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Loja perdida

Oi, tudo bem? Como vai você?

***

O aglomerado de pessoas que andam pelo calçadão pela hora do almoço, fica para trás. A rua paralela tem tão poucos pedestres, que é um alívio seguir por ela.

— E aquela loja gigante que tem na rua Jafar? — EJ desvia de um buraco na calçada.

— Já entreguei. dizendo pra você, cara, deixei currículo em cada canto dessa cidade, aquele maldito gerente fodeu comigo.

— Você bem que podia ter ficado na sua.

— Qual é? Ele me demitiu e ainda gritou comigo.

— E na Raffis? — EJ insisti — Entregou lá?

— Fiz um aviãozinho de papel é lancei no vento. Ele deve ter pousado na mesa de alguém.

— Talvez possa buscar algo fora da cidade?

— Talvez possa buscar algo em outro estado.

Uma alta placa de madeira preenchida com a imagem da modelo mais cobiçada da estação, chama a minha atenção. É uma ironia que ela divulgue a loja que me demitiu.

— Isso não é justo, esses caras querem controlar cada um de nossos passos — deixo minha indignação ganhar vida. — Não basta cumprir todas as regras e metas, eles querem dominar a nossa vida e nos transformar em malditas marionetes.

— É a regra do jogo. A única forma de vencer é dançando conforme a música.

— Vocês querem grana? Eu consigo a maldita grana, mas vocês não vão me oprimir! — Ergo os meus punhos e aponto o dedo do meio para o céu.

— Cara, é só um outdoor.

As paredes muito próximas dos prédios que nos perseguem a todo instante, simplesmente acabam e deixam um vazio à nossa direita. O considerável estacionamento, que pode abrigar facilmente uns seis carros e ainda tem espaço exclusivo para motos, destaca as grandes vitrines brilhantes que ostentam uma porta dupla de vidro entre elas. Por algum motivo, o logotipo no topo da fachada da loja, não foi pintado ou impresso em uma lona, é todo feito de metal e as letras antigas parecem ter saído direto dos filmes dos anos 80.

— Que lugar é esse? — Minhas pernas perdem o movimento.

— Não faço ideia.

Um objeto na vitrine reluz com os raios de sol que o atingem. Uma espécie de corneta dourada se faz vista a distância.

— Vamos ver. — A mão do EJ acerta minha barriga com um fraco tapa. Apenas o sigo sem motivo para o contradizer e curioso por mim mesmo.

As prateleiras crescem com o avançar dos nossos passos, a madeira curva expõe desenhos e objetos tão antigos quanto a própria fachada.

— Discos? — Observo descrente as capas protegidas por plásticos.

— Tem um monte de gente que se liga nisso hoje em dia.

Paramos em frente a vitrine. O objeto que reluz com o sol, toma a nossa atenção toda para si.

— É um daqueles rádios antigos. — EJ se agacha e o estuda. — Gramofone?(05)

— É sério que alguém ainda usa qualquer merda dessa? — Observo uma caixa de madeira com dois botões enormes e um expositor com faixas, que alguns chamam de rádio.

— Eu já vi um gramofone antes, mas aquele tinha até entrada USB, esse parece antigo de verdade, tem até uma manivela.

— Tudo nesse lugar parece antigo de verdade.

Meu olhar encontra uma plaquinha encostada em um disco, ela provavelmente deve ter saído de uma caixa de brinquedos. Os números de plástico branco, se encaixam no plástico preto de base e dão forma ao valor.

— Cem reais? Quem paga tudo isso por um disco de vinil?

— Colecionadores? — EJ se coloca novamente em pé.

— Malucos de pedra.

— Esquece isso. Já se candidatou a vaga?

— Vaga? Que vaga?! — Encaro ele, confuso.

— De gerente. — O dedo indicador do EJ aponta para a vitrine. Noto o papel sulfite preso de qualquer forma com fita crepe, ele destoa de tudo ali, as letras impressas dizem: "Contrata-se gerente de vendas"

Só pode tá de zoeira com a minha cara. Quem no século XXI anuncia vaga de emprego na porra da vitrine?

— E quem disse que o anúncio está só aqui?

— Foda-se. Que merda de vaga é essa em uma loja bizarra?

— Não tem nada de bizarro aqui, são apenas objetos antigos.

— Nunca notamos este lugar antes.

— Andi, quantas vezes no ano você dá um rolê pelo calçadão? — O olhar do EJ me desafia.

Aponto para a vitrine.

— Isso. Tudo isso não tem nada a ver comigo. Duvido que eles podem bancar o meu salário.

— Você nem conhece o lugar.

— Precisa? Olha esse estacionamento abandonado.

— Olha toda a estrutura deste lugar. — EJ espia o interior da loja. — Não deve ter sido barato.

Cruzo os braços resoluto.

— Não vai me convencer a me candidatar a essa vaga.

— Tudo bem, cara, você é quem decide. — EJ me dá as costas e caminha em direção a rua. — Se é assim que prefere, vai pra casa e começa arrumar as suas coisas pra mudança. Mas não conta comigo, estou indo trabalhar enquanto um de nós ainda têm emprego.

Observo novamente o papel sulfite.

"A grana do seguro desemprego é pouca e não vai durar pra sempre. Logo as contas começam a chegar."

Me aproximo da entrada a passos rápido, o vidro se move à minha frente, é só um porta automática com sensor de movimento, mas, como se aquilo fosse algo de outro planeta, meus pés travam sem aviso.

— Boa tarde. — A voz rouca me surpreende. Um cara muito forte e de braços tatuados me encara cauteloso; a roupa justa é quase curta demais para ele; o corte de cabelo com fios compridos apenas no alto da cabeça, é mistura estranha entre o novo e velho.

— E , cara.

Sigo direto o corredor principal. Os longos expositores que me rodeiam, têm caixas cheias discos enfileiradas sobre eles e na parte interna. Não é possível ver o outro lado deles com clareza, mas baseado na parte superior, também estão forrados de discos.

Ergo os olhos e espio o espaço ao redor.

"Quatro expositores? Pra que tantos discos?"

— Essa é uma edição original de 1969 com a lettering turquesa.Uma mulher mostra a capa de um disco de vinil para um homem de cabelos cumpridos demais.

Busco o fundo da loja. Para além da mulher, existe apenas um longo balcão com quase o mesmo cumprimento da loja, mas a madeira envernizada se encontra completamente só, não há mais pessoas no lugar.

— Os outros funcionários estão em horário de almoço, se puder esperar, eu já atendo você. — As íris castanhas da mulher se fixam em mim. Nem mesmo notei quando parei ao lado deles.

— Tudo bem, eu espero. — Sorrio para ela.

— Fique à vontade. — A mulher volta a atenção para o disco em suas mãos. Os longos cabelos tingidos de um loiro quase branco, deixam as raízes escuras a mostra, deslizam sobre as suas costas até alcançar a fina cintura, e constroem uma moldura perfeita para a face clara e de traços delicados.

— Essa edição é raríssima. Veja o estado de conservação. — A vendedora volta a conversar com o cliente.

Me movo devagar. Finjo interesse pelo expositor a direita. Dou a volta nele até que a mulher esteja de frente para mim. Puxo um dos discos da caixa à minha frente e o uso para disfarçar a minha atenção sobre eles.

— Perfeita. — O cliente namora a embalagem do disco, e nem mesmo nota os movimentos da loira de estatura mediana, que coloca o vinil no aparelho de som. O modo dela se vestir me confunde, as roupas são claramente novas, mas parecem ter saído direto de um seriado antigo ou, talvez, eu tenha viajado no tempo sem com que me desse conta disso.

As pequenas mãos da mulher manipulam o disco com toda a delicadeza, pulseiras de ferro liso e fino dançam em ambos os punhos.

— Este é um item que qualquer colecionador deseja ter. — Ela move o pequeno braço do aparelho e o deposita sobre o disco, no mesmo instante, o som de uma guitarra ecoa baixo pela loja, mas o cliente continua mais interessado pela capa em suas mãos.

— Amadora. — Um baixo riso me escapa.

— Como é? — O olhar sério da vendedora rouba de mim todas as possíveis desculpas que poderia dar.

— Eu só acho que vai acabar perdendo à venda assim. Não está nem perto de me convencer de que esse é um bom negócio.

O cliente finalmente volta a realidade e corre os olhos entre nós, atento a conversa.

— Ah é? — A mulher cruza os braços e me encara desafiadora. — E como convenço você do contrário?

Volto o disco em minha mão para o lugar dele. Aproveito a chance para me aproximar, mantenho os meus olhos fixos nos dela a cada passo, a baixa estatura da mulher faz com que ela tenha de erguer ligeiramente a cabeça para poder me retribuir o olhar.

— Posso mexer nisso?

— Isso é um dos melhores toca discos do mercado — ela me corrige, mas permite que eu tome o seu lugar em frente ao aparelho.

— Pensei que tudo se chamasse aparelho de som ou system alguma coisa.

— Pensou errado — ela resmunga para mim. O pequeno corpo da mulher mal ultrapassa os meus ombros, os tênis de cano alto que cobrem os seus pés, não fazem muito pela altura dela.

Estudo os botões à minha frente.

— Isso aqui não tem volume?

— Este tipo de toca disco não tem caixa de som integrada. — Ela alcança um controle sobre o expositor e o estende para mim. — Tem certeza de que vai me ensinar a vender algo assim?

Apanho o controle remoto.

— Gata, eu vendo qualquer coisa. — Pisco para ela.

Observo o pequeno controle que não apresenta muitas opções, o botão de volume se destaca, apenas o aperto e mantenho meu dedo ali.

— Porra, você tem caixa de som espalhada por todo esse lugar? — Olho ao redor admirado com a qualidade do áudio.

— É um sistema surround!(06) — A mulher grita por sobre a música um tanto alta.

"Good times, bad times

You know I had my share..."(07)

https://youtu.be/FSiUTSJ2NWY

A movimentação a direita chama a minha atenção. O cliente, empolgado com a música, toca uma guitarra imaginária e agita os cabelos novamente esquecido de nós.

— Este é o disco que quer comprar? — grito para ele — É foda demais, cara!

— É Led Zeppelin, porra! — Ele me mostra a mão livre com os dedos dobrados sinalizando chifres.

— Eu sou o Andi. E você, como se chama?

— William.

A mulher se movimenta ao meu lado.

— Acho que já demonstrou o que queria. — Ela arranca o controle da minha mão.

— Me diz aí, William. — Finjo não notar que o som perde volume rápido. — Tem um sistema de som desse em casa?

— Tenho, reformei toda a minha sala de lazer só pra melhorar a acústica — ele conta orgulhoso.

— Vai pagar de boyzão com um som desse. — O observo ajeitar os cabelos.

— A galera iria pirar. — William ri para si.

Encaro a vendedora ao meu lado.

— Como troca a música nisso?

A loira sopra o ar insatisfeita. Sem me dirigir o olhar, ela levanta o braço do toca disco e o deposita novamente sobre a bolacha preta.

Tomo o controle do som da mão dela e volto a aumentar o volume da música.

— É um puta som. — Observo o cliente de olhos fechados; os cabelos compridos dançam ao som do baixo. — Por que não leva de uma vez?

— É muita grana, cara. — Ele abre os olhos e sorri para mim, mas a mão direita não para de dedilhar notas musicais no ar.

— Não consegue um agrado pro meu amigo? — Minha pergunta faz com que toda a atenção do lugar se volte para a loira.

— Se levar o disco do Led e o do Purple(08), dou pra você vinte por cento de desconto — ela responde direta.

— Puta merda! — O cliente castiga os cabelos, angustiado. — Eu quero muito, mas é grana demais.

— Sabe o que é uma merda? — Encaro o toca discos. — Quando a gente não vive tudo o que deseja. Cara, é uma bosta passar a vida pensando que podia tá de boa curtindo aquele sonho.

— Esse sonho vai embora rápido, garanto que não tem outro LP desse no Brasil. — A voz da vendedora seduz; a mão troca delicadamente a música.

— Eu sei, edição 1969 com Lettering turquesa! — William lamenta.

— Deixa o cara parcelar em três vezes no cartão de crédito. — Encaro a loira.

— Eu não sei...

— Vai perder à venda — a lembro.

A mulher observa o cliente por um segundo. Não sei dizer se ela consegue ver o mesmo que eu, mas aquele cara só precisa de um pequeno empurrão para fechar negócio.

— Tudo bem. Vinte por cento de desconto e em três vezes no cartão. — Ela cede.

— Puta merda, cara, isso pedi uma festa! — grito animado para o William.

Formou. Sábado vai ter reunião em casa. — Ele ri empolgado. — Vou chamar a galera toda.

De repente, a música para.

— Preciso do LP pra finalizar à venda. — A vendedora recolhe o disco do aparelho. — Mas fiquem à vontade, podem colocar qualquer outro disco pra tocar, só me encontra depois ali no caixa, William. — Ela aponta para um computador sobre o balcão as nossas costas.

Falou. — Ele devolve a capa do disco para ela.

Observo a loira se afastar por um segundo.

— Então, o que podemos ouvir agora? — pergunto para o William.

— Tem muita coisa boa aqui. — Os olhos dele buscam direto uma pequena pilha de LPs ao lado do toca discos. — Esta loja tem o melhor acervo de música da cidade. — Ele apanha a pilha e passa a analisar as capas.

O movimento da porta de vidro chama a minha atenção. Uma mulher negra de cabelo black power e andar sedutor adentra a loja, ao lado dela, um cara baixo, magro e com os cabelos moldados em um alto topete, acompanha os seus passos.

— Cris, trouxemos o seu prato favorito. — A mulher negra fala com o cara forte que continua próximo a entrada da loja.

— Obrigado, daqui a pouco vou comer — ele responde sério.

— Mas vai esfriar — a mulher tenta argumentar.

— Ainda não estou com fome. — O olhar do cara forte busca o fundo da loja, não perco o momento em que eles me encontram.

— Vou deixar lá na copa. — O cara magro acelera o passo em nossa direção com uma sacola plástica enganchada nos dedos, ele lança um rápido aceno de cabeça, quando passa por nós, e some por uma porta no canto esquerdo da loja.

A capa de um disco toma a minha visão.

— Esse LP do Pink Floyd(09) é foda. — William sorri para mim.

Manda ver, cara.

Observo a mulher negra a poucos passos de nós; o cara forte ainda me olha de longe, desconfiado.

— Fran, pode atender esse cliente pra mim? — A loira fala as minhas costas.

— Boa tarde. — O andar sedutor para ao meu lado. A mulher recém chegada sorri abertamente para mim e para o William. — O que procura hoje?

— Um emprego. — Sorrio de volta.

— Mel, ele veio pela vaga de gerente. — Ela olha para o balcão as minhas costas. É impossível frear o impulso de me virar e seguir o seu olhar.

A mão esquerda da loira sobe silenciosa e convida a se aproximar, a direita não para de trabalhar, os olhos não desviam do computador e, em questão de segundos, a mulher chamada de Fran já não está mais ao meu lado.

— Só finaliza essa venda pra mim. — As duas mulheres se cruzam por detrás do balcão; os olhos castanhos da loira encontram os meus.

— Pode me acompanhar? — Sem esperar por uma resposta, ela sobe uma escada ao lado da porta a direita.

— Até mais, William. — Deixo um tapa no ombro dele. — Foi um prazer conhecer você.

— Boa sorte, cara. — Ele continua a sorrir como se tivesse ganhado na loteria.

Me apresso em seguir a loira. A escada de ferro vibra levemente com os meus passos.

Ficou sete mil com o desconto. Dois mil e trezentos cada parcela.

— É o quê?! — Busco o balcão como olhar e vejo o William entregar um cartão bancário para a Fran.

"Mas que lugar é esse?"


✩✩✩✩✩


Venço o último degrau. A única coisa que há ali, é uma porta a esquerda.

— Pensei que tinha desistido. — A face séria da Mel me confundi, não dá pra definir se ela tenta descontrair o clima ou me recrimina.

— Só me despedi do William. Coisa de minuto. — Adentro a sala de piso de cimento queimado.

— Tente ser mais ágil.

O amplo espaço exala conforto com a sua larga mesa de escritório, e um sofá amarelo com aparência antiga, que destoa e, ao mesmo tempo, traz um toque de estilo para o lugar.

— Fala sério! — Me aproximo da parede de vidro liso e ridiculamente limpo. A loja se exibe com clareza aos meus pés, daquela altura é possível ver tudo, inclusive os funcionários, os novos clientes que chegaram, e o cara forte que olha diretamente para mim. — Isso é muito legal, mas o seu chefe não pode nem dar uma rapidinha com uma parede dessa.

— Meu chefe?

— É. O cara monta um puta escritório desse e nem pode aproveitar. — Giro sobre os pés e encontro Mel atrás da larga mesa. — O que faz sentada aí? — Observo a porta fechada.

— Gosto de viver perigosamente.

— Ah, é? — Me movo com lentidão sem perder contato com o olhar da mulher. Me apodero de uma das cadeiras de plástico, que acompanha a mesa, e me acomodo de frente para ela. — Talvez possamos fazer algo perigoso juntos mais tarde. — Pisco para a gata loira.

— Sabe, Andi, você pode estar indo por um caminho muito perigoso.

— Prestou bastante atenção quando me apresentei, ainda se lembra do meu nome. — Sorrio para ela, mas face séria da mulher não se abala.

— Sua postura não é nada adequada pra quem ainda nem foi contratado.

— Ei, vai com calma, gata. Foi só um elogio.

— Você não acha que esse tipo de elogio pede hora e local adequados? — A face imóvel e a calma predominante em sua voz, tornam o clima tenso e pesam cada palavra que deixa a boca dela. — Um ambiente de trabalho não é exatamente o melhor lugar pra isso, ainda mais quando a outra pessoa não deu abertura para "elogios" e muito menos a chamar de gata.

— Essa conversa tá ficando estranha, é melhor chamar logo o seu chefe, antes que eu faça o elogio errado e você acabe chamando a polícia.

— Então você tem problema em controlar os seus "elogios"? — O olhar dela estuda as minhas íris e tenta intimidar cada uma da linhas desenhadas nela. — Talvez eu tenha me enganado ao seu respeito.

— Sei guardar os meus elogios pra quem sabe apreciar eles, e também sei usar esse olhar frio estampado na sua cara. Agora, por que não levanta daí e vai chamar o seu chefe?

— Andi, Andi, não me decepcione. — A cabeça loira balança de um lado para o outro. — É mesmo um idiota ou ainda está pensando nos meus peitos?

— Você começa a ser grosseira comigo.

— Não leve para o lado pessoal, minha sinceridade e impaciência costumam ser entendidas como grosseria por todos. Acostume-se.

— Por que deveria? Eu ainda nem conversei com a porra do seu chefe.

As unhas cumpridas dela batucam a madeira entre nós; o olhar frio sobre mim exige atenção.

Mel apoia o cotovelo sobre a mesa, a palma clara vira suporte para o queixo arredondado.

— Por que acha que me sentei neste exato lugar?

A pergunta inesperada confunde o meu raciocínio. Aqueles cabelos tingidos, a roupa informal...

— Andi? — A face séria cobra uma resposta.

— Como eu podia adivinhar? — Me movo desconfortável sobre o assento. — Olha como você se veste.

— Me desculpe, esqueci de vestir o tailleur(10) hoje, mas prometo que amanhã virei com o meu conjunto rosa choque. Tem tudo haver com o ambiente da loja, os clientes como o William são os que mais amam ele.

— Nada em você dá sequer uma dica de que é a chefe da porra toda.

O riso dela ecoa ao nosso redor. Mel se recosta na cadeira e me encara com deboche.

— Não sou apenas a chefe da porra toda, sou a dona da porra toda.

Me levanto calmamente. Alinho a cadeira a mesa e observo uma última vez a pequena mulher.

— Fodi com todas as minhas chances, mas o que vale é tentar, não é mesmo? — Me viro em direção à porta. — Obrigado pela atenção e me desculpe pelo vacilo.

— Não quer nem mesmo tentar negociar comigo?

Paro bruscamente, me viro e encaro a mulher.

— Ainda quer negociar?!

— Não se preocupe com nossa conversa anterior, eu não sou uma mulher sensível. — A calma dela tenta me desconcertar por completo.

— Sensível, talvez não, mas me parece meio louca. — Luto para recobrar o controle. — Tudo o que sabe sobre mim, se resume ao meu nome e a essa conversa nada proveitosa. Você não me pediu nem mesmo um maldito currículo, como pode querer negociar comigo ainda?

— Sei administrar tudo isso, mas não sei vender, ao menos não como você. Com uma única venda, você me mostrou todo o seu potencial.

— Quer me contratar com uma grana que nem tem? Bela administradora — zombo dela.

— Não disse que não tenho grana, idiota. Quero que você aumente o faturamento mensal(11) da Age of Vinyls e, se conseguir isso, aumento o seu salário proporcionalmente.

— Você tem uma loja bacana aqui, admito, mas nem se compara com o lugar de onde vim.

Nos encaramos por longos segundos em total silêncio.

— Vai me dizer de onde veio ou fazer uma cena para realçar o drama?

Sorrio convicto para a face impaciente.

— Eu era um dos gerentes de venda de uma rede de lojas de departamento, o lugar é tão grande, que é dividido por seções com equipe e meta individual. Três andares de prédio.

— Nossa, que incrível. — A ironia dela me acerta em cheio e tenta me derrubar. — E quanto recebia nesse maravilhoso emprego?

— Não se humilhe, você não pode bancar um funcionário como eu.

— Ah, não, eu quero ser humilhada. — A voz apática me provoca. — Por favor, me humilhe.

Encaro ela tão frio quanto os olhares que recebi.

— Três mil líquido, mas, com a comissão de venda, eu tirava mais de quatro mil livre todo o mês.

— Pago cinco mil bruto, mais benefícios. Convênio médico e odontológico. Vale refeição. O vale transporte é negociável, posso oferecer auxílio combustível, se preferir. Aqui não temos comissão, não gosto de explorar psicologicamente as pessoas que trabalham comigo.

Estudo descrente o olhar implacável da mulher.

— Não vai nem ligar no meu antigo emprego e checar as minhas referências?

— Não.

— É completamente louca? E se eu for um psicopata?

— Faremos um contrato de três meses de experiência, se eu descobrir que é um psicopata, demito você. E não espere por piedade, eu não tenho nenhuma.

Arrumo minha postura e cruzo os braços desafiador. As íris castanhas não se abalam um milímetro com o meu olhar.

— Fui demitido por trabalhar de ressaca.

— Eu não ligo.

— Fiz isso mais de uma vez.

— Não ligo.

— Disseram que eu era o pior dos funcionários. Arruaceiro foi a palavra que usaram.

Mel sopra o ar e move os olhos entediada.

— Não ligo.

— Você é completamente maluca.

A pequena mão puxa um tablet, que repousa sobre a mesa, para perto dela.

— Não ligo pra nada do que faça, desde que aumente o faturamento mensal da loja, essa é a sua função e isso é tudo o que espero de você. — Ela liga o aparelho e volta o seu olhar para mim. — Estamos acertados?

Escondida por detrás de algum neurônio, a vozinha de um ser que me ama insiste para que eu responda não, mas outro ser maligno balança um plaquinha com a palavra "desempregado" gravada nela.

Encaro a loira a minha frente. É um difícil decisão, esse emprego claramente pagará as contas, mas sem dúvida será uma grande merda.





***

05 — Gramofone: Também chamado de vitrola por populares, é um toca discos inventado por Emil Berliner em 1887, também inventor do disco plano onde foi possível aumentar o número de gravações e de duração. A diferença entre a vitrola propriamente dita e o Gramofone, está no amplificador metálico em forma cónica, e o sistema de motor acionado por uma corda metálica, que deveria ser esticada manualmente, com o auxílio de uma manivela acoplada ao aparelho. Em: gramofone in Artigos de apoio Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2018. [consult. 2018-08-06 16:15:39]. Disponível na Internet: https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$gramofone

06 — Sistema surround: Sistema de reprodução sonora que utiliza mais de um altifalante pelo que o som provindo de várias direções transmite ao ouvinte um efeito de envolvência. EM: surround in Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2018. [consult. 2018-08-06 16:50:18]. Disponível na Internet: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/surround

07 — "Good Times And Bad Times": EM: TIMES, Good times and bad. Led Zeppelin. Led Zeppelin. Gravadora Atlantic plum & red, 1969.

A edição de 1969 com lettering turquesa se refere ao primeiro LP lançado pela banda. Existem outras versões com lettering em cores diferentes, mas a turquesa é considerada a mais rara delas. No período de pesquisa para este livro (2018), o referido disco era encontrado à venda nos valores de R$3,998.40 podendo custar até à R$52,795.20 (moeda convertida para real).

08 — Deep Purple: Banda britânica de rock formada em Hertford, Hertfordshire, em 1968. EM: PUPLE, Purple. https://pt.wikipedia.org

09 — Pink Floyd: Banda de rock britânica formada em 1965. EM: WALL, the. Pink Floyd. Columbia Records, 1979

10 — Tailleur: Vestimenta clássica feminina que consiste em uma saia e paletó geralmente do mesmo tecido.

11 — Faturamento mensal: Valor que a empresa recebe pela vendas ou prestação de serviço no período de um mês.

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