Cap. 36 - Vice capitão
Ele me encara com aqueles olhos atentos, analisando cada movimento, e então solta com um sorriso.
— Sabe, Jon, esse cargo de vice capitão caiu como uma luva. Por eu não aparentar ser o vice, passo despercebido. E quando as pessoas finalmente descobrem quem eu sou, já é tarde demais para elas...
O sorriso dele é ligeiramente provocador, mas suas palavras me pegam de surpresa.
— Então, os outros agentes nem imaginam que você é o vice capitão?
Pergunto, incrédulo.
— Nem um pouco. A maioria pensava que era o Gray. Afinal, ele sempre foi o centro das atenções, o mais próximo de Juliette. Mas depois da briga que vocês tiveram, começaram a se perguntar se ele realmente é o vice.
Ele franze o cenho, como se lembrasse de algo que o incomoda.
— Desculpe por ter causado toda essa confusão.
Digo, tentando me esquivar da culpa.
Ele solta um risinho.
— Não sinta, ele mereceu aquela surra.
Não consigo evitar e acabo rindo junto.
— Mas agora vai ser uma dor de cabeça, criar boatos para fazer o título de vice capitão recair sobre outro agente.
Sua expressão fica mais séria, quase fria. Ele está lidando com isso como se fosse um jogo de xadrez.
— Sei que você prefere agir nas sombras... mas não seria mais simples se você simplesmente se revelasse como vice capitão para todos?
Ele parece ponderar a ideia por um instante, antes de responder.
— Mais simples? Talvez. Mas ser o centro das atenções é exaustivo. Todo mundo querendo falar com você o tempo todo, julgando cada movimento que você faz. Como Caio, sou apenas mais um. Invisível para a maioria.
— Faz sentido. Ser o vice tem suas vantagens, mas também traz um peso enorme. Como Caio, você pode operar de forma mais livre, fazer o que não seria possível com o título.
Concordo, percebendo a estratégia por trás de sua escolha.
— Você é esperto. Gosto disso. Que tal um treino? Não foi para isso que veio aqui?
A pergunta me pega desprevenido.
— Assim, do nada?
Pergunto, tentando entender a súbita mudança de assunto.
— Aprende uma coisa, Jon. Nunca quebre as regras se não for tirar proveito disso. Ou seja, não faz sentido ter vindo aqui sem treinar, concorda?
Não posso discordar. Assinto, me preparando mentalmente.
— Não se segure. Quero ver do que mais você é capaz!
Ele fala com empolgação, me desafiando.
Esse é o momento perfeito para praticar o que aprendi no livro, especialmente aquelas magias dos livros escritos por Richard. Mas será que eu devo mostrar isso para um vice capitão? Se bem, que ele acabou de ver parte dessas habilidades.
Antes que eu possa decidir, ele se afasta e, com um movimento rápido, lança uma corrente de ar em minha direção. No caminho, ele altera a densidade do ar, transformando-o em uma lâmina gigantesca que corta o vento em minha direção. Não tenho tempo para pensar. Uso uma corrente de ar para me lançar no ar em um salto sobre-humano, escapando por pouco da lâmina que quase arranca meus pés.
Caramba, ele é bom, penso, já sentindo a adrenalina pulsar.
A lâmina de ar corta o espaço ao meu lado com um sibilo, passando perto demais. Desvio por puro reflexo, o coração acelerado no peito. Antes mesmo de tocar o chão, percebo Caio mexendo as mãos em gestos rápidos, controlando a corrente de ar que me persegue. Num piscar de olhos, a corrente se transforma em uma chuva de flechas afiadas, todas voltadas para mim. Sem pensar duas vezes, uso a Travessia, me projetando para fora do campo de ataque. Aterrisso com um baque surdo, mas uma dor repentina no ombro me faz vacilar. Ao olhar, vejo o sangue escorrendo pela manga, uma das flechas me atingiu.
A raiva vem rápido, queimando como um incêndio, aquele ataque fez com que eu lembrasse o quão fraco eu sou, e queria mostrar que não sou mais aquele garotinho frágil. É como se a dor no ombro alimentasse a fúria dentro de mim, e tudo o que quero é acabar com isso. Agora. Decido usar o feitiço que estava guardando. O feitiço que pode matar...
Sinto a magia fervilhando, inquieta, acompanhando a raiva que cresce dentro de mim. Concentro-me no ar ao meu redor, meus dedos formigam enquanto começo a manipular as correntes invisíveis. Movendo os braços com precisão, libero uma brisa leve. Caio a ignora, confiante demais, sem saber o que está por vir. Isso facilita meu trabalho.
Com uma série de movimentos suaves, moldo o ar ao redor dele, formando uma barreira densa. Caio percebe tarde demais, seus olhos se arregalam, surpresos ao se ver preso. O ar em torno dele se torna sólido, uma prisão invisível que comprime lentamente. Consigo ver o medo momentâneo em seus olhos, logo substituído por pura fúria. Ele arremessa lâminas de ar contra a barreira, mas elas ricocheteiam sem causar nenhum dano.
Alguns segundos se passam, e a expressão dele começa a mudar. A respiração fica mais pesada, cada movimento mais lento. O ar dentro da barreira é denso demais, sufocante. Exatamente como descrito no livro. Caio luta, mas já é tarde. Vejo o desespero começando a se formar em seu rosto enquanto o oxigênio escapa dele. Eu poderia deixá-lo ali até o fim. Mas, quando percebo que ele está à beira da inconsciência, desfiro o golpe final. Desfaço o ar sólido, permitindo que ele desabe no chão, ofegante e indefeso.
Ele aproveita o momento e respira fundo, recuperando o fôlego.
— Uau, isso deve ser magia proibida, certo?
Pergunta, com uma curiosidade quase inocente.
— Não é proibida. É a magia que aprendi lendo os livros, para os escolhidos, escritos por Richard.
Respondo, talvez um pouco mais rispidamente do que pretendia.
— Você sabe por que ela é proibida?
Ele continua, ignorando meu tom.
— Porque é perigosa?
— Isso também, mas principalmente porque só os agentes ocultos podem aprendê-la. O Conselho Mágico decidiu proibir esse tipo de magia porque não é justo que só vocês tenham acesso a ela. Então, se quer um conselho, use essa magia apenas em casos de vida ou morte.
Ele fala com uma frieza que me faz gelar por dentro.
— Mas eles não sabem que os agentes ocultos podem ler essa saga?
Pergunto, ainda tentando assimilar o que ele disse.
— Acontece que outro agente como você surgiu mais de 100 anos atrás, e o Conselho decidiu esconder esses livros e qualquer boato sobre eles. Os agentes vão achar estranho esse poder todo, mas quem realmente vai saber que é magia proibida são os capitães e os vices.
Ele explica com um tom casual, como se estivesse apenas comentando o tempo. Sinto um frio na espinha.
— Que sorte a minha, né? Mostrei justamente para um vice...
Falo, a raiva de mim mesmo crescendo.
— Não se preocupe, não vou contar que você esteve aqui na arena à noite, e muito menos que domina magia proibida.
Caio diz com um sorriso que não consigo decifrar.
— Por que não? Posso saber?
Pergunto, desconfiado.
— Porque eu não quero! Como você deve ter notado, não sou um vice capitão convencional.
Ele responde, como se isso explicasse tudo.
— Na verdade, você é o primeiro vice capitão que conheço, então, não posso afirmar isso.
Digo, tentando esconder minha crescente preocupação.
— Você é engraçado, Jon. Pode ir para o seu quarto, está dispensado.
Caio diz, com um largo sorriso.
Antes de me teletransportar, falo:
— Obrigado, Caio. Não vou esquecer isso.
— Sempre que quiser treinar sua magia proibida, pode vir à arena à noite. Estou sempre por aqui.
Ele acrescenta, casualmente.
— Não é contra as regras vir aqui à noite, e usar magia proibida? E o que você ganha me ajudando?
Pergunto, hesitante.
— Na verdade, sim, mas eu nunca fui de seguir regras. E além do mais, vou ficar mais forte treinando com a realeza entre os agentes...
Um sorrisinho de canto aparece no seu rosto, mas algo nele me deixa em alerta.
Me concentro no meu quarto e, antes de atravessar, aceno para o garoto. Em um piscar de olhos, estou de volta aos meus aposentos. Mas o pensamento me atormenta. Por que sinto que confiar nele e mostrar minha magia proibida pode não ser uma boa ideia?
Olho para o meu ombro, o sangue ainda escorrendo, e a dor irradiando em pulsos constantes. Levanto-me devagar e vou até o banheiro. Depois de tantas tentativas, finalmente entendi como a banheira funciona. Mergulho no calor reconfortante da água, deixando o tempo escorrer com ela. Mas logo, o líquido que me envolve se transforma em um tom escuro, misturado ao sangue que continua a fluir da ferida. Sei que preciso fazer algo.
"Tente usar o fogo curativo, mas lembre-se: você precisa se acalmar. Concentre-se em bons sentimentos, ou o fogo vai te queimar, não curar".
A voz mental me lembra das palavras que li mais cedo.
Saio da água, o ombro latejando de dor. Cada movimento traz um desconforto agudo, mas não posso deixar isso me dominar. Respiro fundo e fecho os olhos, buscando na memória algo que possa me trazer paz. Então, penso em Bia... Em seus braços ao meu redor naquela noite, no calor do beijo, no aroma dela que ainda parece estar presente. Um sorriso involuntário surge em meu rosto, e essa alegria sutil enche meu peito.
Concentro-me na ferida, nas bordas irregulares e no sangue ainda fresco. Lentamente, sinto a essência do fogo dentro de mim, latente, esperando ser chamado. Canalizo essa energia para o ombro. Primeiro, é apenas uma sensação de calor, e depois, chamas azuis começam a se formar ao redor da lesão. Não queimam... Ao contrário, sinto a carne se fechando, o calor acolhedor substituindo a dor. Em minutos, o ferimento desaparece, como se nunca tivesse existido.
Um prazer profundo me preenche. Eu consegui, e na primeira tentativa.
"Agentes comuns levam anos para dominar magias desse tipo, mas nós, abençoados pelo elixir, aprendemos rapidamente. Você só precisa colocar algo em prática uma única vez para dominar completamente a magia. Incrível, não é, Jon?"
A voz ecoa na minha mente, satisfeita.
É mais que incrível, é surreal. Será que isso se aplica a tudo? pergunto mentalmente.
"Claro que não, existem limites".
Responde a voz.
"O que percebi em vida é que habilidades físicas não são aprendidas instantaneamente. Por exemplo, o fogo curativo requer conhecimento, técnica, controle... O elixir te dá acesso às memórias de outros, o que facilita. Mas, no caso de combate físico, seu corpo não vai adquirir memória muscular instantânea, mesmo que saiba toda a teoria do combate. E lembre-se, ainda há coisas que não conhecemos. Para essas, você precisará estudar e praticar como qualquer pessoa comum. Mas não se preocupe, são raras."
Isso faz total sentido.
Visto minha roupa e, para minha surpresa, não sinto mais dor ou desconforto algum. Meu corpo está leve, mas minha mente ainda pesada. Deito-me na cama, tentando encontrar algum descanso. Fecho os olhos, mas o pensamento de Bia volta à tona. O momento entre nós foi tão vívido... E, com isso, o sonho fragmentado que tive sobre ela começa a se misturar com as lembranças.
Tento juntar as peças daquele sonho estranho, algo sobre Bia... mas tudo está desconexo, como uma névoa espessa que impede qualquer clareza. As poucas imagens que capturei mais cedo agora estão tão distantes quanto as estrelas no céu. Me pergunto se há algo que estou ignorando, algo que preciso entender. Tento, em vão, puxar as memórias de volta, mas elas escapam. Só espero que ela esteja bem.
Viro-me para um lado. Depois, para o outro. A cama parece incapaz de me acolher hoje, o travesseiro não traz conforto, e o peso da preocupação me pressiona. Há algo errado, sinto isso. Uma sensação que não consigo descrever me invade não posso perdê-la também, não depois de tudo.
Luto com a ansiedade, mas, aos poucos, o sono me arrasta para longe. E, por um breve momento, consigo dormir.
[...]
Acordo com a luz do sol já invadindo o quarto, os raios mornos iluminando cada canto e anunciando que o dia já começou há algum tempo. Me espreguiço na cama, sentindo os músculos ainda um pouco rígidos do sono. Apesar de ter dormido razoavelmente bem, pegar no sono foi difícil. Minha mente estava agitada, cheia de pensamentos sombrios e preocupações com Bia. Não conseguia parar de imaginar o pior cenário, espero que ela esteja bem, e volte logo. Tudo o que mais desejo agora é sentir seu perfume doce, inconfundível, e o toque de seus lábios macios e delicados nos meus. O pensamento aquece meu peito, mas logo sou trazido de volta à realidade por uma sensação mais imediata. A fome, que me consome como um fogo devorador.
Sem perder tempo, levanto e me arrumo rapidamente. O refeitório é o destino óbvio. Conforme caminho pelos corredores, o ambiente tranquilo da manhã começa a me acalmar. Ao chegar ao refeitório, sou recebido pelo aroma irresistível de comida fresca. Olho ao redor e logo noto Caio sentado sozinho em um canto, concentrado em sua refeição. Ele levanta a mão em um cumprimento silencioso quando nossos olhos se encontram, mas não diz uma palavra. Respeito seu estado de espírito e retribuo o gesto sem falar nada, entendendo que ele provavelmente prefere ficar em silêncio hoje.
Pego um prato e começo a me servir, sem cerimônia. Pão, tortas, ovos e um pedaço de bolo chamam minha atenção. Levo um pedaço do bolo à boca, e o sabor doce e intenso explode no meu paladar. Meus olhos se reviram de prazer, como se aquele simples pedaço de bolo fosse uma experiência transcendental.
Como vou voltar pro meu mundo depois de comer essas delícias? penso comigo mesmo, deixando escapar um sorriso. A comida aqui realmente está em outro nível.
Depois de devorar meu café da manhã, sinto uma inquietação crescer em mim. Há muito sobre este lugar que ainda não explorei, e algo me diz que o dia de hoje será importante. Saio do refeitório e desço tranquilamente até o primeiro andar, deixando a ala norte para trás. O corredor que percorro está relativamente calmo, mas percebo que as pessoas ao redor parecem mais agitadas do que o normal. Cochichos começam a surgir ao meu redor, discretos, mas suficientemente altos para serem ouvidos.
— Soube que ele consegue manipular mais de um elemento... acredita?
A voz é tensa, quase incrédula, mas não consigo identificar de onde vem.
— Dizem que ele pode ser o agente oculto!
Outra voz murmura, dessa vez mais curiosa do que amedrontada.
— Eu é que não quero ficar no caminho dele...
Sussurra uma garota de olhos arregalados, apressando o passo quando passa por mim.
Eles estão falando de mim, concluo, mas ignoro os comentários. Não há tempo para se preocupar com fofocas. Continuo caminhando, focado em absorver cada detalhe ao meu redor. À medida que me aproximo da haste central do campo, vejo o enorme gramado que se estende para trás da torre onde fica localizada a sala do conselho. É lá que Noah está, treinando um grupo de agentes. A cena me prende a atenção imediatamente.
O gramado está repleto de movimento. Agentes treinam em várias disciplinas alguns empunham espadas com ferocidade, desferindo golpes potentes contra alvos de madeira; outros praticam tiros ao alvo, suas flechas e balas cortando o ar com precisão mortal; e há aqueles que preferem o combate corpo a corpo, trocando socos e chutes com uma intensidade que ecoa pelo campo. Em meio a esse caos controlado, há algo mais notável ainda: alguns agentes usam magia para amplificar suas habilidades. Vejo feixes de luz, faíscas de eletricidade e rajadas de vento manipuladas com habilidade, como se fossem extensões naturais de seus corpos.
Mas é Noah quem realmente chama minha atenção. Ele está em um combate físico contra um homem gigantesco, um verdadeiro colosso de músculos. O grandalhão avança com golpes brutais, seus punhos disparam no ar como martelos pesados, buscando esmagar Noah. Porém, Noah não apenas desvia. Ele se move com uma agilidade quase sobrenatural, fluindo como água ao redor dos ataques. Seus pés mal tocam o chão, e cada esquiva parece antecipada, como se ele já soubesse exatamente onde cada golpe iria cair antes mesmo do adversário.
Em um movimento fluido, Noah se posiciona no ponto cego do gigante, salta e, com uma precisão aterradora, atinge as costelas do oponente. O som do impacto é abafado, mas o grito de dor que escapa do homem é audível. Ele desaba no chão, derrotado.
Caramba... Noah é realmente formidável. E isso tudo sem usar magia, penso, impressionado.
Noah, sempre calmo e controlado, estende a mão ao adversário caído. O grandalhão aceita a ajuda sem hesitar, e Noah o puxa de volta em pé como se fosse a coisa mais fácil do mundo. A força física e a técnica impecável que ele demonstra me fazem refletir.
Talvez eu devesse treinar mais combate físico, penso. Não posso depender exclusivamente da minha magia. Se ela acabar ou falhar, ficarei vulnerável. E a sensação de impotência, de estar com as mãos atadas, é algo que simplesmente não suporto. A cena à minha frente se torna um lembrete claro: o poder não vem apenas da magia, mas também do corpo e da mente. Noah é o exemplo vivo disso, combinando força física com uma destreza impressionante. Observar seu combate me inspira a reconsiderar minhas próprias fraquezas. Talvez esteja na hora de me dedicar mais ao físico, não apenas ao mágico. Com essa determinação renovada, sinto que algo mudou em mim. É hora de treinar, de me preparar para o que vier, e, acima de tudo, de garantir que nunca mais serei pego desprevenido.
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