreensível.
Não havia mais tempo para defensivas. Dessa vez, eu decidi que seria o primeiro a atacar. Com um movimento rápido das mãos, criei diversos redemoinhos de ar ao meu redor. Pequenos, invisíveis a olho nu, nada além de brisas suaves que flutuavam ao sabor do vento, impossíveis de serem percebidas até o momento do impacto. Liberei-os em direção a Noah. Por um breve momento, ele me encarou, confuso, mas quando entendeu o que estava acontecendo, já era tarde demais. Um dos redemoinhos o acertou em cheio.
O corpo de Noah foi lançado para o alto, sua espada escorregou de suas mãos e caiu, cravando-se no solo. Ele ficou momentaneamente atordoado, exatamente o tempo que eu precisava. Sem perder um segundo, desapareci do chão e me projetei para o ar. Invocando as chamas que corriam nas minhas veias, envolvi meus punhos em fogo e desci sobre ele com toda a força que eu tinha. O calor das chamas transformava o ar em ondas distorcidas. Mas Noah, mesmo atordoado, recuperou a consciência segundos antes do impacto. Estendeu a mão aberta em direção ao meu punho em chamas e, de forma inacreditável, reduziu o impacto com uma leveza perturbadora.
Mesmo assim, a força do golpe o arremessou contra o solo. No entanto, para minha surpresa, ele caiu de pé, com um equilíbrio que parecia impossível, e me lançou outro sorriso, como se estivesse se divertindo com todo o nosso combate. Era desconcertante.
Ele parou meu ataque com a palma da mão? pensei, em choque. Como ele faz isso sem magia? Não pode ser só força física.
Noah pegou uma espada do chão, mas não parou por aí. Pegou também outra, que estava próxima aos arcos. Com um gesto inesperado, lançou uma das espadas em minha direção. Minha mão se moveu sozinha, agarrando a lâmina no ar. Noah, mais uma vez, se aproximou em uma velocidade que mal pude acompanhar, e nossas espadas colidiram. O som do metal ressoou no campo, ecoando como trovão. Mas antes que eu pudesse me firmar, ele desapareceu da minha vista e, com um movimento rápido e inesperado, se abaixou e me passou uma rasteira. Eu caí no chão antes que percebesse o que estava acontecendo. No segundo seguinte, senti o frio do aço pressionando levemente a pele do meu pescoço.
A sensação do aço frio contra a pele fez meu coração congelar por um instante. A respiração, rápida e irregular, ecoava em meus ouvidos, enquanto o mundo ao meu redor parecia parar. Noah estava ali, de pé sobre mim, sua espada ligeiramente inclinada, pressionando levemente minha garganta. O sorriso condescendente ainda estampado no rosto.
Por um breve momento, o pânico se instalou. Eu havia dado tudo de mim. Magia, força, velocidade... e ainda assim, ele parecia brincar comigo, como se fosse uma partida de treino casual. Meu orgulho queimava mais que as chamas que corriam nas minhas veias. Esse cara está em um nível completamente diferente, pensei, atordoado. Como ele não usa magia?
— Você desiste, Jon?
Ele sibilou, seus olhos cravados nos meus, analisando cada detalhe da minha expressão.
— Jamais. Respondi com firmeza.
De repente, senti algo diferente. Uma energia, quase imperceptível, começou a correr por mim. Meu corpo respondeu sem que eu precisasse pensar. No fundo da minha mente, uma porta começou a se formar. A Travessia. Ela piscou na minha consciência, me chamando para agir. Com um movimento súbito, antes que Noah pudesse prever, atravessei a porta na minha mente. O mundo ao meu redor se distorceu por um breve segundo, e no instante seguinte, estava atrás dele. A espada que ele pressionava contra minha garganta caiu no chão, sem efeito.
Se Noah queria que eu lutasse com tudo que eu tinha, ele teria o que pediu.
Fechei os olhos por um segundo, concentrando-me no calor que percorria minhas veias. A energia fervilhava dentro de mim, mais forte a cada batida do coração, até que se derramou pelo meu corpo. Meus olhos brilharam, e de repente, pude ver além da visão humana a magia fluía como uma corrente invisível ao redor das pessoas. Mas ao redor de Noah? Nada. Ele era um vazio, um paradoxo em meio ao poder que transbordava de mim. Sentir isso só fez a adrenalina subir mais.
O ar ao meu redor se distorceu, transformando-se em um furacão de energia pura, como se o ambiente reagisse ao meu despertar. No entanto, algo inesperado se revelou — uma nova corrente de magia. Familiar, mas diferente, como se algo profundo e esquecido estivesse tentando emergir. Não havia tempo para refletir sobre isso.
Avancei contra Noah, agora mais rápido, o fogo em meus punhos ardendo com uma intensidade selvagem. Meus golpes cortavam o ar, mas ele desviava com uma facilidade absurda. Mesmo assim, o vento ao meu redor formou pequenas lâminas que o alcançaram, marcando seu rosto e braços. Vi o sangue, as feridas eram reais. Ele sentiu. Pela primeira vez, Noah recuou, percebendo o perigo, mas eu já estava sobre ele.
Com um movimento fluido, concentrei o fogo em uma esfera pulsante, o calor fundido ao poder do vento. A esfera cresceu, com uma luz ardente, e eu a lancei com tudo. O ar ao redor dela se torceu, como se estivesse prestes a rasgar.
Noah tentou interceptar com sua espada, mas o calor era demais. A lâmina derreteu em suas mãos, pingando no chão como metal líquido. Ele conseguiu desviar por um triz, mas o calor o atingiu de qualquer maneira. Ainda assim, ele sorriu. Não um sorriso de vitória, mas de puro prazer, como se estivesse saboreando cada segundo do nosso duelo.
Ele não é nada normal, pensei, tentando compreender o que eu estava enfrentando.
Sabendo que não teria muito mais tempo com minha magia no limite, decidi acabar com tudo de uma vez. Convoquei o vento e o fogo para um último ataque. Um tornado colossal, carregado com chamas, ergueu-se ao meu comando. O vento rugia, uma força destrutiva que sugava tudo ao redor, armas, alvos de treino, qualquer coisa no campo. O mundo parecia diminuir diante da fúria que eu havia conjurado.
Mas Noah... ele fechou os olhos e começou a se mover. Correndo, cada vez mais rápido. Em um piscar de olhos, ele era um borrão. Impossível. Ele estava criando seu próprio tornado, usando apenas o movimento de seu corpo, o ar respondendo à sua velocidade absurda. Sua tempestade crescia rapidamente, quase tão poderosa quanto a minha.
Quando os dois tornados colidiram, o impacto foi devastador. O chão tremeu, e fomos ambos lançados para longe, como folhas ao vento. O mundo girava, o som do caos ecoava ao meu redor, e o gosto de poeira e cinzas invadiu minha boca.
Minha magia estava esgotada. O furacão que criei desapareceu tão rapidamente quanto havia surgido, e tudo que me restava era o vazio da exaustão. Quando abri os olhos, Noah estava em pé sobre mim, sua mão estendida. O mesmo sorriso provocador em seus lábios.
Ele havia vencido, mas não de forma arrogante.
— Vamos declarar um empate, o que acha?
Noah sugeriu, com um brilho de admiração nos olhos.
Segurei sua mão e, com um puxão firme, ele me colocou de pé com uma facilidade impressionante.
— Agradeço, já estava ficando sem energia.
Admiti, respirando fundo, tentando estabilizar minha pulsação.
— Eu sei disso.
Ele respondeu de forma casual, o que fez minha testa franzir de curiosidade.
— Espera, como você sabia? Você não tem magia... Como é possível? E como consegue se mover naquela velocidade insana? Além disso, como desvia, rebate e até pula sobre meus ataques como se não fossem nada?
As perguntas saíram em um fluxo rápido, meu cérebro girando em busca de respostas.
Noah riu, acostumado com esse tipo de questionamento.
— Muitas perguntas... Bom, eu consigo sentir o cheiro da magia. Quando sua magia começou a enfraquecer, o "aroma" dela ficou mais fraco, então deduzi que você estava esgotado. Quanto à minha velocidade sobre-humana, isso é resultado de anos de treinamento físico intenso. Não há segredo mágico nisso.
Ele fez uma pausa, sorrindo de canto
— A última questão... eu aprendi a usar os elementos ao meu redor. Não controlo como você faz com magia, mas adapto e uso o ambiente como eu bem quiser.
Fiquei boquiaberto com a explicação. Aquilo era... Absurdo, mas ao mesmo tempo, completamente lógico.
— Caramba, você é incrível!
Soltei, ainda processando.
— Admito que fiquei receoso de usar toda minha magia no início, por causa da sua falta de poder mágico. Mas você compensou em tudo, superou qualquer expectativa. Lutou de igual para igual com alguém que usa magia! Se puder me ensinar a controlar a energia a minha volta, serei eternamente grato.
Noah sorriu, um brilho no olhar que refletia empolgação.
— Claro! Sempre que quiser treinar combate físico, me procure. E obrigado por não ter se segurado. Você é especial, Jon. Ainda vai desenvolver muito mais.
— Obrigado mesmo, Noah!
Falei com sinceridade, o peso da exaustão se esvaindo um pouco com aquele reconhecimento.
Caminhei para fora do gramado com uma sensação estranha de vitória, mesmo que meu corpo estivesse quase em colapso. Sem magia suficiente para me teletransportar, segui a pé em direção ao meu quarto. Ao passar pelos agentes próximos à torre, fui surpreendido por expressões amigáveis.
— Parabéns!
— Você foi incrível!
— Eu te admiro!
— Me ensina a lutar assim?
Os comentários eram entusiasmados, um contraste gritante com a indiferença ou medo que costumava sentir vindo deles. Aquilo me pegou de surpresa, mas... gostei da mudança.
Continuei caminhando, o som de meus passos ecoando pelos corredores vazios. Nenhuma outra interrupção me deteve enquanto me aproximava do meu quarto. Assim que empurrei a porta, o cheiro familiar de madeira polida misturada ao leve aroma de lavanda me recebeu. Sem pensar muito, fui direto ao banheiro. O vapor subiu em espirais enquanto a água quente preenchia a banheira, o borbulhar suave quebrando o silêncio. Soltei um suspiro ao mergulhar meu corpo, o calor envolvendo meus músculos tensos, aliviando o peso invisível que eu carregava. A sensação era quase anestésica, cada parte de mim lentamente cedendo ao conforto da água.
Depois de um tempo, levantei-me, deixando a água escorrer pela pele enquanto pegava uma toalha. Ao sair do banheiro, algo chamou minha atenção: um novo par de roupas, dobrado com precisão sobre a cama. As dobras perfeitas, como se fossem obra de mãos invisíveis. Franzi o cenho, uma inquietação crescendo em meu peito. Será que alguém entra aqui para trazer essas coisas? Pensei, lançando olhares furtivos ao redor do quarto, tentando identificar qualquer sinal de intrusos.
— Sabe de alguma coisa sobre isso, ancestral?
Questionei, minha voz carregada de curiosidade.
"Pelo que sei, tudo aqui é movido por magia. As coisas... elas se reorganizam, se movem e se preparam, como se fossem vivas. Inclusive, as roupas são parte disso. Entendeu?" A voz respondeu com um tom indiferente, como se fosse algo óbvio.
— Interessante... E por que você ainda não tem um nome?
Questionei, sentindo um leve tom de brincadeira em minha pergunta.
"Nunca paramos para pensar nisso. Que nome me sugere?" A voz ecoou com um toque de humor sutil.
— Que tal... Matusalém?
Sugerir, rindo internamente.
"Engraçadinho. Se eu estivesse no meu corpo agora, te desceria o sarrafo." A voz rebateu, visivelmente irritada, mas não conseguiu disfarçar a diversão na resposta.
Viu só? E depois reclama. Quem ainda fala 'sarrafo' hoje em dia? Sério agora, qual é o seu nome de verdade? Continuei, mantendo o tom leve.
"Quando eu estava vivo, me chamavam de... Kajidova."
Uma risada incontrolável escapou de mim, e precisei me sentar.
— Kajidova? Que nome é esse? Parece algo saído de uma piada ruim. Imagina o bullying que você sofreria na escola!
"Você está especialmente irritante hoje." A voz bufou, mas logo mudou de assunto, tentando manter a seriedade. "Agora, falando sério, quais são seus planos para o dia?"
Minha mente vagou por um instante. Pretendo comer algo, depois ir solicitar os livros com a velha centenária e ver se ela sabe de alguma coisa útil.
— Isso é o que pretendo fazer.
"Ela te esfolaria viva se te ouvisse chamando-a de velha." A voz ecoou, como se me advertisse.
— Ué, foi você quem disse que ela tem mais de cem anos. Isso, para mim, não é exatamente sinônimo de juventude... Agora, deixa eu ver se consigo algo para comer. Estou quase sem magia.
Subi para o refeitório, e o ambiente pareceu se transformar ao redor de mim. Os outros agentes me evitavam como se eu fosse uma sombra. Olhares desviados, passos apressados. Era como se minha presença os incomodasse, como se algo em mim os assustasse. Medo? Pensei, observando os rostos tensos que mal ousavam cruzar com o meu. Bom... isso pode ser útil.
Mas, enquanto minha mente se perdia em pensamentos, meus pés me levaram sem perceber até a porta da biblioteca. A familiaridade daquele lugar me trouxe um alívio involuntário. Adentro o lugar e vejo Cristina.
— Oi, Jon! Como você está? Imagino que já tenha lido os outros livros, certo?
Cristina estava atrás de uma pilha de tomos, sorrindo como sempre. Mas havia algo em sua última frase, um tom de certeza que fez um arrepio percorrer minha espinha.
— Podemos falar livremente aqui?
Perguntei em um sussurro, o desconforto me pegando de surpresa.
— Apenas sobre os livros...
Ela pausou, abaixando ainda mais a voz, seu olhar se tornando sério.
— Mas se for sobre outro assunto, chame meu nome sete vezes, e pense em mim. Certifique-se de estar sozinho, e eu irei até você.
Ela sorriu novamente, mas o mistério em suas palavras pendurou-se no ar como uma sombra.
Posso confiar nela? Me perguntei. A voz dentro de mim havia garantido que Cristina era confiável, mas havia algo na maneira como ela sorria que me fazia hesitar.
— Entendo. Preciso dos outros três livros. Consegue pegá-los para mim?
Questionei, tentando manter o tom casual.
— Não será problema. Levo-os quando me chamar. Nos falamos em breve, Jon... E mande um oi ao meu velho amigo.
Seu sorriso se alargou, deixando um eco estranho em minha mente.
— Direi sim. Obrigado, Cristina.
Acenei e saí da biblioteca, com meu coração batendo mais forte do que deveria.
No refeitório, os olhares continuaram. Cochichos se espalhavam como um vento invisível enquanto eu atravessava o salão. Fingi não notar, seguindo diretamente para uma mesa vazia. Servi-me com porções generosas, o aroma delicioso me atingindo antes mesmo da primeira mordida. Nada no meu mundo chega perto do sabor que a comida daqui tem. Enquanto mastigava a comida, sentia os sabores dançarem no meu paladar, mas minha mente estava a mil, refletindo sobre tudo o que havia acontecido. O fato de Noah ser capaz de sentir cheiro de magia e de Cristina falar daquele jeito misterioso só aumentava as perguntas que eu tinha.
A voz de Kajidova ressoava ocasionalmente, ora brincalhona, ora cheia de uma sabedoria antiga. Desde que ele começou a se manifestar, minha percepção das coisas mudou. Não era só o poder que eu estava desenvolvendo, mas uma compreensão mais profunda sobre o que realmente movia este lugar.
"Você está pensando demais de novo, Jon," Kajidova resmungou na minha mente. "Tem uma coisa que você ainda não aprendeu. Às vezes, quanto mais você busca respostas, mais você se afasta delas. Relaxe um pouco."
— Fácil pra você dizer, você já passou por isso tudo. Eu estou literalmente pisando em território inimigo e desconhecido.
Murmurei, meio distraído, sem perceber que falei em voz alta.
Algumas pessoas próximas à minha mesa me olharam estranhamente, como se eu fosse maluco por falar sozinho. Ignorei os olhares, e continuei comendo, tentando focar na comida em vez da confusão que era minha mente.
Depois de comer, senti minhas energias renovadas, mas sabia que não era o suficiente para ativar minha magia completamente. Desci para o meu quarto, sentindo o peso das expectativas ao meu redor. Cada pessoa que cruzava o meu caminho parecia me observar de um jeito diferente agora, como se eu fosse algo a ser temido ou admirado. Isso era, sem dúvida, um resultado do duelo com Noah, mas, ao mesmo tempo, começava a me incomodar. Eu queria passar despercebido, pelo menos por enquanto.
Ao chegar ao meu quarto, me joguei na cama e encarei o teto. A sensação de estar sendo vigiado nunca desaparecia completamente.
"Jon, sobre aquela Cristina... você tem que ser cauteloso," Kajidova falou de repente, quebrando o silêncio que se formou. "Mesmo que eu tenha dito que ela parece confiável e me ajudou no passado, nunca deixe de lado a possibilidade de que ela tenha seus próprios interesses."
— Eu sei. Não é como se eu fosse confiar cegamente nela. Só que, por enquanto, não tenho muitas opções.
Respondi, fechando os olhos.
"Você está começando a entender as nuances deste lugar. Continue assim, e logo estará pronto para o que realmente importa."
O que realmente importa... Essas palavras ressoaram na minha cabeça enquanto o cansaço me tomava. Eu não sabia exatamente o que Kajidova queria dizer, mas uma coisa era certa: meu tempo aqui estava apenas começando, e eu precisava me preparar para o que quer que viesse a seguir. Sem perceber, adormeci.
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