Capítulo XVIII
— Não existe a mínima possibilidade disso dar certo, Eliza. - eu disse pela décima vez.
O pedido da minha advogada para que eu respondesse a sentença em liberdade, finalmente, foi aceito ontem.
O certo seria eu trabalhar durante o dia e ir para a casa de Albergado durante o período da noite, mas por bom comportamento, minha advogada conseguiu que eu ficasse em prisão domiciliar.
O problema é que eu não fazia ideia do quanto eu estaria fodido depois que saísse do presídio. Minha empresa, minha casa e até meu carro foram vendidos depois da minha sentença.
Porém, por ironia do destino, assim que saí do sistema carcerário reencontrei minha ex-mulher.
Fiquei surpreso e confuso quando vi ela me esperando lá fora. A última vez que eu vi a Eliza, o Rodrigo tinha 3 anos, jamais iria imaginar que ela seria a primeira pessoa a me acolher, ainda mais pelo que eu fiz quando nos divorciamos.
Mesmo não tendo motivos visíveis, ela me ajudou. Disse que eu iria morar com ela e com o filho durante o tempo que fosse necessário até eu conseguir ajeitar minha vida.
O plano correria super bem, se a Eliza não tivesse a brilhante ideia de fazer um almoço na casa dela e chamar todos os parentes para participar.
— É claro que tem, Victor. - respondeu tentando me convencer.
— A sua família me odeia, se descobrirem que eu estou aqui, vão me despachar!
— Essa é a minha casa, ninguém vai encostar em você.
— E o Rodrigo? - perguntei - Já pensou no que ele vai fazer quando descobrir que eu vou estar debaixo do mesmo teto que a mulher dele?
— Ele não vai descobrir. É só você ficar quietinho e deixar a porta fechada! - revirei os olhos.
— Leonardo, me ajuda a convencer sua mãe de que isso é uma péssima ideia.
— Não acho que seja uma péssima ideia. - ele disse e eu suspirei - Além disso, você não tem para onde ir, Victor.
—Ele tá certo. - a Eliza disse e depois se virou para o garoto - Filho, deixa eu conversar a sós com o Victor rapidinho, por favor.
— Você está cometendo um grande erro, Eliza. - disse depois do menino sair.
— Estou cometendo um erro por tentar te ajudar? - me sentei na cama e ela sentou ao meu lado - Vai dar certo, Victor. É só você fazer o que eu disse!
— Por que, Eliza? - franziu o cenho - Por que tá me ajudando depois de tudo que eu fiz com você e com o nosso filho?
— Porque eu ainda consigo enxergar seu lado bom. - pôs sua mão sobre a minha - Você não é uma pessoa ruim, Victor. Só passou por situações que te deixaram assim.
— Como você tem coragem de dizer isso depois de tudo que eu fiz? - sorri ironicamente.
— Porque eu sou a única pessoa que te conhece de verdade! - encarei seus olhos - A única que conhece o verdadeiro Victor por trás de toda essa carranca.
Respirei fundo, levei sua mão até os lábios e deixei um beijo.
— Obrigada.
— Não precisa agradecer, pelo menos, ainda não. - sorriu e se levantou - Bom, eu já conversei com o Léo e ele me prometeu que vai ficar de boca fechada.
— Se não fosse pelos olhos, poderia jurar que estou revendo o Rodrigo com 13 anos.
— Eu precisaria de você pra conseguir fazer outro filho com olhos tão azuis. - rimos juntos - Descansa um pouco, você tá precisando! - disse antes de fechar a porta.
Passei o resto do dia organizando as poucas coisas que me sobraram, depois acabei caindo no sono.
Acordei ouvindo os sons das panelas, me levantei, escovei os dentes e fui até a cozinha.
— Bom dia. - eu disse entrando no cômodo.
— Bom dia. Dormiu bem? - perguntou sorrindo.
— Muito bem, obrigada. - me aproximei um pouco mais - Quer ajuda?
— Quero. Quero muito! - disse já me entregando alguns pratos.
Fiquei a parte da manhã ajudando a Eliza no que eu pude, depois fui para o quarto esperar as pessoas chegarem. Não demorou muito para escutar as muitas vozes ecoando pelo local.
Enquanto as longas horas iam se arrastando, fiquei deitado na cama, olhando para o teto e pensando em como minha vida mudou nesses últimos anos. Em como eu mudei!
Me assustei ao ver a porta do quarto ser aberta, me sentei rapidamente e fiquei esperando a bomba, mas como ninguém entrou, respirei aliviado. Porém, vi uma mãozinha minúscula empurrando a porta de madeira.
Instantes depois, um menino negro, de cabelo crespo e olhos incrivelmente escuros entrou no cômodo. Fiquei impressionado com a beleza dele, parecia um boneco desenhado nos mínimos detalhes.
Ele veio andando com os braços abertos, provavelmente para manter o equilíbrio do pequeno corpo.
— Ei, você não pode ficar aqui! - eu disse baixo quando ele se aproximou.
Me ignorando completamente, ele se direcionou para as prateleiras onde estava a minha coleção de carros.
— Carrinho! - disse rindo ao pegar um deles.
Deus, que sorriso mais lindo!
— Isso não é brinquedo, menino. Quer dizer, é, mas é só pra coleção! - peguei o objeto de sua mão e ele fez bico, denunciando que iria começar a chorar - Tá, tá bom. Toma! - entreguei-o de volta.
Fui até a porta para fechá-la e quando me virei, o garoto estava sentado no chão, fazendo um barulho com a boca que era para ser de um carro.
Voltei a sentar na minha cama e passei as mãos pelo cabelo.
— O que eu vou fazer quando seus pais sentirem sua falta? - perguntei e ele se levantou vindo até mim com o brinquedo nas mãos.
Ao se aproximar, o menino se colocou em pé entre as minhas pernas, depois segurou um dos meus dedos que pareciam de um gigante se comparados a uma mãozinha tão pequena. Ele me encarou por um bom tempo, depois riu e estendeu os bracinhos. Não sei o porquê, mas peguei-o no colo imediatamente, como se um instinto tivesse falado mais alto.
Me sentei no chão e comecei a brincar com o menino que eu nem sabia qual era o nome.
— Baba. - ele disse ao me olhar novamente.
— Aí, Jesus. Não, eu não sou seu pai. - disse pausadamente - Meu nome é Victor!
— "Ví"! - respondeu animado.
— É, dá pro gasto. - dei de ombros e novamente ele sorriu.
Foi inexplicável a forma como seu sorriso fez meu coração acelerar, e como fiquei feliz ao senti-lo segurar minha mão outra vez.
— Quem é você? - perguntei curioso.
— O que tá acontecendo aqui? - ouvi uma voz feminina vinda da porta.
Olhei para frente e vi a Aksa nos encarando com surpresa e preocupação explícita nos olhos.
— Mama. Carrinho. - o garoto disse sorrindo levantando o brinquedo e eu franzi o cenho.
Mama?
— Sai de perto do meu filho. AGORA! - disse já vindo em minha direção.
Filho? Esse menino é meu neto?
Haviam tantas dúvidas rondando minha cabeça que nem consegui reagir quando ela, praticamente, arrancou o menino dos meus braços.
— Ví! - o bebê começou a chorar chamando "meu nome" e só então voltei para a realidade.
— Ele é seu filho? - perguntei incrédulo.
Então foi por isso que ele me chamou de pai, por causa dos olhos do Rodrigo.
— Preta, conseguiu dar o remédio pro Djevá? - vi meu filho atravessar a porta do quarto.
A expressão do Rodrigo se encheu de ódio ao me encarar, e mesmo estando a metros de distância, consegui ver sua respiração ficando pesada.
— O que você fez? - perguntou com a voz grossa e já veio em minha direção.
Me levantei rapidamente do chão já me preparando pelo que viria a seguir, mas por algum motivo, a Aksa se pôs entre nós dois.
— RODRIGO, NÃO! - disse com o braço estendido enquanto as lágrimas rolavam pelo rosto do menino - Não na frente do seu filho!
Rodrigo bufava de raiva, seu peito subia e descia em um ritmo descompensado, mas assim que olhou para o garoto, sua postura pareceu vacilar.
Ele se aproximou um pouco mais e apontou o dedo para o meu rosto.
— Eu vou te avisar só uma vez: Fica longe da minha família! - engoli seco.
— Rodrigo, chega. - ela disse - Vamos embora!
— Ví! - o menino me chamou novamente enquanto chorava, depois estendeu a mãozinha em minha direção.
A Aksa me encarou durante um tempo ao notar o ato do menino, mas não consegui reagir.
Depois de perceber que sua esposa estava puxando seu braço, Rodrigo parou de me olhar e finalmente saiu do quarto.
Só consegui aliviar a tensão depois que fiquei sozinho no cômodo.
— Que merda acabou de acontecer? - perguntei a mim mesmo quando fechei a porta.
༺
— Ele dormiu? - perguntei.
— Demorou um pouco pra fazer ele parar de chorar, mas depois de tomar banho, ele dormiu. - ela respirei fundo - Não era para o seu pai estar preso? A sentença dele foi de 12 anos, amor.
— A advogada conseguiu que o pedido para ele responder em liberdade fosse aceito por causa do bom comportamento dentro do sistema penitenciário. - disse passando a mão pelo cabelo - Ele foi solto ontem!
— Por que você não me contou?
— Fiquei sabendo hoje de manhã, um pouco antes de irmos para aquele bendito almoço.
— Por que ele estava lá? - se escorou na bancada ao meu lado.
— Minha mãe é igual a você, tem o coração bom demais para esse mundo! - ela cruzou os braços e olhou para o chão - O que foi?
— Não sei, é que... - se posicionou a minha frente - Pode parecer loucura, mas eu achei seu pai um pouco diferente.
— Fala sério, Aksa. - sorri ironicamente.
— Já faz sete anos, amor. - revirei os olhos - Eu só acho que...
— Aksa, eu conheço esse tipo de gente. Lido com esses marginais todos os dias!
— Marginais? - perguntou - Ele ainda é seu pai, Rodrigo.
— Ele deixou de ser meu pai no dia que descobri que ele havia planejado o seu assassinato! - encarei seus olhos - Eu conheço o Victor, e pelo que eu já presenciei, ele não é do tipo que muda da água pro vinho.
— Amor, seu pai era racista. Ele não suportava ficar mais de 5 minutos no mesmo ambiente que eu, mas hoje ele tava com o Djevá no colo.
— Tá, e daí?
— Daí que ele pode ter mudado, às vezes ele só precisa que você dê uma segunda chance e...
— Para. Por favor, para! - a interrompi - Eu sei o quanto você defende essa questão de laços familiares e superação, até acho legal porque se não fosse por isso eu não teria reencontrado a minha mãe, mas com o Victor não.
— Todo mundo merece uma segunda chance, amor.
— Segunda chance? - perguntei com a voz um pouco alterada - Você tá ficando doida?
— Não, eu só...
— O cara que tava segurando seu filho a algumas horas atrás, planejou seu assassinato. Só Deus sabe o que poderia ter acontecido se você não tivesse chegado a tempo.
— Esse é o ponto que eu quero chegar, amor. - disse pacientemente e eu senti meu sangue fervilhar - Não acho que ele teria feito algo com o Djevá!
— AKSA, CHEGA! - gritei e percebi seu susto - Como você tem coragem de dizer que o cara que tentou te matar não iria fazer nada com o Djevá? - dei um tapa forte no balcão - É O NOSSO FILHO, CARALHO. Se acontecer qualquer coisa com ele, a culpa será sua por acreditar nessa baboseira de segunda chance! - me olhou assustada - Você se esqueceu do que ele fez? Esqueceu do dia que você foi estuprada? - me arrependi de ter usado essas palavras no mesmo instante que elas saíram da minha boca.
— Não Rodrigo, eu não me esqueci do estupro, e acho que nunca mais vou conseguir entrar em um estacionamento sozinha sem me lembrar de cada segundo daquele dia. - seus olhos ficaram marejados.
Olha o que você fez, imbecil.
— Preta, me perdoa, por favor. - tentei me aproximar e ela se afastou - Eu não devia ter dito isso, nem falado com você desse jeito, mas esse assunto do meu pai mexe demais comigo!
— E você acha que o fato de eu ter sido violentada não mexe comigo? - senti meu coração despedaçar ao ver uma lágrima descer dos seus olhos - Sabe qual a diferença entre eu e você, Rodrigo? - neguei com a cabeça - É que eu, pelo menos, tento superar o que aconteceu, mas você não. Você ainda tá trancado naquela sala de interrogatório, encarando seu pai, e agindo como um adolescente que sempre procura alguém para culpar. - me encarou com os olhos cheios de lágrimas - Ninguém pode curar suas cicatrizes por você, Rodrigo!
— Preta ...
— Eu vou pro meu escritório. Esse assunto já deu o que tinha que dar! - saiu da cozinha sem nem me dar chance de impedir.
Me senti o cara mais babaca do mundo por ter dito tudo aquilo. A Aksa não estava só brava, ela também estava triste porque, além de ter gritado, eu ainda fiz ela se lembrar de um dos piores dias de sua vida.
Eu tinha noção de que um dia o Victor iria voltar, e já estava me preparando pra não me deixar afetar, mas eu ainda não consigo lidar com esse assunto sem me tornar uma pilha de nervos.
— Põe essa cabeça no lugar, Rodrigo. Agora você tem uma família! - repeti para mim mesmo.
*Relevem os erros, por favor!*🥺
Primeiro desentendimento do casal: OK✅
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