Cap. 23 - Verdade Nua e Crua
Agora dentro do carro do meu pai, sigo para casa de Júlio. Chego lá por volta das 09:00 e bato na porta, e meu amigo me recebe, surpreendendo positivamente.
Ao empurrar a porta, sou recebido por uma visão surpreendente de alguém que um dia foi considerado um dos mais bonitos e populares da escola.
A luz suave da manhã que entra pela porta aberta revela um Júlio visivelmente melhorado. Sua barba, antes negligenciada, está bem aparada, destacando um rosto que recuperou parte de seu viço. Seu corpo, ainda magro, exibe sinais de recuperação, com uma postura mais ereta e uma leve cor saudável retornando à sua pele. Os cabelos, antes desgrenhados, agora estão arrumados, conferindo-lhe um ar mais cuidado. Seus olhos, que outrora estavam vermelhos e cercados por olheiras profundas, agora mostram um brilho renovado, como se a vida tivesse começado a retornar a eles. As olheiras ainda estão lá, mas menos pronunciadas, indicando noites de sono mais tranquilas. A transformação é notável, e ao ver Júlio, sem o cigarro matinal que antes era uma constante, percebo que ele está no caminho certo para recuperar não apenas sua aparência, mas também a dignidade que parecia perdida.
— Uau, você está bonitão meu amigo.
— Sempre fui, só que agora mais bem cuidado.
Ele sorri, e o puxo para um abraço rápido.
— Está tudo bem? Como foi a viagem?
Ele pergunta, enquanto dá um gole no café recém feito.
— Péssima.
Ele deposita a xicara na bancada, enquanto adentro a casa dele, e me sento no sofá.
— O que aconteceu Jon? Sabe que pode contar comigo né?
Ele se senta, ficando de frente para mim.
— Minha mãe está morta, e meu pai preso!
Júlio arregala os olhos, e se aproxima me envolvendo em um abraço caloroso. Sem fazer mais perguntas.
— Cara sinto muito, que você fique bem. Pode contar comigo para o que precisar.
— Obriga...
Começo a chorar descompassadamente, enquanto aquelas palavras se repetiam na minha mente. "Não fui forte o bastante".
— Fui fraco... e falhei...
Digo com dificuldade.
— Que barra em! Mas com certeza não foi sua culpa Jon, se conheci bem sua mãe ela iria querer que você sorrisse, aproveitasse os bons momentos que a vida proporciona...
As palavras dele, me faz relembrar o que ela me disse.
— As coisas vão melhorar mesmo que não seja da maneira que você queria, a vida é como uma montanha russa, cheia de altos e baixos... Agora tá uma merda... Mas pode ter certeza, que não vai permanecer assim.
Ele diz, tentando me consolar
— Você falou que nem um adulto de respeito agora! Viu isso em algum lugar?
Pergunto sem acreditar que essas palavras saíram do meu amigo, que casualmente ofende 30 minorias brincando.
— Sabe como é, se precisar de uma animo, ligue para o Júlio, ou se quiser a melhor transa da sua vida, ligue para mim também.
Começo a rir desacreditado dessa colocação aleatória.
— Vou preferir a primeira opção, seu idiota.
Ele se desvencilha, e pergunta se quero um café e aceno em concordância. Depois ele retorna com uma xícara e me entrega, se sentando ao meu lado. Tomo um gole do café que não era amargo e nem muito doce, está no ponto ideal de um café de respeito.
— A sua mãe que fez o café né?
— Claro que não, tá achando que eu não tenho capacidade de fazer café?
Ele pergunta desacreditado, enquanto toma outro gole de café.
— Tenho quase cem porcento de certeza, que foi sua mãe quem fez...
— Acertou seu miserável, quando faço ou fica doce demais, ou fraco demais, aí desistir de tentar. Aliás tem bolo de chocolate, aceita?
— Mais é claro, ainda pergunta?
Sorrio, enquanto caminhávamos para a cozinha, me sento em uma cadeira, próxima ao balcão, e Júlio vai até a geladeira pegar uma vasilha de vidro com vários pedaços de bolo de cenoura com brigadeiro por cima. Ele coloca o recipiente a mesa, e pega dois pratos, e me estende um. Então o coloco na mesa, e pego um pedaço de bolo e começo a comer, e está simplesmente uma delícia. Posso notar meu amigo me observando, e logo ele se senta ao meu lado e pega dois pedaços de bolo de uma vez e começa a comer.
O mais incrível, é que ele não me forçou a falar o que aconteceu, simplesmente me ajudou a me sentir melhor e mudou de assunto, ele é incrível...
— Consegui o dinheiro!
Digo enquanto mordia mais um pedaço do bolo.
Júlio acaba engasgando-se e pergunta.
— Os quinze mil? De onde tirou isso?
— Meus pais têm bastante dinheiro...
— Cara, não precisava. Ia dar meu jeito de pagar!
— Sei que ia, mas quero ajudar você. Depois você me paga se você se sentir melhor dessa forma.
Explico.
— Obrigado mesmo Jon, vai ajudar muito, e bom que tira eles do meu pé, vou te devolver tudo!
— Fica em paz com isso.
Retiro o envelope de dentro do meu blazer e entrego para ele. Júlio interrompe seu café da manhã e abre o envelope, e só tem notas de cem, meu amigo começa a contar o dinheiro e depois de um tempo, constata.
— Tem quinze mil aqui mesmo, você é louco cara.
— Amigos servem para isso!
— Vou ligar para o meu fornecedor e avisar que tenho o dinheiro para quitar minha dívida, e adeus ameaças...
Ele se levanta empolgado, e vai até o quarto e retorna com o seu celular na orelha.
— E aí, consegui o dinheiro para quitar minha dívida com vocês.
Gesticulo para que ele coloque na viva voz, e assim é feito.
— Caraca, você conseguiu mesmo? Eles estavam falando de dar cabo de você, se não pagasse logo. Como conseguiu a grana?
— Tenho os meus corres. Vocês pegam comigo?
Júlio pergunta.
— Nada disso, vou descolar um lugar e te envio uma mensagem, venha sozinho, e sem gracinha viu... Sei onde você e seus pais moram...
A voz diz alertando.
— Beleza, então.
E a ligação é encerrada.
— Você não vai sozinho!
— Ele deixou claro Jon, não se preocupe sei me cuidar.
— Pode até saber, mas eles não estão para brincadeira.
— Acha que não sei? Não vai ter problemas, afinal estou com o dinheiro certinho em mãos.
O barulho de notificação interrompe nossa conversa. E me aproximo para ver o que está escrito.
Desconhecido: Hoje as 20:00 aqui na indústria abandonada.
— Nem um pouco suspeito, você não vai sozinho.
Digo insistindo.
— Pelo amor de Deus Jon, sei me cuidar, além do mais esse rapaz é meu fornecedor a anos, ele é meu parceiro.
Ele explica, com a voz um pouco mais elevada.
— Ele não é seu amigo, acorda Júlio, você tem que ficar atento com eles, sabe se lá o que estão tramando.
Digo tentando colocar juízo nele.
— Acho melhor você ir embora, antes que eu acabe dizendo coisas que você não quer ouvir...
Ele respira fundo, e se levanta da mesa indo em direção a porta e abrindo-a enquanto sinaliza a saída com a outra mão.
— Obrigado Jon, depois conversamos quando estivermos menos pilhados.
Saio de lá sem dizer nada, poxa fui expulso da casa do amigo que acabei de ajudar, mais que merda.
***
Estou a caminho do escritório do meu pai, Pearson me enviou o endereço logo após nossa conversa. Ao entrar no edifício comercial, fui imediatamente envolvido pela imponência do lugar. Passei pela portaria de mármore polido, onde recepcionistas bem-vestidos me cumprimentaram com sorrisos profissionais. O hall de entrada era vasto, lustres modernos que pendiam do teto, iluminando o ambiente com uma luz suave e acolhedora. O som dos meus passos ecoava no piso brilhante, misturando-se ao burburinho discreto das conversas de profissionais apressados.
Caminhei até o elevador, observando as paredes adornadas com obras de arte contemporâneas e plantas cuidadosamente posicionadas, que traziam um toque de frescor ao ambiente sofisticado. Entrei no elevador e apertei o botão para o andar do escritório Pearson Ferrat. Enquanto subia, o elevador emitia um leve zumbido, e senti uma mistura de ansiedade e determinação se agitando em meu peito.
Quando as portas se abriram no andar do escritório, fui recebido por uma recepção impecável. O espaço era amplo, com uma recepcionista sorridente sentada atrás de uma mesa de vidro elegante. As paredes eram revestidas de painéis de madeira escura, contrastando com o chão de mármore claro. A iluminação era suave, proveniente de luminárias embutidas que criavam um ambiente tranquilo e profissional.
— Bom dia, em que posso ajudar?
Perguntou a recepcionista com um sorriso acolhedor.
— Tenho uma reunião com o senhor Pearson.
Respondi.
— Qual seu nome?
— Jon Ferratt
A recepcionista fez um gesto para que eu aguardasse um momento e, após verificar em seu computador, acenou positivamente.
— Claro, por favor, siga-me.
Ela me guiou por um corredor bem iluminado, com portas de vidro que revelavam escritórios onde advogados trabalhavam diligentemente. As mesas estavam impecavelmente organizadas, com computadores, pilhas de documentos e estantes repletas de livros de direito. A atmosfera era silenciosa, interrompida apenas pelo som ocasional de teclados e murmúrios de conversas telefônicas.
Chegando à sala do senhor Pearson, a recepcionista abriu a porta e permitiu que eu entrasse. O escritório era o epítome do luxo e bom gosto. Uma grande mesa de madeira escura dominava o centro da sala, cercada por cadeiras de couro de alta qualidade. Atrás da mesa, uma parede de vidro oferecia uma vista impressionante da cidade. Estantes cheias de livros jurídicos e prêmios de reconhecimento profissional preenchiam uma das paredes, enquanto obras de arte discretas adornavam as outras. O ambiente era iluminado por uma combinação de luz natural e luminárias de design sofisticado, criando uma atmosfera de conforto e autoridade.
— Senhor Pearson, Jon Ferrat está aqui para vê-lo.
Anunciou a recepcionista.
— Ah, Jon, por favor, entre.
Disse Pearson, levantando-se e estendendo a mão.
Enquanto me acomodava, notei a porta ao lado, entreaberta, revelando o escritório vazio do meu pai. A sala do senhor Ferrat, embora atualmente desocupada, exalava o mesmo nível de elegância. A mesa estava impecavelmente organizada, e os detalhes decorativos, como quadros, esculturas, e até mesmo uma foto nossa de todos juntos de quando eu ainda era novo. A decoração fora escolhida com cuidado, refletindo a personalidade sofisticada do meu pai. A cadeira, vazia, parecia esperar o retorno de seu ocupante, trazendo um toque de melancolia ao ambiente.
Minha atenção voltou-se para Pearson, que me observava com um olhar profissional e compreensivo, pronto para discutir o que fosse necessário.
— Obrigado por mais cedo senhor Pearson.
— Não precisa do senhor, somente Pearson está bom Jon. Posso saber por que queria o dinheiro em espécie?
Ele pergunta curioso, enquanto me avaliava.
— Foi para ajudar um amigo. Como você vai me trazer de volta a vida? Legalmente falando.
Ele sorri, e não sei o motivo do sorriso, então ele começa a explicar brevemente.
— Primeiro vou apresentar uma Petição judicial: Como seu representante legal preciso apresentar uma petição ao tribunal solicitando a anulação da declaração de morte... Entendeu até aqui?
Assinto e ele retoma.
— Audiência judicial: Uma audiência para revisar as evidências e ouvir o depoimento da pessoa que retornou. O tribunal pode exigir provas adicionais, como testemunhas que possam confirmar a identidade da pessoa. Quando chegar nessa parte minha secretaria vai ligar para você... E depois prosseguimos.
— Agradeço sen... Quer dizer Pearson, por toda a sua ajuda até aqui.
— Não se preocupe com isso Jon, uma forma minha de retribuir sua ajuda com meu filho que quase morreu afogado a uns dias atrás...
— Espera... Você é o pai da Isis?
Pergunto sem acreditar, em como o mundo é pequeno.
— Isso mesmo, ela e minha esposa me disseram em como você foi solicito. Pode contar comigo para o que precisar, enquanto seu pai não retorna.
Ele explica.
— E sobre meu pai doutor?
— Estamos trabalhando nisso. Vamos examinar todas as provas que a acusação possui, especialmente as digitais na arma. Desenvolver uma estratégia de defesa sólida, que pode incluir apresentar álibis e questionar as provas da acusação. Participar de audiências para contestar a admissibilidade das provas e fazer moções para excluir evidências obtidas ilegalmente. Considerar a possibilidade de negociar um acordo, se for vantajoso. Preparar-se para o julgamento, incluindo a seleção de um júri e a preparação de testemunhas de defesa.
— ... manter você informado e apoiado durante todo o processo. Estamos aqui para garantir a melhor defesa possível para seu pai. Vai ficar tudo bem, viu?
— Ele pode ficar preso, Pearson? Seja sincero por favor.
Pergunto.
Ele reflete por um momento e explica.
— Acontece Jon, que a arma do crime possui as digitais do seu pai, você é a testemunha, mas me disse que adormeceu após nadar, e que quando acordou seu pai estava com sua mãe nos braços. Carlos disse que não se lembra o que aconteceu, entretanto, as provas apontam para ele como principal suspeito...
Ele para pôr um instante e retoma.
— Se chegar ao ponto de o juiz condenar ele como culpado, irei recorrer, ou antes disso tentar um acordo. Porque sendo sincero, é um caso delicado, onde ele não possui álibi...
— Entendo. Espero que não chegue a esse ponto. Obrigado por me explicar, e sobre minha mãe?
— Minha secretaria que ficou responsável por isso, só um instante.
Ele tecla no telefone com fio, e diz.
— Cristina vem até aqui, por favor.
Um minuto depois a secretaria retorna sorrindo.
— Sim senhor Pearson. Está precisando do que?
— Sobre a Rebeca Ferrat. Organizou o velório? Já sabe o horário?
Ele questiona, enquanto observo em silencio. E o sorriso dela desaparece.
— O velório foi marcado para iniciar as 14:00 da tarde e o enterro para as 16:00 de hoje. Será na igreja do centro.
Ela diz.
— Alguma dúvida Jon?
Pearson pergunta me observando.
— Pode me enviar o endereço?
— Mais é claro, considere feito.
— Obrigado Pearson e senhorita Cristina.
Me levanto e cumprimento o doutor, e a secretaria diz em um tom mais baixo.
— Sinto muito pela sua perda, senhor Ferrat. Qualquer dúvida a respeito disso me ligue.
— Obrigado por organizar isso.
Saio da sala, e os pensamentos estão de voltas me atormentando. E se eu tivesse feito diferente? E se eu não tivesse treinado antes... E se... Tantas possibilidades de um resultado diferente, mas o pior deles aconteceu, e eu era o culpado.
***
Cheguei um pouco antes das 14:00. Fui em casa somente para tomar um banho e trocar de roupa. Escolhi todas as peças na cor preta para compor minha vestimenta e aguardava na igreja a chegada do corpo dela. Algumas pessoas que eu não conhecia começaram a chegar, provavelmente avisadas pela secretária sobre a morte dela. Elas se sentavam nos bancos vazios enquanto aguardavam, e eu andava de um lado para o outro.
Às duas horas em ponto, o corpo dela chegou em um caixão de madeira polido e foi colocado lá na frente, próximo ao altar. Logo abriram o caixão. As pessoas começaram a se aproximar dela, mas eu demorei a ter coragem de vê-la sem vida. Era como se eu não quisesse aceitar aquilo, e vê-la era como uma despedida, uma aceitação de que ela se foi. Por fim, me forcei a me aproximar. Ela usava um vestido claro e florido. Sua pele clara e seus olhos fechados indicavam a dura realidade que eu não queria aceitar: ela havia ido embora e não voltaria mais. Segurei uma das mãos dela, que estava fria e sem vida, e comecei a chorar, sem me importar com as pessoas ao redor. Algumas me olhavam sem entender, afinal, não me conheciam. Outras se aproximavam ao notar uma semelhança comigo e desejavam as condolências. Eu apenas assentia, sem conseguir formular uma frase sem chorar.
Um momento depois, vi Isis, usando um vestido preto e cumprido. Ela estava junto de sua mãe, do senhor Pearson e de seu irmão mais novo. A mãe e a criança ficaram na entrada, e os dois se aproximaram de mim. Isis foi a primeira a me abraçar com tanta intensidade que, por um momento, saí daquele lugar doloroso. Sua voz doce como mel dizia:
— Sinto muito que esteja passando por isso! Estou aqui para o que precisar.
Ela não desvencilhou do abraço, e muito menos eu, mas a voz do pai dela me trouxe de volta à realidade. Interrompemos o abraço cheio de intensidade.
— Sinto muito, meu rapaz, pela sua perda. Sua mãe era uma mulher extraordinária.
Disse Pearson, me dando um abraço rápido.
Tentei me recuperar e apenas assenti com a cabeça. Ainda era difícil falar, e ambos entenderam isso. O pai de Isis, antes de sair, perguntou:
— Vai ficar com ele, filha?
— Sim, pai. Logo me junto a vocês.
Pearson saiu, e ela me puxou para outro abraço. Os momentos de interação com ela pareciam mágicos, como se ficasse somente nós dois naquele lugar. Passei um dos meus braços na cintura dela e outro nas costas, puxando-a mais junto do meu corpo. O cheiro dela, de uma flor fresca, era incrível. Comecei a me acalmar, e o choro cessou. Então ela se desvinculou e apenas me olhou em silêncio.
— Obrigado, precisava de um abraço...
Sorri para ela.
— O que um abraço não resolve? Principalmente o meu. Ela deu uma piscadela.
Agora havia mais pessoas na igreja, e pude ouvir alguns comentários desnecessários. E as pessoas nem se deram o trabalho de falar baixo.
— Ouvi dizer que o próprio esposo a matou...
A voz de uma mulher cortou o silêncio da igreja, o que fez com que uma onda de murmúrios se espalhasse pelo ambiente.
— Não acredito nisso.
Outra mulher balançou a cabeça em negação, enquanto uma terceira, com aparência mais velha, continuou:
— Não sei por que estão surpresas. Ela já chegou com vários hematomas no trabalho, e sempre dizia que era nada. E esse "nada" acabou matando-a.
— Nem sei por que estão assustadas, ela era uma megera no trabalho. Se você quer saber, já foi tarde...
Uma mulher de óculos comentou, e as outras assentiram em concordância.
O que comecei a ouvir me deixou profundamente irritado. Essas mulheres estavam falando do meu pai e da minha mãe de uma forma que eu sabia não ser verdade. Meu pai nunca faria mal a ela, e minha mãe era uma pessoa maravilhosa. Sentia o poder pulsando dentro de mim, um calor crescente que parecia consumir cada parte do meu corpo. Meu sangue fervia, e a raiva começava a me dominar. Tudo ao meu redor parecia silenciar enquanto eu caminhava na direção das mulheres, meus batimentos cardíacos acelerando.
Eu queria que elas parassem de falar, que ficassem em silêncio. As pessoas começaram a me olhar, e eu sentia alguém agarrando minha mão, trazendo-me de volta à realidade. Olhei para a pessoa que me segurava e vi Isis. Sua voz suave cortou o torvelinho de emoções que me consumia.
— Jon, Ferrat. Não vale a pena, não ligue para o que essas estúpidas estão dizendo.
Ela fez questão de mencionar meu sobrenome, e as mulheres me olharam com espanto. Era como se elas quisessem desaparecer dali. Gradualmente, elas começaram a sair, sentindo os olhares curiosos das pessoas ao redor.
Uma das mulheres se aproximou antes de sair e disse:
— Sinto muito por ter ouvido isso, mas o que eu disse é verdade. Ela muitas vezes chegava com roxos pelo corpo... E quando perguntava, não queria falar sobre. Ele não era esse bom homem que falam, rapaz.
A mulher mais velha terminou sua frase e se virou, saindo pela porta.
Aquelas palavras caíram como um balde de água fria. Meu pai não poderia ter feito isso, não poderia. Comecei a reavaliar todos os momentos que passei com ele, tentando encontrar qualquer sinal que pudesse ter ignorado. E então, me dei conta de algo...
***
No dia em que cheguei e fomos ao restaurante, lembro que houve uma discussão entre meus pais. Meu pai, exaltado, bateu na mesa, e a reação instantânea da minha mãe foi se retrair, como se temesse ele.
***
Talvez ele não fosse quem eu pensei. Mas uma coisa eu sei com certeza: ele não matou minha mãe, porque eu estava lá... Pearson se aproximou, interessado em saber o que aconteceu. Isis explicou brevemente, e percebi que ele não parecia surpreso com o que ouviu.
— Falamos disso depois. Esse não é o momento.
Ele disse.
Assenti, voltando para o lado do corpo da minha mãe. Isis permaneceu ao meu lado, trocando olhares cúmplices de vez em quando. Júlio e seus pais entraram na igreja e caminharam até nós. A mãe dele se aproximou e me abraçou.
— Minhas condolências, Jon. Que Jesus console seu coração...
— Obrigado, senhora Wilfer.
Respondi.
Ela se desvencilhou e o senhor Wilfer apertou minha mão e bateu gentilmente nas minhas costas, repetindo as mesmas palavras de consolo. Agradeci e ele se afastou, observando o corpo de minha mãe junto de sua esposa. Júlio se aproximou e me deu um novo abraço.
— Fique bem, irmão. Pode me ligar se precisar! E foi mal por mais cedo...
— Valeu. Esquece isso.
Respondi.
— E quem é essa bela dama ao seu lado?
Ele abriu um largo sorriso, e Isis e eu trocamos olhares.
— Mais que bela... É uma amiga, pelo menos por enquanto. Isis, esse é o Júlio, somos amigos desde que me entendo por gente.
A garota ao meu lado sorriu, e arrisco dizer que foi pelo que disse sobre ela.
— Oi, Júlio.
— Vem sempre aqui?
Não pude deixar de sorrir com o comentário dele. Júlio tem um talento para transformar momentos tristes em divertidos.
— Mais é um idiota mesmo.
Um pastor, que eu não conhecia, começou a falar, nos tirando da nossa conversa descontraída e nos trazendo de volta ao presente triste.
— Queridos amigos e familiares. Hoje nos reunimos para prestar nossa última homenagem à nossa amada Senhora Ferrat. Em momentos como este, encontramos conforto nas memórias e no legado deixado por aqueles que partiram. Senhora Ferrat foi uma luz brilhante em nossas vidas. Seu amor e bondade tocaram a todos ao seu redor. Ela era uma mulher de fé profunda, sempre pronta a estender a mão para ajudar quem precisasse. Sua generosidade e espírito acolhedor foram verdadeiros testemunhos de sua força interior e de seu compromisso com o bem. Ela dedicou sua vida a sua família e à sua comunidade, oferecendo não apenas apoio, mas também sabedoria e carinho. Através de seus atos de bondade, ela deixou uma marca indelével em nossos corações, ensinando-nos a viver com dignidade e compaixão. Enquanto dizemos adeus a Senhora Ferrat, lembramos das muitas alegrias que ela trouxe para nossas vidas. Sua memória viverá em cada um de nós, guiando-nos a seguir seus passos de amor e generosidade. Que possamos encontrar consolo na certeza de que ela está em paz, rodeada pelo amor eterno. Que Deus abençoe a Senhora Ferrat e a todos nós neste momento de despedida. Que a paz e o conforto divinos estejam com todos vocês. Amém.
— Amém.
A voz em uníssono das pessoas cortou o ar.
A forma como ele falou sobre minha mãe me emocionou profundamente. Sempre considerei minha mãe uma super-heroína e um porto seguro para os momentos difíceis, ouvir que ela não foi super-heroína só para mim, mas para diversas outras pessoas, me alegra. Saber que ela foi auxílio e amparo para aqueles que precisavam, aquece o meu coração. Quando me dou conta, Júlio e Ísis me abraçam enquanto lágrimas escorrem pelo meu rosto.
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